Projecto de Resolução N.º 982/XII/3.ª

Pela realização dos concursos de apoio direto às artes em 2014 e por um modelo de apoio às artes mais justo e com mais recursos

 Pela realização dos concursos de apoio direto às artes em 2014 e por um modelo de apoio às artes mais justo e com mais recursos

A criação artística livre é a primeira condição para a livre fruição cultural e artística. A imposição de quaisquer entraves na criação significa, inevitavelmente, o bloqueio parcial ou total às manifestações culturais e artísticas cuja difusão não seja assegurada pelos meios de comunicação de massas ou pelo mercado da organização de eventos. A aplicação de uma política de censura à produção artística, ainda que dissimulada pela habitual justificação da falta de recursos, é claramente contrária ao projeto constitucional. Tendo em conta que o actual Governo PSD/CDS, seguindo a política do anterior Governo PS, procede a cortes crescentes no apoio às artes, o apoio direto às artes em Portugal perdeu cerca de 75% do total do valor quando comparado com 2009. Mesmo contabilizando a fatia do financiamento que o Governo afectou aos apoios tripartidos, o total fica-se pela metade do financiamento disponível para o apoio às artes em 2009.

Essa política de censura pela via financeira traduz-se numa evidente censura política, na medida em que aplica à cultura e às artes uma triagem ideológica, deixando aos grupos económicos e às entidades privadas a capacidade de escolher todos os conteúdos culturais disponibilizados às populações. A supressão da criação artística livre, nas várias disciplinas, desde a literatura à dança, passando pelo teatro, implica o fortalecimento da hegemonia cultural como simples reflexo da hegemonia económica e ideológica. O Estado retira-se no panorama da política cultural, à margem da Constituição da República Portuguesa, deixando que toda política cultural, a decisão do que é distribuído e difundido, fique na esfera decisória dos grupos económicos do setor, bem como nos grupos económicos monopolistas da distribuição, como é o caso da literatura e do cinema.

A existência de um apoio às artes, dinamizado através de concursos pela DGArtes constitui a salvaguarda da arte livre e independente em Portugal. A simples existência desses concursos, todavia, não assegura a plenitude dos direitos constitucionais, na medida em que na ausência de critérios transparentes e do financiamento adequado, nenhum resultado é inteiramente justo. Neste momento, nenhuma das duas condições está assegurada. Nem o critério se mostrou totalmente justo nos últimos concursos, dada a incapacidade de os júris aplicarem sem constrangimento os mesmos critérios a diferentes candidaturas; nem o financiamento se mostrou minimamente suficiente para manter o nível de produção artística das estruturas de criação artística e ainda menos suficiente para assegurar o respeito pelos profissionais, técnicos ou artistas, e pelos seus direitos laborais. A precariedade e a exploração no setor agravam-se também como consequência desta política, que se junta à política de constante ataque ao valor do trabalho e aos direitos dos trabalhadores em geral.

Para corrigir os problemas gritantes introduzidos pela política de direita e de abdicação do interesse nacional do Governo PSD/CDS, urge tomar medidas que possibilitem o financiamento adequado ao apoio às artes. Isso implica toda uma nova política cultural, o que por sua vez é incompatível com a política de direita que entende a cultura apenas como uma mercadoria e um instrumento de domínio ideológico. Esse será certamente o resultado da luta dos portugueses contra a política de submissão vertida nos memorandos de entendimento com as instituições estrangeiras e nas cartas de intenções do Governo Português. Todavia, a Assembleia da República tem a possibilidade de corrigir, no âmbito do apoio às artes, parte importante dos efeitos da política do Governo e isso mesmo propõe o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português através do presente Projeto de Resolução.

Além de ser urgente a definição do programa do apoio às artes para 2014, é necessário tomar medidas para garantir a justeza nos concursos e seus resultados. Os concursos da DGArtes para o apoio às artes nas várias disciplinas, bem como os concursos da DGLAB de apoio à produção literária - que não se realizam desde 2009 - devem pois contar com toda uma nova orientação política acompanhada de um novo orçamento. Os apoios quadrienais e bienais têm vindo a ser sucessivamente diminuídos, quer no montante de apoio a cada candidatura, quer no conjunto das candidaturas apoiadas. Ao mesmo tempo, os apoios pontuais e anuais respondem a cada vez menos necessidades das estruturas e, para 2014, não existe sequer garantia da sua realização. O PCP confrontou o Governo com a necessidade de realizar os concursos para apoios pontuais e anuais, por várias vezes, e em momento nenhum o Secretário de Estado da Cultura assumiu qualquer espécie de compromisso, apesar de a lei prever a sua realização. Também os apoios plurianuais estão neste momento numa situação pouco clara, sendo que as estruturas não conseguem junto da DGArtes desenvolver os processos necessários para iniciar as novas transferências correspondentes às tranches desses apoios. Pode, de certa forma, dizer-se que esses processos estão numa suspensão não declarada.

É fundamental que o Estado não se retire do seu papel e que não deixe de cumprir as suas funções culturais, como vem sucedendo cada vez com maior intensidade, quer na programação cultural própria, quer na política para os órgaos de comunicação social, quer no apoio às artes através da DGArtes e da produção literária, através da DGLAB.

A todos os criadores, a todas as estruturas de criação, independentemente da disciplina artística e independentemente da sua vocação mais ou menos experimentalista deve ser assegurada a possibilidade, através do apoio público, para o desenvolvimento do seu trabalho artístico e para a eventual entrega do trabalho às populações, democratizando a criação e a fruição. Ao Estado incumbe garantir esses direitos. Ao Estado incumbe impedir a hegemonização cultural pelas classes dominantes, apoiando criadores, formando mais criadores, disponibilizando-lhes os meios para a produção e distribuição e democratizando o acesso a essa produção. Só uma definição de apoios com o envolvimento das próprias estruturas, com a sua participação na definição dos critérios, dos programas e objectivos e na própria distribuição pode assegurar justeza no apoio. Mas isso não pode ser plenamente efetivado sem a realização dos concursos legalmente previstos, nomeadamente para apoios pontuais e anuais em 2014, sem a concretização dos programas plurianuais em curso e sem um substantivo reforço orçamental para concursos de apoio às artes e apoio à produção literária.

Assim, a Assembleia da República, nos termos constitucionais e regimentais em vigor, recomenda ao Governo que:

1. Disponibilize e publicite, através da DGArtes, os prazos, requisitos e critérios dos concursos para os apoios anuais de 2014, que cujo início deveria ter ocorrido em Dezembro de 2013.

2. Reactive os procedimentos para a concretização dos programas de apoios plurianuais em curso e suspensos sem explicação, sem quaisquer alterações ao previamente contratualizado com as estruturas.

3. Inicie um processo de auscultação das estruturas de criação artística de todas as disciplinas para desenhar um programa de apoio às artes que contemple o resultado da participação dessas estruturas na definição dos montantes, critérios e procedimentos.

4. Que os programas de apoio às artes, anuais, pontuais e plurianuais que se venham a realizar no futuro contemplem a diferenciação entre a vocação mais ou menos experimental de cada estrutura, não prejudicando nenhuma em função de outra.

5. Que o Governo tome desde já as medidas necessárias para repor integralmente a normalidade legal no que toca aos concursos de apoio às artes e apoio à produção literária, pela DGArtes e pela DGLAB respectivamente, bem como as medidas para o reforço do financiamento dessas instituições, fixando objetivos gradualmente crescentes, a partir já de 2014.

Assembleia da República, em 14 de março de 2014

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