Projecto de Resolução N.º 853/XII/3ª

Pela rejeição do pacote legislativo comunitário “Céu Único Europeu / SES2+”

Pela rejeição do pacote legislativo comunitário “Céu Único Europeu / SES2+”

Exposição de motivos

Está em curso na União Europeia o processo legislativo com vista à aprovação da Proposta de Regulamento COM(2013)410 do Parlamento Europeu e do Conselho – «relativo à implementação do Céu Único Europeu (reformulação)», a partir da Comunicação COM(2013)408 da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – “Acelerar a implementação do Céu Único Europeu”.
Com este pacote legislativo, e tal como os trabalhadores da NAV já alertaram, a Comissão Europeia pretende, entre outras medidas:
 Fragmentar os atuais prestadores nacionais de serviços de navegação aérea por áreas de serviço, o que corresponde a desmantelar estas empresas e toda a cadeia de segurança. A fragmentação das empresas conduzirá à degradação dos níveis de segurança e da qualidade do serviço prestado, já que a integração de toda a cadeia é um fator crítico no desenvolvimento desta atividade.
 Promover a centralização de serviços, nomeadamente no EUROCONTROL, subalternizando a soberania dos Estados na gestão e na tomada de decisões no seu espaço aéreo, nomeadamente na gestão conjunta e flexível de espaço civil e militar, numa mais do que duvidosa interferência em matéria de exclusiva competência dos Estados-Membro.
 Impor reduções absurdas de custos num sistema que se desenvolveu e atingiu um elevado nível de desempenho numa base de exclusivo autofinanciamento. O prosseguimento desta via acabará por levar à necessidade de subvenções estatais para manutenção do sistema, como está já a acontecer em alguns países, o que irá dificultar os investimentos na modernização e atualização de equipamentos e procedimentos.
Está em causa a perda de soberania dos Estados na gestão dos seus espaços aéreos e estão em risco milhares de postos de trabalho, em particular nos países periféricos da União. Será o resultado evidente da clara intenção de fragmentar as empresas que em cada país exercem a sua atividade neste sector e de centralização no EUROCONTROL de um conjunto de serviços de apoio e de processos decisórios, atualmente sob responsabilidade das empresas nacionais.
Por iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP, a Comissão de Economia e Obras Públicas promoveu uma audição parlamentar sobre esta matéria, tendo já sido ouvidas na AR desde logo as Organizações Representativas dos Trabalhadores da NAV e o Conselho de Administração da Empresa, seguindo-se o Secretário de Estado da tutela. Importantes informações e alertas foram já transmitidas ao Parlamento no âmbito dessas audições.
Já esta semana teve lugar em Bruxelas uma nova jornada de luta dos profissionais deste sector, com participantes de múltiplos países europeus, manifestando a firme rejeição a este projeto. Um pouco por toda a UE, os trabalhadores têm manifestado a sua firme oposição às medidas deste pacote legislativo, denunciando a estratégia da Comissão Europeia, de liberalizar e mercantilizar a gestão do espaço aéreo. A Comissão Europeia, assim, coloca a segurança nos céus da Europa apenas como segunda prioridade, em benefício de uma visão economicista, ao pretender impor um desmembramento compulsivo de serviços e a sua sujeição a “critérios de mercado”.
Ora, o desempenho da NAV Portugal enquanto empresa pública, com desempenho, resultados e uma qualidade técnica reconhecida internacionalmente, é mais uma vez uma realidade que faz cair pela base o mito da "supremacia da gestão privada".
A empresa, que tem sido sempre um contribuinte líquido para o Orçamento do Estado, é responsável pela criação de riqueza de mais de 175 milhões de euros, maioritariamente proveniente de serviços exportados. Trata-se de uma das mais prestigiadas empresas europeias gestoras de espaço aéreo, e com sistemas tecnológicos dos mais avançados do mundo, como é o caso do Sistema Atlântico utilizado no Centro de Controlo Oceânico de Santa Maria, em grande medida desenvolvido com recurso a meios humanos internos.
