Exposição de motivos
Os utentes da Fertagus estão confrontados com as consequências da concessão a uma empresa privada da travessia ferroviária sobre o Tejo, que recebe, pelo passe Navegante, o dobro das compensações da CP, sem nunca ter comprado um único comboio. O agravamento da situação ao longo da linha para milhares de utentes atingiu um nível insuportável.
O atual Governo prolongou a concessão do transporte ferroviário entre Lisboa e Setúbal pela ponte 25 de Abril à Fertagus, empresa do Grupo Barraqueiro, até 31 de março de 2031. Esta benesse foi acompanhada de um anúncio de aumento da oferta de transportes em número de circulações por hora, sem ter sido devidamente acautelado o respetivo aumento de material circulante para assegurar a qualidade do serviço prestado.
Há muito que o PCP defende o reforço da oferta de transporte ferroviário na linha ferroviária entre Setúbal e Lisboa, com mais comboios, mais circulações e o alargamento do serviço a estações como Lisboa Oriente ou Praias do Sado. Mas o aumento do material circulante é condição para o reforço da oferta de transporte ferroviário, o que não está a ser assegurado pela Fertagus.
O anúncio não passou de uma mera operação cosmética para justificar a decisão de prolongar a concessão ao Grupo Barraqueiro, somente com o objetivo de beneficiar a concessionária, permitindo-lhe a maximização da exploração para aumentar os seus lucros, cujas consequências negativas estão à vista na enorme degradação do serviço prestado sentidas pelos utentes nas suas deslocações diárias casa/trabalho e casa/escola.
Operação de cosmética que resultou num caos com comboios apinhados nas horas de ponta, de manhã em direção a Lisboa, em particular nas estações de Fogueteiro, Foros de Amora, Corroios e Pragal, onde há passageiros que veem passar dois e três comboios sem conseguir entrar e, ao fim da tarde em direção a Setúbal.
Uma situação que se arrasta sem que se veja qualquer iniciativa seja por parte da concessionária, a não ser o reforço do número de seguranças para empurrar os passageiros para dentro dos comboios e de policiamento para conter a indignação popular; seja por parte do Governo, exigindo o cumprimento das obrigações de serviço público que esta empresa está vinculada. Os utentes e as populações não precisam de cadeiras retiradas nem de empurrões – precisam de mais comboios.
O Governo e a Fertagus estão a tentar concretizar a transferência de comboios da CP Lisboa para a Fertagus. Foi agora lançada a falsidade que esse material da CP está «encostado». As doze unidades de dois pisos (UQE 3500) da CP tiveram agora a grande reparação de meio de vida – num investimento da CP superior a 17,5 milhões de euros – e estão a operar: estão modernizadas e são fundamentais para assegurar a atual oferta da CP Lisboa, particularmente a que é prestada às populações de Loures, Vila Franca de Xira e Azambuja, e não podem ser retiradas do serviço.
A solução para a falta de oferta de material circulante na margem sul, que é imperioso e urgente resolver, não se pode encontrar criando problemas na oferta da margem norte.
O que é preciso é acabar com as opções neoliberais – de privatização do serviço ferroviário – e usar o material existente em toda a sua capacidade. É preciso permitir que a CPI possa estender o seu serviço ferroviário urbano à ligação Lisboa/Setúbal do Eixo Ferroviário Norte-Sul, permitindo que algumas “famílias” de comboios da CP possam fazer ligações ao Fogueteiro e a Coina, e assim contribuindo para aumentar a oferta e acabar com a atual degradação. É possível encontrar soluções, a partir das “famílias” de comboios da CP das linhas de Sintra e Azambuja, sem reduzir a atual oferta na margem norte, que prolonguem o serviço da CP à Península de Setúbal, tal como já deveria existir há muitos anos se a concessão à Fertagus não constituísse ela mesmo um bloqueio, a remover, a essa hipótese normal de uso da frota.
No curto prazo, este alargamento da oferta da CP ao serviço suburbano no Eixo Ferroviário Norte-Sul permitiria acabar com os atuais constrangimentos, sem prejudicar os restantes utentes.
Mas importa ter presente que a solução dos problemas de fundo que agora se fazem sentir exige medidas de fundo, que são no essencial conhecidas. Quando em 2019 o alargamento do passe social intermodal e a redução tarifária fizeram, naturalmente e felizmente, disparar a procura, o PCP logo alertou para a necessidade de aumentar a oferta. Passaram-se seis anos, e quase nada foi feito:
- É preciso comprar comboios novos. A CP está a tentar fazê-lo enfrentando um mar de litigância de má-fé, sem que o Governo use todas as suas prerrogativas, declare o interesse público, anule a providência cautelar para que finalmente se comecem a produzir os comboios que já deveriam estar em Portugal;
- A degradação da oferta no transporte fluvial continua, com a péssima opção técnica imposta à Transtejo pelo poder político (barcos com uma tecnologia elétrica insuficientemente testada), a par da imposição de venda da frota antiga, que agora circula no Tejo ao serviço de interesses privados ou noutros países, em vez de estarem ao serviço do transporte público na AML.
- A Terceira Travessia sobre o Tejo entre Barreiro e Lisboa continua em todos os Planos, mas sem ser concretizada, e a sua linha ferroviária muito contribuiria para reduzir os tempos de ligação – não apenas no longo curso, mas desde logo de Setúbal, Palmela, Moita e Barreiro a Lisboa.
- A integração da Fertagus na CP, com todos os seus trabalhadores, racionalizando e aumentando a oferta já poderia estar feita, não fosse a opção dos sucessivos governos, que foram ampliando a concessão a um operador que nunca comprou um comboio.
Face ao anteriormente exposto e ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte
Resolução
Nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, a Assembleia da República recomenda ao Governo a concretização das seguintes medidas:
- Diligenciar de imediato a autorização que permita à CP estender o serviço ferroviário urbano na ligação Lisboa/Setúbal do Eixo Ferroviário Norte-Sul, reforçando a oferta de transporte e servindo adequadamente as populações da região;
- Dar orientações à CP para que realize com a máxima urgência um plano para garantir a sua operação de transporte ferroviário, designadamente na ligação entre Lisboa e Coina/Fogueteiro, não excluindo outras opções, contribuindo assim para aumentar a oferta de transporte a Sul sem reduzir a oferta a Norte;
- Iniciar o processo com vista à integração da Fertagus na CP, garantindo uma gestão operacional integrada e reforçada e permitindo o incremento e renovação da frota e da oferta naquele serviço entre Setúbal e Lisboa.