Os graves problemas relacionados com a apanha de bivalves no estuário do Tejo, mais em concreto da ameijoa japonesa, são profundamente conhecidos, têm sido regularmente colocados aos sucessivos governos (nomeadamente pelo PCP através de várias iniciativas legislativas desde 2009), e até mereceram enquadramento no Orçamento de Estado para 2021.
Mas o problema mantém-se, ou mesmo agrava-se, exigindo-se que sejam tomadas medidas, em definitivo, com vista a sua resolução.
Desde logo, é preciso ter em atenção que a ameijoa japonesa é uma espécie invasora, que ao ter sido introduzida no Estuário do Tejo passou a exercer uma ação concorrente e predatória, não só com as espécies bivalves anteriormente existentes, como também com outras espécies como são o caso da enguia e do linguado, prejudicando a sua reprodução, pelo que a sua captura é necessária para o equilíbrio do ecossistema e salvaguarda da biodiversidade.
Depois, é preciso atender à realidade de que no Estuário do Tejo trabalham hoje milhares de mariscadores, muitos deles em situação irregular, “presos” nas malhas de redes exploradoras, e que, fruto da total precariedade em que exercem o seu trabalho, acabam vítimas de cargas horárias violentíssimas, péssimas condições de trabalho, total ausência de segurança social ou laboral, sendo frequentes os acidentes laborais que culminam em morte. É de destacar que atualmente há cerca de 5000 mariscadores no ativo no Estuario do Tejo, o que contrasta com o número de apanhadores registados e com licença, que são, para o ano 2020, de 168 efetivos.
E não deve ser ignorado que o fruto do trabalho destes mariscadores, a produção anual de milhares de toneladas de bivalves, acaba por sair do circuito legal, sendo por vezes desviada para outros países, nomeadamente Espanha, de onde é depois importada, prejudicando a Docapesca, o Estado Português (pela impossibilidade de cobrança de impostos), a capacidade produtiva nacional, e criando riscos para a segurança alimentar das populações.
A solução não é a repressão e a aplicação de coimas, que é onde têm assentado as respostas públicas, ações que se transformam muitas vezes num mero custo associado ao processo extrativo ilegal, sem capacidade de travar a prática de atividades ilegais. E nesta matéria tem de se destacar que este “custo” adicional se abate essencialmente sobre quem trabalha nesta atividade, em condições de trabalho indignas, não se refletindo sobre aqueles que maioritariamente beneficiam desta prática, ou seja, os intermediários e as redes de transporte e colocação no mercado desta produção irregular.
A solução para este problema consiste numa resposta integrada do Estado português, que contribua para resolver concertadamente os três problemas identificados: o equilíbrio do ecossistema do estuário, as condições de trabalho e vida dos mariscadores, a salvaguarda da produção nacional e regulação fiscal. E que transforme uma fonte de problemas – essencialmente para os trabalhadores nela sobreexplorados – numa fonte de criação de riqueza para esses trabalhadores e para o país.
Uma primeira resposta necessária é a construção de uma depuradora industrial no Estuário do Tejo, integrada na Docapesca, que recepcione a produção de bivalves do Estuário. Trata-se de um investimento com retorno em pouco tempo, fruto da receita que a atividade depuradora assim desenvolvida proporcionaria à Docapesca.
Em seguida é necessário realizar um verdadeiro zonamento do Estuário do Tejo, através da discretização da área em mais zonas classificadas, uma vez que as atuais duas únicas zonas são claramente insuficientes e redutoras em termos do exercício da atividade de marisqueio. O aumento do número de zonas com classificação diversa é necessário para assegurar uma verdadeira eficácia do controlo fitossanitário e para impedir que a degradação da qualidade do meio hídrico numa determinada zona possa afetar automaticamente a produção em todas as restantes.
Ainda a este respeito impõe-se a prometida publicação do Regulamento da Pesca no Estuário do Tejo, incluindo a apanha de bivalves.
Finalmente, e admitindo a criação de mais zonas em que é permitida a atividade de marisqueio na área do Estuário do Tejo, é necessário promover o licenciamento desta atividade através do aumento do número de licenças para operar no Estuário, enquadrando toda a produção profissional no circuito da Docapesca, e assim assegurando a todos os profissionais uma situação laboral regularizada, incluindo os adequados descontos para a Segurança Social.
Nestes termos, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte:
Resolução
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo que:
- Concretize um adequado zonamento do Estuário do Tejo, através da criação de zonas de classificação diversa, que respondam à realidade local em termos de qualidade do meio hídrico no que se refere à produção e apanha de moluscos bivalves, tendo em conta que as atuais duas zonas são claramente insuficientes;
- Faça publicar o Regulamento da Pesca no Estuário do Tejo, incluindo a apanha de moluscos bivalves;
- Desenvolva o Projeto e concretize a construção da depuradora industrial do Estuário do Tejo, assegurando a afetação à Docapesca da dotação orçamental necessária para o efeito, permitindo o seu uso generalizado pelos que exercem a atividade de marisqueio;
- Inicie um processo de regularização e atribuição de licenças à operação de marisqueio no Estuário do Tejo, devidamente disciplinado e adequado às reais condições de qualidade do meio estuarino, permitindo um mais eficaz processo de fiscalização e controlo de toda a atividade de marisqueio.