Projecto de Resolução N.º 846/XV/1

Pela rápida aquisição dos novos comboios para a CP, assegurando a conclusão do concurso público

Exposição de motivos

Portugal precisa de comboios. Desde que os processos de liberalização conduzidos por PS e PSD levaram à destruição da capacidade produtiva nacional de comboios, o País enfrenta uma profunda degradação da sua frota de material circulante ferroviário.

Entre 2003 e 2022, nenhum comboio novo foi adquirido para o transporte de passageiros em território nacional. A CP comprou algum material circulante em segunda mão, mas em relação a material circulante novo, foram quase 20 anos sem qualquer investimento da CP, do Metro de Lisboa, do Metro do Porto ou da Fertagus (esta última, em bom rigor nunca comprou um comboio). Este ano, chegaram alguns comboios da China para o Metro do Porto, e estão a ser produzidos em Espanha alguns comboios para a CP (22) e para o Metro de Lisboa (14 unidades triplas, ou seja, 7 comboios normais).

São números completamente insuficientes para satisfazerem as profundas necessidades nacionais. No plano da mobilidade e qualidade de vida, da coesão territorial, da diminuição dos impactos ambientais, da redução de importações (combustível, viaturas, etc.).

Esta é mesmo a principal dificuldade que hoje afeta o sistema ferroviário nacional: não há comboios. Esse problema agravar-se-á quando as obras que se arrastam forem finalmente concluídas. Toda esta situação acontece, não por fatalidade, mas por opção. Quem determina o uso dos fundos públicos (nacionais e comunitários) está apostado em investir milhares de milhões de euros na renovação da infraestrutura ao mesmo tempo que garante que essa infraestrutura e esse investimento é colocado ao serviço da acumulação privada. O desenvolvimento deste processo não pode ser lido senão na dimensão de quem está apostado em privatizar a exploração das linhas de caminho de ferro.

A CP, para modernização e alargamento da sua frota regional e suburbana, tem hoje a decorrer um concurso para a aquisição de 117 comboios, que pode (e deve) depois ser expandida para um maior número de unidades. Esse concurso tem ainda a vantagem de incluir, pela primeira vez, medidas para promover uma maior incorporação nacional na produção de comboios. É certo que foi tudo feito de forma insuficiente, aceitando sempre os limites do absurdo sistema existente, onde os Estados se autolimitam nos seus instrumentos de planeamento e fomento económico, entregando esse poder às multinacionais.

Mas esse concurso corre neste momento o risco de que lhe aconteça o mesmo que aconteceu com o concurso de 2009, que foi cancelado e que demorou 13 anos para voltar a ser retomado. Neste momento, as multinacionais e os grandes escritórios de advogados disputam entre si a encomenda, pressionando e ameaçando com uma litigância que visa, na prática, paralisar e inviabilizar qualquer decisão que não seja a sua própria contratação. E quem perde é o Povo português, a quem são extorquidos milhões de euros do erário público nestes processos, sem ter direito a um único comboio.

O País não aguenta passar mais tempo sujeito a esta pressão. Os utentes precisam dos comboios. A Linha de Cascais não pode continuar sem renovar a frota. A CP Lisboa e a CP Porto precisam de aumentar a oferta. A CP Regional precisa de alargar e modernizar a oferta, e responder aos novos serviços permitidos pelos investimentos em curso na ferrovia. Depois de aprovado o vencedor do concurso, há sempre um tempo de espera demasiado grande (mas natural) até à entrega das primeiras unidades, pois estas são sempre produzidas de raiz para responder à especificidade da infraestrutura. Esperar mais tempo é insustentável.

Perante a iminência da pressão das multinacionais levar à destruição do atual concurso, adiando por muitos anos a satisfação das necessidades dos portugueses, o Governo deve intervir para salvaguardar o interesse público. O concurso deve ser ganho pelo concorrente que dê maiores garantias de assegurar uma efetiva incorporação nacional onde possa ser alavancada a reconstrução da capacidade nacional de construção de comboios. A produção de comboios deve ser iniciada imediatamente, para poupar mais atrasos. Toda a eventual litigância deve ser enfrentada a posteriori, e fora dos Tribunais Arbitrais onde o Estado tem sido esbulhado em centenas de milhões de euros. O Governo detém todos os instrumentos jurídicos para impedir que litigância contra o concurso adie a resolução de um problema que há muitos anos afeta a capacidade de resposta da CP ao necessário aumento e melhoria da oferta.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Resolução:

Resolução

A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, resolve recomendar ao Governo que:

  1. Intervenha na defesa do interesse público, por forma a garantir que o concurso para a compra dos 117 comboios para a CP seja rapidamente concluído.
  2. Garanta que a produção seja iniciada imediatamente com a máxima e mais estruturante incorporação nacional, impedindo o concorrente escolhido de amanhã abandonar essa obrigação de construção de uma unidade produtiva em Portugal.
  3. Assegure uma presença qualificada do Estado português na nova unidade a estabelecer para a construção de comboios pelo vencedor do concurso.
  4. Apoie a CP no enfrentar de toda a eventual litigância das multinacionais, fazendo-o já com a adjudicação em curso e fora dos Tribunais Arbitrais.
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