Projecto de Resolução N.º 1552/XII/4.ª

Pelo cancelamento das privatizações da EMEF e CP Carga

Pelo cancelamento das privatizações da EMEF e CP Carga

Os processos de privatização da EMEF, Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário, S.A. e CP Carga, Logística e Transportes Ferroviários de Mercadorias, S.A., são parte integrante do processo de liquidação do sector ferroviário nacional e integram-se igualmente no processo de privatizações que o Governo está a lançar na fase terminal do seu mandato.
O Governo refere estes processos nos respetivos Decretos-Leis como sendo processos de «reprivatização». Ora a EMEF foi criada em 1993 e a CP Carga em 2008, ambas funcionando sempre como empresas públicas. Temos assim o Governo a afirmar que vai “voltar a privatizar” o que nunca foi privado – evidenciando um discurso e uma prática que não resistem ao confronto com a realidade.
Estes diplomas e estas decisões afrontam a própria Constituição, e fazem parte de um processo que afronta a Constituição em termos mais amplos. Recorde-se que a Constituição aponta como tarefas fundamentais no plano económico, para a «Coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção» e para a «Propriedade pública dos recursos naturais e de meios de produção, de acordo com o interesse coletivo». Ora, mais uma vez se confirma que o Governo se encontra envolvido num processo de destruição efetiva do sector público.
Que as privatizações da CP Carga e da EMEF sejam conduzidas pelo Ministério das Finanças e não pelo Ministério dos Transportes é um facto que diz muito dos objetivos deste processo, e de quão afastado ele está de qualquer objetivo operacional ou remotamente relacionado com a melhoria do sector ferroviário nacional.
Aliás, os diplomas são reveladores do pensamento dos seus autores face ao funcionamento da ferrovia. Desde logo, quando afirmam que a EMEF deve ser privatizada pois é um «ativo não essencial» e uma mera «participada» da CP – como se fosse possível o funcionamento da CP sem a EMEF, a não ser num quadro de total dependência e vulnerabilidade perante os fabricantes de equipamento ferroviário que dominam o sector a nível global.
O Decreto-Lei revela uma visão que ignora o mundo real, onde os comboios circulam, transportam passageiros e mercadorias, circulam em infraestruturas sob um apertado controlo de circulação, sofrem regulares operações de manutenção e reparação e exigem a intervenção de múltiplos trabalhadores com diferentes profissões e conhecimentos. Para o Governo, as empresas reduzem-se à sua capacidade de gerar dividendos para os capitalistas detentores do seu capital.
Este processo de privatização não pode ser separado de um processo mais profundo e mais antigo: o da concentração monopolista à escala europeia, e dos objetivos estratégicos e imperialistas desse processo: controlo dos mercados nacionais pelas multinacionais; destruição da capacidade produtiva dos Estados neocolonizados; precarização e desvalorização do preço da força de trabalho; degradação da soberania nacional e crescimento da dependência externa. Que as classes dominantes nacionais estejam rendidas (assimiladas) a este processo de colonização efetivo não é sequer novo na história do nosso povo.
A privatização – que tem vindo a ser preparada com os fabricantes de material circulante – colocaria o país ainda mais dependente dessas multinacionais, quando aquilo que se impõe é uma rutura com o caminho de declínio nacional e a afirmação de outro caminho, que aposte na produção nacional. É nesse quadro que a manutenção, reparação e produção de material circulante é uma atividade estratégica para o país, para mais quando a ferrovia tende a assumir uma importância crescente nos sistemas de transporte de passageiros e mercadorias e quando o país está confrontado com a necessidade de investimentos no médio prazo de largas centenas de milhões de euros no seu material circulante.
A privatização da EMEF contribuiria ainda mais para a pulverização do sistema ferroviário, processo gerador de crescentes custos para o Estado e de importantes perdas na segurança e fiabilidade da operação. Tal privatização colocaria a CP na completa dependência de um grupo económico privado, ou seja, totalmente vulnerável perante uma situação de total insustentabilidade que inevitavelmente se abateria sobre os utentes do transporte público e sobre a economia.
É verdade que não basta travar esta privatização. É preciso igualmente reverter um conjunto de medidas que fragilizaram a EMEF (desde a venda da Unidade de Investigação e Desenvolvimento até à redução dos quadros de pessoal abaixo dos mínimos necessários à operação, passando pela errada opção de externalização de serviços) e adotar uma política de desenvolvimento de um sistema ferroviário uno, público e integrado. Mas para isso, é fundamental agora travar esta privatização.