A NAV Portugal foi pioneira mundial na implementação do conceito “Free Route”, que além de permitir poupanças substanciais e combustível às companhias aéreas, permitiu reduzir de forma considerável a quantidade de CO2 emitida para a atmosfera, tendo tal pioneirismo sido reconhecido e premiado a nível internacional. De acordo com a informação prestada pela NAV Portugal na Audição em Comissão Parlamentar, o sistema “Free Route” na Região de Informação de Voo (RIV) de Lisboa permitiu uma redução de 1,3 milhões de km voados (cerca de menos 15 milhões de litros/ano). E na RIV SMA (Santa Maria) em 2012, mesmo sem o sistema “Free Route”, 95% dos voos intercontinentais já seguiram a “rota direta” solicitada.
Relativamente a indicadores de eficiência, a NAV apresenta um custo unitário de serviço dos mais baixos da Europa, situando-se cerca de 40 por cento abaixo a média europeia (34,49€ versus 56,76€) e sendo apenas metade do mesmo custo unitário em Espanha – e mantém um registo histórico de valores quase insignificantes de atrasos gerados, estando em 2013 esse valor (0,12 minutos de atraso por voo) em cerca de metade do referencial definido pelos próprios organismos europeus do sector.
A aplicação do conjunto de princípios previstos neste pacote legislativo comunitário, apontando para a privatização dos “serviços de suporte” da gestão do tráfego aéreo, levaria à sua concentração na mão de um número limitado de grandes empresas europeias com capacidade para os cumprir e onde a NAV Portugal seria sempre um “parceiro” subalterno.
Por outro lado, esta opção significaria a redução da capacidade técnica interna instalada que hoje permite à empresa responder aos desafios de manutenção e inovação dos sistemas com custos controlados, e que passaria assim a ter um custo imprevisível a ser pago a uma entidade exterior. Ou seja, o desmembramento da empresa com a anulação de todos os ganhos de conjugação, de sinergias e de produtividade que a NAV Portugal, EPE tem atingido nos últimos anos, deixaria esta empresa e este serviço (cada vez mais) dependentes e onerosos relativamente aos dinheiros públicos.
A dispersão da formação dos quadros e especialistas, nomeadamente de Controladores de tráfego Aéreo, Técnicos de Comunicações e Informação Aeronáutica, Engenheiros e Técnicos Especialistas de diferentes áreas e equipamentos, passariam a depender de entidades exteriores com planeamento e custos próprios, a que a Empresa teria que se submeter, perdendo-se assim a gestão atempada de sinergias internas.
Em causa estaria ainda o importantíssimo trabalho de formação para diversos países (de língua portuguesa, ou do Norte da Europa, ou do Extremo Oriente), fator de cooperação e desenvolvimento, que a NAV Portugal leva a efeito num processo integrado com a formação interna, e que vem garantindo receitas extraordinárias e mais-valias fundamentais para a empresa e para o país.
Tal como os representantes dos trabalhadores da NAV salientaram em audição na Assembleia da República, o que é urgente e indispensável é que se defenda e promova a cooperação entre os Estados e não seja a Comissão Europeia ou quaisquer outras entidades, à revelia dos Estados e em função de interesses de lóbis internacionais, a ditar as regras e objetivos na gestão do espaço aéreo nacional.
A este propósito, importa ter em conta o alerta do Professor José Luís Saragoça, apresentado na audição da Comissão Parlamentar: «(…), o que está aqui em causa não é uma simples matéria de política de transportes mas, outrossim, uma ação que colide frontalmente com a soberania do Estado Português sobre o espaço aéreo que não se encontra atribuída à União nos seus Tratados constitutivos e que, pelo contrário, reside, no plano jurídico nacional, na Constituição da República Portuguesa (CRP) e, no plano internacional, na Convenção sobre a Aviação Civil Internacional de que Portugal é signatário e Estado Membro. (…) Acresce que as funções de defesa aérea e os serviços de busca e salvamento aéreo são também manifestamente violadas já que a Força Aérea Portuguesa em muito beneficia ao utilizar a infraestrutura de navegação aérea civil, designadamente o Centro de Controlo de Tráfego Aéreo de Lisboa e numerosos sistemas e equipamentos de utilização civil-militar. A coordenação civil-militar ficará também gravemente comprometida já que se