Intervenção de Honório Novo na Assembleia de República

Pela mudança de políticas e orientação na União Europeia

Debate que se realiza após a conclusão do último conselho europeu de cada presidência da União Europeia, ao debate sobre o parecer da Comissão de Assuntos Europeus relativo ao Programa de Trabalho da Comissão Europeia para 2010 — «Chegou o momento de agir» e ao debate do relatório do Governo sobre a participação de Portugal na União Europeia no ano de 2009

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus,
Srs. Deputados:
Para quem tivesse dúvidas, o comportamento e as decisões da União Europeia, antes e durante a actual crise, mostram bem que interesses defendem e por quem são comandadas as instituições comunitárias.
Vale a pena recordar a forma tardia como, já no final de 2008, a União Europeia elaborou um conjunto de medidas ditas de combate à crise, perfeitamente insuficiente e com meios orçamentais quase indigentes, como, aliás, rapidamente se demonstrou.
Vale também a pena recordar o lamentável papel, então, desempenhado pelo Banco Central Europeu, mantendo as taxas de juro criminosamente elevadas, agravando as condições de funcionamento das economias, permanecendo insensível às falências e ao desemprego e recusando-se a seguir o exemplo de bancos centrais fora da zona euro, que, há muito, tinham levado as suas taxas directoras a valores mínimos históricos.
Era o momento em que, apesar da evidente crise, o ideário monetarista do directório da Sr.ª Merkel e do Sr. Trichet impunha o controlo da inflação à realidade de um desemprego crescente e de uma evidente recessão económica. Era também o momento em que o Governo Sócrates, com a sua proverbial confiança quase irresponsável, dizia, no último trimestre de 2008, que o sistema bancário estava imune à crise e que a economia nacional continuava a crescer. Suponho que se recorda disso, Sr. Secretário de Estado.
Agora, quando os números do desemprego atingem valores recorde, com mais de 23 milhões de
desempregados e mais de 85 milhões de pobres, quando o crescimento económico é incipiente e incerto, quando a crise está longe de estar superada, regressam em força a obsessão do controle das contas públicas e os programas de austeridade sobre os trabalhadores, os povos e os países.
Depois de se terem gasto milhões de euros para salvar o sistema financeiro, depois de, por causa disso, os défices e as dívidas terem disparado, a União Europeia e o Banco Central Europeu (BCE) impõem de novo fortes restrições orçamentais, congelam ou cortam salários, eliminam ou cortam prestações sociais, impõem reduções no investimento, lançam programas de estabilidade que são verdadeiros roteiros para novas recessões económicas.
É este o fiel retrato dos interesses que a União Europeia serve; é também este o retrato fiel da
subserviência do nosso Governo face às imposições de Bruxelas e a sua subordinação aos interesses dos grandes grupos económicos.
O que sucedeu nos últimos meses, com a falta de resposta aos ataques especulativos sobre as dívidas soberanas, confirma a subordinação da União Europeia ao método, às estratégias e aos timings da Alemanha, com graves consequências na Grécia e noutros países, mormente em
Portugal. Em vez do reforço do orçamento comunitário para assegurar uma resposta coesa, em vez de uma intervenção activa do Banco Central Europeu, concederam-se, depois — só depois —, empréstimos em condições indignas e com juros mais elevados do que os que o BCE pratica nos empréstimos que fez, e faz, à banca.
Aproveitando a boleia da crise, como mostram as conclusões do Conselho Europeu, a União Europeia quer também agora dar um novo salto em frente no federalismo e, a pretexto da chamada «governação económica», quer lançar uma outra ideia, quer, no fundo, concentrar ainda mais poder e ainda mais instrumentos ao serviço do directório europeu, arrogando-se mesmo a hipótese, o direito, de poder vir a submeter a visto prévio os orçamentos dos Estados-membros. Não se trata apenas de uma usurpação intolerável de soberania, queira o Sr. Deputado Vitalino Canas ou não, trata-se de rasgar princípios legais, princípios e normas constitucionais e, no caso português, do desprezo total pelas atribuições e privilégios da
Casa onde estamos a fazer este debate.
Igualmente significativa é a aprovação da Estratégia 2020. A União Europeia recusou sempre analisar as causas profundas da crise, as razões pelas quais o pleno emprego anunciado, afinal, se transformou em 23 milhões de desempregados; recusou retirar ilações das apostas da Estratégia de Lisboa na liberalização, na desregulamentação e na privatização de muitos sectores económicos, incluindo os financeiros; não quis nunca avaliar as consequências da designada «flexissegurança laboral». Nada disso interessava à União Europeia.
Ao invés, agora, a reboque da crise, mais uma vez, a Comissão Europeia e a União Europeia nem hesitaram na aprovação da Estratégia 2020, no fundo, velhas políticas que apostam na mesma rota de precariedade e de destruição de serviços públicos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: De quase nada do que aqui fica dito fala o Programa de Trabalho da Comissão Europeia para 2010, por mais espantoso que pareça. Até já esqueceu, Sr. Secretário de Estado, a estratégia de desmantelamento dos paraísos fiscais. Veremos em que vão dar os novos sistemas de supervisão financeira ou as anunciadas taxas sobre o sistema financeiro que, pelos vistos, o Governo Sócrates aceita em Bruxelas mas que aqui, na Assembleia da República, rejeita, votando contra as propostas nesse sentido que o PCP tem apresentado.
E que esperar, no fundo, do relatório do Governo sobre a participação de Portugal na União Europeia no ano de 2009, além do habitual — peço desculpa pela frontalidade, Sr. Secretário de Estado — desfilar de lugares comuns, frases feitas e pronunciamentos laudatórios?
Pela nossa parte, Sr. Presidente e Srs. Deputados, insistiremos em falar na mudança de políticas e de orientações.
Insistiremos em combater a concentração da riqueza, em impedir mais privatizações, em defender os serviços públicos, em apostar no crescimento económico e no verdadeiro combate ao desemprego, em aumentar o orçamento comunitário e em reforçar as despesas sociais; insistiremos na extinção do Pacto de Estabilidade e Crescimento e no reforço da coesão económica e social, princípio totalmente esquecido no léxico dos objectivos comunitários, como, aliás, se prova pela intervenção do Sr. Secretário de Estado, em que nem uma vez referiu este princípio.

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