Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

Pela rejeição do pacote legislativo comunitário Céu Único Europeu/SES2+

(projeto de resolução n.º 853/XII/3.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Já foi dito muito do essencial que significa este pacote legislativo comunitário do Céu Único Europeu SES2+.
O que está em causa é fragmentar os atuais prestadores nacionais de serviços, é, portanto, a segmentação da NAV EPE, desmantelar as empresas e toda a cadeia de segurança por áreas de serviço, promover a centralização de serviços no quadro europeu, nomeadamente na Eurocontrol, subalternizando a soberania dos Estados na gestão e tomada de decisões no seu próprio espaço aéreo, e é a imposição de reduções absurdas de custos num sistema que se desenvolveu e atingiu um patamar de desempenho e de segurança exemplar do ponto de vista nacional.
Está em causa a perda de soberania dos Estados na gestão dos seus espaços aéreos e estão em risco milhares de postos de trabalho, particularmente em países periféricos, como é o caso de Portugal.
Já se falou aqui do caso da FIR de Santa Maria, que tem um caráter estratégico do ponto de vista internacional no contexto atlântico e não só. E importa sublinhar que Portugal está na primeira linha, a nível mundial, em relação à qualidade, à segurança e ao desempenho, do ponto de vista dos serviços de navegação aérea, nomeadamente através da empresa NAV EPE.
Mas também é preciso dizer que o Céu Único Europeu não trouxe nada de novo, Srs. Deputados! E o balanço, diria quase gongórico, que aqui foi feito sobre os resultados do Céu Único Europeu, pelo menos para Portugal — quanto aos outros países, os seus governos e povos lá saberão —, não trouxe nenhuma novidade favorável para a qualidade, a segurança ou o desempenho dos serviços em termos da navegação aérea de Portugal. Aliás, muitos países europeus vieram aprender com aquilo que Portugal fazia, e faz, em matéria de controlo de tráfego aéreo e em todos os serviços que têm a ver com esta área.
O sistema Free Route, já aqui falado, foi aplicado pela primeira vez em Portugal. Fomos o primeiro país do mundo a implementar esse sistema, e o Céu Único Europeu nada teve a ver com isso, Srs. Deputados!
De resto, quando verificamos que há discursos que apontam para uma suposta diferença de filosofia e para uma inversão dos princípios entre aquilo vem de trás, no Céu Único Europeu, e este novo pacote legislativo SES2+, queremos aqui recordar os alertas feitos pelo PCP há mais de 10 anos, quando se começou a discutir o primeiro dos pacotes legislativos com ênfase no Céu Único Europeu.
Em setembro de 2002, dissemos no Parlamento Europeu que, ao contrário do que é afirmado, em matéria de segurança, algumas das orientações contidas no Céu Único Europeu poderiam mesmo pôr em risco os altos padrões de segurança que afirmavam visar. Referimos também a abertura dos mercados dos serviços auxiliares, os incentivos fiscais orientados para a melhoria dos resultados, a transformação dos blocos geográficos em blocos económicos, que tenderão a competir entre si, a competência que se pretende transferir dos Estados-membros para o âmbito comunitário no tocante à definição dos blocos funcionais.
Portanto, em 2002, alertámos para o que estava em causa e esse pacote foi taticamente retirado. A Comissão Europeia e os governos, na altura, recuaram; agora, voltaram à carga, mais de 10 anos depois, Srs. Deputados! Por isso dissemos, desde o princípio, que o espírito subjacente, que está na origem deste pacote legislativo, era perigoso e negativo, não era nada daquilo que veio a ser afirmado.
Sr.ª Presidente,
Temos aqui uma situação em que o próprio Governo, durante demasiado tempo, «guardou de Conrado o prudente silêncio», mesmo quando o PCP, no início deste ano, desencadeou em comissão um conjunto de audições que foram da maior importância e atualidade e que, em larga medida, se traduziram no debate que aqui estamos a fazer, apesar de, na Comissão de Defesa Nacional, o PS, o PSD e o CDS terem dado parecer favorável a este pacote legislativo que agora estão a rejeitar, com o voto contra do PCP.
Temos, portanto, neste processo, e pelas piores razões, um exemplo que sintetiza e demonstra o verdadeiro caráter deste sistema de integração capitalista europeu: prometem-nos um Céu Único Europeu, mas o que têm para oferecer aos povos da Europa é uma espécie de inferno único europeu, que nos impõem todos os dias.

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