não alcança, como nas situações do dia-a-dia, a Força Aérea Portuguesa, se poderá coordenar com órgãos ATM centralizados num outro Estado Membro ou no Eurocontrol/EASA/EAA). (…) Não é demais sublinhar aqui que, no conjunto das duas RIV, de Lisboa e de Santa Maria, Portugal é responsável pela prestação de serviços de navegação aérea numa das maiores porções de espaço aéreo do mundo e que totaliza, no seu conjunto, 5.133.036 Km2 (superfície superior à de todo o espaço territorial da UE). Esta é uma questão essencial que prejudica, por violação do princípio comunitário da atribuição, o PACOTE SES2+ que, neste âmbito, consubstancia um violentíssimo ataque aos direitos constitucionais de soberania, completa e exclusiva, de Portugal sobre o seu espaço aéreo, os quais não são partilhados com a UE e que estão expressamente consagrados na Constituição da República Portuguesa e na Convenção sobre a Aviação Civil Internacional.»
Efetivamente, e como se pode ler no número 4 do artigo 1.º da Proposta de Regulamento COM (2013) 410: «Este Regulamento aplicar-se-á ao espaço aéreo dentro das Regiões ICAO EUR, AFI e NAT, em que os Estados Membros são responsáveis pela prestação de serviços de tráfego aéreo...». Ou seja, a ser aprovado este Regulamento, ficaria consagrada a competência da Comissão para fazer incluir nos Blocos Funcionais (FAB) as Regiões de Informação de Voo Oceânicas (como Santa Maria e Shanwick), ou mesmo definir ou alterar os “FAB” existentes.
Ora, não podemos deixar de assinalar que esta perspetiva, apontada por tantos como de inversão súbita da linha estratégica do “Céu Único Europeu”, está afinal presente desde a origem deste projeto. E foi firmemente combatida desde o início, tendo recuado em cada momento – mas nunca foi abandonada pelo projeto federalista da União Europeia.
Recorde-se aliás a intervenção do PCP (deputado Joaquim Miranda) no Parlamento Europeu, no debate sobre a Criação do Céu Único Europeu, em 3 de Setembro de 2002: «A proposta pouco ou nada acrescenta em matéria de segurança. Ao invés algumas das orientações nela contidas poderão mesmo pôr em risco os altos padrões de segurança que afirmam visar: assim acontece com a abertura dos mercados dos serviços auxiliares; com os incentivos fiscais orientados para a melhoria dos resultados, de que poderá ocorrer uma redução dos custos com o pessoal e com o equipamento; ou mesmo com a transformação dos blocos geográficos em blocos económicos que tenderão a competir entre si. Mas é a outros níveis que mais preocupa a presente proposta e, inclusivamente, algumas das alterações que foram introduzidas na Comissão parlamentar competente. Referimo-nos concretamente à competência que se pretende transferir dos Estados-membros para o âmbito comunitário no tocante à definição dos blocos funcionais. Tratando-se, como se trata, de matéria do foro da gestão do território, segundo os Tratados e segundo as Constituições de alguns países – nomeadamente do meu – ela é da exclusiva competência dos Estados-membros. Não há por isso base legal para se propor o que se propõe, para mais nos termos adotados na Comissão parlamentar em que se reforça o papel da Comissão. Aliás esta matéria ganha ainda particular acuidade tendo em conta o envolvimento que acarreta da esfera militar.»
Estamos portanto perante um combate que não pode ser interrompido ou abandonado. É assim da maior urgência que o Estado Português assuma uma posição clara e determinada de rejeição deste pacote legislativo e se pronuncie em defesa da soberania, da segurança e da qualidade do serviço e do trabalho com direitos no tráfego aéreo.
Nestes termos, e tendo em consideração o acima exposto, ao abrigo da alínea b) do Artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do número 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adopte a seguinte
Resolução

A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, resolve:

1. Pronunciar-se contra o pacote legislativo “Céu Único Europeu / SES2+”;
2. Recomendar ao Governo que defenda, no âmbito da UE, a retirada das propostas da Comissão Europeia e o abandono deste processo.

Assembleia da República, em 16 de outubro de 2013

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