O Governo reconhece que a privatização da CP Carga foi uma das exigências da troica estrangeira FMI/BCE/UE e fundamenta ainda nessa exigência a presente iniciativa de privatização da empresa. Ora, tal referência suscita duas observações: por um lado, a constatação de que, tal como o PCP preveniu, a tão celebrada “saída da troica” revela afinal a continuidade das suas políticas. Por outro lado, é chocante a hipocrisia política de quem pretende afirmar que uma empresa, cuja dívida é de 120 milhões de euros (menos de 0,05 por cento da dívida pública), e constituída essencialmente por “leasing” do seu material circulante aparece como uma prioridade nas medidas a tomar face a essa mesma dívida pública.
A verdadeira origem deste processo remonta aos sucessivos pacotes ferroviários e às sucessivas tentativas de impor a liberalização do sector ferroviário aos Estados e aos Povos da União Europeia. Um processo que levou a que a empresa ferroviária alemã (por sinal, pública) assumisse uma posição monopolista no transporte ferroviário de mercadorias à escala europeia. E esse domínio monopolista é um interesse estratégico do grande capital, integrado na sua estratégia de dominação económica e política dos Estados periféricos para melhor assegurar a exploração dos seus recursos, dos seus mercados e da sua força de trabalho.
Depois o Governo afirma o seu empenho em «fomentar a modernização e expansão do mercado ferroviário de mercadorias além-fronteiras». Em causa está a sua conceção de que a prioridade suprema para o sistema ferroviário é supostamente a de ligar os portos à europa, uma perspetiva redutora e errada que coloca as infraestruturas estratégicas de transportes, em detrimento do interesse nacional, a “passar ao lado” do país, ao serviço de interesses que lhe são estranhos. Poderá ser uma lógica que sirva grupos económicos, mas nunca servirá os interesses do desenvolvimento económico sustentado e equilibrado do país.
Por fim, o Governo pretende afirmar que a privatização permitirá «o reforço da posição competitiva, do crescimento e da eficiência da CP CARGA, em benefício do setor dos transportes ferroviários, da economia nacional e dos utilizadores e utentes das estruturas e serviços de transportes ferroviários, em que a CP CARGA desenvolve a sua atividade». Mas trata-se de uma proclamação vazia, que nada na realidade permite confirmar. Antes pelo contrário, basta ver a forma como a empresa privada criada pela Mota Engil se arrasta no sector (apesar de objetivamente beneficiada em muitas situações operacionais e outras, como as prioridades em termos de circulação, etc..) sempre reclamando mais e mais do Estado, promovendo uma brutal exploração da força de trabalho e criando dívidas às empresas públicas.
A privatização colocaria a CP Carga ao serviço da produção de lucros de um qualquer grupo económico, para o qual seria indiferente os verdadeiros ganhos que a CP Carga tem trazido ao país. No Relatório e Contas de 2014 da empresa, por exemplo, é sublinhado o valor ambiental do serviço prestado pela CP Carga, onde cada comboio representa 2,26 toneladas de CO2 cuja carga, transportada por 16 camiões por estrada, produziria 5,45 toneladas de CO2. E foram 9,2 milhões de toneladas transportadas em 2014, mais 11% que em 2013.
A privatização da CP Carga deixaria o país sem um instrumento estratégico – o transporte ferroviário de mercadorias – condenado a pagar rendas aos grupos económicos que dominassem o sector e degradaria ainda mais a soberania nacional. Tal privatização contribuiria ainda mais para a pulverização do sistema ferroviário, processo gerador de crescentes custos para o Estado e de importantes perdas na segurança e fiabilidade da operação.
A ferrovia tem futuro em Portugal. Defender esse futuro exige lutar por uma estratégia integrada e de integração, onde as várias vertentes (infraestruturas/manutenção, reparação e construção, circulação, exploração de passageiros e mercadorias, material circulante/manutenção, reparação e construção e segurança ferroviária, transporte de passageiros e mercadorias) sejam devidamente asseguradas numa CP pública, modernizada, ao serviço do país e da economia nacional.
Nestes termos, e tendo em consideração o acima exposto, ao abrigo da alínea b) do Artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do número 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte
Resolução
A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, resolve recomendar ao Governo que sejam imediatamente cancelados os processos de privatização da EMEF, Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário, S.A. e da CP Carga, Logística e Transportes Ferroviários de Mercadorias, S.A.

Assembleia da República, em 25 de junho de 2015

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