Projecto de Resolução N.º 790/XII/2.ª

Pela revogação da parceria público privada do Hospital de Braga e a integração do Hospital de Braga na rede hospitalar no setor público administrativo

Pela revogação da parceria público privada do Hospital de Braga e a integração do Hospital de Braga na rede hospitalar no setor público administrativo

I - Situação do SNS

A situação que se vive hoje no Serviço Nacional de Saúde e a sua previsível evolução no curto prazo, não pode ser avaliada desligando-a da ofensiva mais geral, sustentada politicamente nos “compromissos” do Pacto de Agressão e pela situação económica e financeira do país, mas que tem, de facto, raízes profundas nas opções ideológicas da política de direita que tem vindo a ser concretizada por sucessivos governos. Ou seja, não estamos perante uma situação que seja o resultado do país não ter dinheiro para manter um serviço público de saúde como o que temos, como afirmam os detratores do SNS, mas antes perante a opção política de criar em Portugal um Sistema Nacional de Saúde a “duas velocidades”: um serviço público desvalorizado e sem meios, para os mais pobres - o “Plano de prestações garantidas” - como está consagrado no programa do governo e que a entrevista do Ministro da Saúde ao Jornal Expresso, do passado dia 29 de junho, confirma - e a entrega à prestação privada dos cuidados de saúde de todos os que possam pagar.

Para o grande capital a saúde hoje é entendida como uma grande oportunidade de negócio. Como disse Isabel Vaz presidente do grupo BES/Saúde, melhor só o negócio das armas.

O atual governo PSD/CDS-PP está a concretizar a maior ofensiva desferida contra o SNS desde que este existe, mas o PS, não está isento de responsabilidades neste cavalgar da privatização do SNS, de que as parcerias público privadas, principalmente no consulado de Correia de Campos, constituíram em primeiro patamar para a plena concretização dos intentos privatizadores.

II- Impacto das PPP no Erário Público

Se a despesa do SNS tem vindo a reduzir-se ano após ano, já os encargos do Estado com as parcerias público-privadas (PPP) têm vindo a aumentar. Em 2013 os custos do Estado com as PPP, atingem 377 milhões de euros, tendo aumentado 15% em relação a 2012 (50 milhões de euros).

No caso concreto da PPP do Hospital de Braga, tendo por base a resposta que o Ministério da Saúde deu ao Grupo Parlamentar do PCP, em 14 de agosto de 2012, o Estado pagou à Entidade Gestora do Estabelecimento nos anos de 2010 – 94.455.687 euros; de 2011 - 107.499.414 euros e, de 2012 - 97.597.451 euros (dados não definitivos). Ao que acresce, nos anos 2011 e 2012, o montante pago à Entidade Gestora do Edifício de 14.787.831 euros e 20.423.596 euros respetivamente.

O Governo opta por transferir dinheiros públicos para os grandes grupos económicos, em detrimento do investimento em infraestruturas públicas. Confirmando o caminho da privatização dos cuidados de saúde, o atual Governo PSD/CDS-PP, pela voz do Ministro Paulo Macedo na já citada entrevista ao Jornal Expresso. Nessa entrevista o governante admite que “as unidades, para prestarem serviços, não têm de ser todas públicas- e, quanto a mim, nem devem. Não é desejável que sejam todas públicas […]”

Mas, não são só os encargos financeiros com as PPP que devem merecer preocupação, são também os impactos nos cuidados que são prestados aos utentes e nos profissionais que nelas exercem a sua atividade profissional.

O exemplo do que atrás está plasmado é perfeitamente retratado no caso concreto da Parceria Público Privada do hospital de Braga.

III- Parceria Público Privada do Hospital de Braga

Em fevereiro de 2009 o Estado Português, através da Administração Regional de Saúde do Norte, IP, celebrou com as Sociedades Escala Braga – Sociedade Gestora do Estabelecimento, S.A. e Escala Braga – Sociedade Gestora do Edifício, S.A., Contratos de gestão, conceção, construção, organização e funcionamento do Hospital de Braga em regime de parceria público – privada.

Concluía-se assim um processo em que PSD arca com a responsabilidade do lançamento do processo de privatização, mas em que PS prossegue e conclui com a entrega desta unidade ao Grupo Mello.

