A introdução da Televisão Digital Terrestre em Portugal, inerente à natural evolução tecnológica deste meio de comunicação, deveria constituir uma oportunidade – assim fossem tomadas as medidas adequadas – para a melhoria quantitativa e qualitativa da oferta de televisão em Portugal, e não, um verdadeiro pesadelo para uma parte da população portuguesa e um excecional negócio para uma parte dos interesses económicos que intervém neste setor.
Portugal é um dos últimos países europeus a introduzir esta tecnologia, elemento que por si só permitiria de forma avisada evitar erros que foram cometidos por outros. Apesar disso, e indiferentes às diferentes vozes – poder local, representantes dos trabalhadores do sector, grupos de cidadãos, etc. – e alertas que se foram levantando, o anterior governo do PS (que assumiu esta decisão em 2008) e a atual maioria PSD-CDS, optaram por um caminho que coloca o país, nas vésperas do primeiro desligamento do sinal analógico previsto para 12 de Janeiro nas zonas do litoral do país, à beira de deixar centenas de milhares de portugueses sem acesso ao serviço de televisão.
Este processo desde o início e erradamente assumiu que os custos da transferência desta mesma tecnologia seriam assumidos pelas populações. Um processo que foi, na prática, colocado nas mãos da Portugal Telecom, responsável pelo desenvolvimento desta plataforma, empresa que por sua vez é detentora da plataforma MEO que é uma óbvia concorrente na disputa deste mercado. Um processo que, não só marginalizou o papel da RTP enquanto televisão pública, como auto-limitou o número de canais a que a população portuguesa poderá ter acesso por via da TDT – contrariando o exponencial alargamento da oferta registado noutros países com a introdução desta tecnologia – em benefício claro das plataformas de televisão de acesso pago como são a MEO ou a ZON TV Cabo.
Um processo que revelou os compromissos e os interesses que vêm dominando a administração do Estado, com a dita entidade reguladora do sector – ANACOM – a comportar-se como entidade ausente na defesa do interesse público e complacente com os interesses privados, seguindo as opções da tutela governamental.
A situação que o país e o povo português enfrentam não suporta que, num quadro de brutal agravamento da situação social para milhões de portugueses, com o desemprego, com os cortes nos salários e pensões, com aumento do custo de vida na generalidade dos bens e serviços essenciais, se acrescente mais uma despesa - que pode ultrapassar largas centenas de euros: seja pelos custos da aquisição de descodificadores (ou de tecnologia equivalente que permita captar o sinal digital), seja pela aquisição de novos aparelhos de televisão (tendo em conta que atualmente apenas uma percentagem residual dos televisores está preparada), seja ainda pelo facto de milhares de portugueses estarem hoje a ser empurrados para a assinatura de contratos com as plataformas de televisão paga, em virtude da forma como este processo está a ser conduzido.
Por outro lado, a possibilidade cada vez mais real de, a partir da próximo dia 12 de Janeiro, centenas de milhares de portugueses ficarem na prática impossibilitados de aceder ao serviço de televisão – situação que envolve não apenas as zonas do país mais remotas, mas também, zonas do litoral e até urbanas – constitui uma inaceitável negação de um direito, sejam quais forem as circunstâncias. Uma situação que é agravada pelo profundo desconhecimento que existe na população portuguesa sobre os impactos desta alteração, e que nem a tardia e tendenciosa campanha que o Governo decidiu lançar conseguirá ultrapassar.
Acresce que aquilo que poderia constituir uma importante oportunidade para melhorar, não apenas a qualidade do serviço prestado, mas também o alargamento da oferta do número de canais disponibilizados de forma gratuita à população portuguesa, está a ser transformado na prática numa descarada operação de alargamento do acesso a televisão paga, beneficiando desta forma os lucros das operadoras que fornecem esse serviço e condicionando, no presente e no futuro o papel do serviço público de televisão. As experiências verificadas noutros países como o Reino Unido com um papel destacado da BBC na disponibilização de dezenas de canais, ou em Itália com a RAI, ou mesmo em Espanha com a TVE, deveriam ser potenciadas no nosso país com um papel de destaque por parte da RTP.
Tal como as coisas estão, é urgente e indispensável avançar com decisões e tomar medidas concretas. A experiência piloto em alguns concelhos, designadamente Alenquer, demonstra a importância de uma condução prudente e atempada deste processo. A decisão de proceder já no dia 12 de Janeiro ao desligamento do sinal analógico poderá ter consequências irreparáveis para o povo português que não podem ser diminuídas ou submetidas às imposições da Portugal Telecom.
A situação que está hoje criada pode e deve ser invertida. Desde logo pelo adiamento do desligamento do sinal analógico cuja conclusão está prevista para Abril deste ano. Decisão que deverá ser acompanhada da correção de um conjunto de erros da maior gravidade, e da consideração de pressupostos até hoje ignorados.
Nestes termos, e tendo em consideração o acima exposto, ao abrigo da alínea b) do Artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do número 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte
Resolução
A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, resolve recomendar ao Governo:
1. A recalendarização do processo de desligamento das emissões de televisão em sinal analógico, para garantir a necessária salvaguarda do acesso da população às emissões televisivas;
2. A implementação urgente das seguintes medidas, a concretizar no quadro do ponto anterior:
2.1. A definição de um programa de faseamento que garanta que nenhum emissor poderá ser desligado sem que a população abrangida seja servida há mais de um ano por emissões de Televisão Digital Terrestre, quer do ponto de vista da cobertura territorial, quer do ponto de vista da cobertura da população abrangida.
2.2. O assumir dos custos da introdução desta tecnologia por parte do Estado e das operadoras de telecomunicações, com destaque para a empresa concessionária da rede TDT, garantindo a disponibilização de descodificadores ou dos equipamentos equivalentes à captura do sinal.
2.3. A constituição de equipas de apoio à introdução desta tecnologia com a intervenção concreta no terreno, envolvendo e apoiando as populações e o poder local, dotadas dos meios adequados.
2.4. O obrigatório envolvimento neste processo do serviço público de televisão, por via da RTP, garantindo não apenas a disponibilização de todos os canais da televisão pública nesta plataforma como prevendo futuras opções que se venham a considerar no alargamento do serviço público designadamente em canais de programação infantil, desportiva, cultural, regional ou ambiental.
2.5. A consideração, envolvendo o conjunto dos operadores não públicos em Portugal, do alargamento do número de canais de televisão a disponibilizar na TDT.
Assembleia da República, em 4 de Janeiro de 2012