No contrato de parceria foram estabelecidos prazos diferenciados quanto à gestão do edifício (30 anos) e à gestão do estabelecimento (10 anos). Nesse documento, o Hospital de Braga teria que ter uma capacidade instalada em termos de equipamentos, entre outros, de 705 camas de internamento; 12 blocos operatórios e 59 gabinetes de consulta externa.

No tocante aos recursos humanos, o contrato, no nº 2 da Cláusula 65ª - Meios humanos - do Contrato de Gestão, "a estrutura de recursos humanos necessária ao cumprimento dos níveis de desempenho previstos para o Hospital de Braga [...], incluindo a estrutura funcional, deve cumprir o disposto ao Anexo XXIV do Contrato”. Porém, como veremos mais à frente, esta cláusula nem sempre tem sido cumprida.

Em termos de área de influência, o Hospital de Braga é considerado hospital de 1ª linha para os concelhos de Braga, Amares, Póvoa de Lanhoso, Terras de Bouro, Vieira do Minho e Vila Verde. E, de 2ª linha para os concelhos Guimarães, Vizela, Fafe, Cabeceiras de Basto, Celorico de Basto e população do Distrito de Viana do Castelo. Esta grande área de influência faz com que, em termos assistenciais, o Hospital de Braga abranja cerca de 1.100.000 Habitantes.

No decurso destes anos de vigência da PPP têm sido vários os episódios e acontecimentos que atestam o incumprimento do contrato de Gestão que tem sido levado a cabo a gestão do Grupo Mello, de que é exemplo a multa que foi aplicada em 2011 pela Entidade Pública Contratante na sequência do relatório de monitorização do Gestor do Contrato por falta de pessoal e consequente recusa de atendimento de mais de uma centena de doentes, que tiveram de ser encaminhados para as Urgências dos Hospitais do Porto.

IV - Consequências da PPP do Hospital de Braga: Doentes

Embora os partidos que suportam o Governo e o próprio Governo insistam em não reconhecer os impactos da Gestão Privada do Hospital de Braga e a Entidade Gestora – Grupo Mello Saúde- se esforce por todos os dias emanar notícias propagandísticas sobre a qualidade dos cuidados de saúde que são prestados por aquela unidade hospitalar, a realidade do dia-a-dia dos utentes mostra dificuldades crescentes no acesso aos cuidados, como bem atestam as notícias recorrentes que são conta de:

- não dispensa de medicamentos a doentes oncológicos e a doentes com HIV/SIDA;

- ausência de algumas especialidades médicas 24h/dia, na urgência (que motivaria o anúncio por parte do Gestor do contrato da aplicação de uma coima)

- adiamento de cirurgias pré-programadas, em alguns casos já depois dos doentes internados;

- tempo demasiado longos de espera no serviço de urgência;

- existência de um só anestesista para diversas cirurgias a decorrer em simultâneo;

- a cobrança indevida de taxas moderadoras, reconhecidas na resposta à pergunta 3050/XII/1ª, do PCP;

- problemas no atendimento e receção dos utentes;

- dificuldades no acesso ao hospital, entre outras.

Aliás, o reconhecimento dos problemas, mormente, com o adiamento das cirurgias foi feito pelo Gabinete do Ministro da Saúde a uma pergunta feita pelo Grupo Parlamentar do PCP. Nessa resposta é dito que “ […] considerando o número de desmarcações/cancelamentos reportados pela Entidade gestora, a Administração de Saúde do Norte, IP, determinou que o hospital reporte mensalmente, através de uma listagem, o número de cirurgias adiadas e/ou canceladas, com a respetiva fundamentação, de forma a permitir avaliar os motivos para os cancelamentos e determinar a necessidade de intervenção […]”. Antes mesmo desta resposta, a Administração Regional de Saúde do Norte, através de um comunicado enviado à agência Lusa, afirmava a intenção de requerer uma inspeção ao Hospital de Braga devido à “falta de informação cabalmente esclarecedora sobre a regularidade, continuidade e qualidade assistencial das prestações.”

Para além do que atrás foi mencionado, acresce-se o número significativo de utentes que, no decurso da vigência desta parceria, apresentam reclamações tendo, de acordo com a resposta do Ministro da Saúde já citada, só no primeiro trimestre de 2012 havido 428 reclamações.

V – Consequências da PPP do Hospital de Braga: Profissionais

O impacto da privatização dos cuidados de saúde e, especificamente da PPP do Hospital de Braga nos profissionais de saúde tem, desde a primeira hora, marcado a existência desta PPP.

Desde a tentativa de impor o fim do contrato em funções públicas aos trabalhadores e, por conseguinte, o fim do vínculo à Função Pública, forçando os profissionais a celebrarem contratos individuais de trabalho (CIT) de conteúdo confidencial, mas que se sabem conterem cláusulas menos favoráveis para uns e contratos milionários para outros, à revelia dos acordos das carreiras médicas que o Ministério da Saúde estabeleceu com os sindicatos dos médicos, , à dispensa de cerca de quatro dezenas de profissionais considerados incómodos pelo Grupo Mello. Ao que acresce a redução drástica dos profissionais nas diversas equipas e turnos, bem como a contratação de médicos indiferenciados “alugados” a empresas fornecedoras de mão-de-obra ou, mais recentemente, a substituição dos médicos anestesistas do quadro do hospital por médicos contratados às empresas de trabalho temporário. A substituição de médicos do quadro por médicos tarefeiros, desinseridos das equipas e com descontinuidade na prestação dos cuidados médicos, pode causar graves problemas aos doentes, nomeadamente complicações pós-cirúrgicas. A aplicação de um regulamento interno absurdo, quanto aos fardamentos e às regras de conduta. Tal como a acumulação de direções clínicas por parte do Diretor Clínico daquele hospital.

Acrescente-se à lista o pagamento do parque de estacionamento no hospital, sendo que a própria Provedoria de Justiça considerou que os preços praticados nos parques de estacionamento do Hospital de Braga são "elevados" e "extremamente penalizadores quer para os doentes quer para os trabalhadores".

No processo de privatização do Hospital de Braga, há ainda a referir que o Grupo Mello sempre se furtou às suas obrigações de cabal esclarecimento e informação ao Gestor do Contrato, pelo que, em Fevereiro de 2011, a sociedade gestora do Hospital de Braga voltou a ser multada, desta vez em 545 mil euros. Em causa estava a informação "insuficiente" e "deficiente" que o hospital tem disponibilizado ao parceiro Estado.

Aliás, os incumprimentos são tais que o Grupo Mello foi já multado em vários milhões de euros. Só em Outubro de 2011, foi sancionado por nove irregularidades com uma multa de 2,8 milhões de euros. Multas que não se sabe se foram ou não já pagas ao Estado.

Compreende-se que o Grupo Mello olhe para o Hospital de Braga, a unidade de referência para mais de um milhão de pessoas, como já foi referido atrás, como um negócio e que procure dele retirar as maiores taxas de lucro. A Administração do Hospital já afirmou mesmo, em diversas ocasiões que teria capacidade instalada para atender mais doentes, bastando para isso que o Estado pagasse mais. É a lógica do negócio a determinar o andamento dos cuidados de saúde.

Mas qualquer pessoa de bom senso perceberá que essa lógica está a ser no imediato prejudicial para os utentes e tenderá a ser ainda mais prejudicial à medida que os anos avancem, que os equipamentos se degradem, que as exigências sejam maiores.

Também por isso, o PCP continua a pugnar por um Serviço Nacional de Saúde de carácter público, universal e gratuito para todos. Só desta forma é possível assegurar a todos os portugueses os cuidados de saúde de que necessitam.

É, pois, neste quadro que o PCP considera ser urgente que o Estado deva o mais depressa possível iniciar um processo de renegociação com vista ao termo da Parceria Público Privada existente.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projeto de

Resolução

A Assembleia da República recomenda ao Governo que:

Revogação da Parceria Público Privada do Hospital de Braga e a Integração do Hospital na Rede Hospitalar no Setor Público Administrativo e que deve assegurar as seguintes condições:

(i)A realização prévia de uma avaliação formal, completa e rigorosa das Entidades Gestoras – do Edifício e do Estabelecimento-

(ii) Integre na função pública, todos os profissionais de saúde que desempenham funções permanentes no hospital, independentemente do seu vínculo profissional, através da realização de concursos públicos;

Palácio de São Bento, 05 de Julho de 2013

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