Projecto de Resolução N.º 205/XVII/1.ª

Pela efetiva implementação da Educação Sexual transversal e interdisciplinarem meio escolar

Projeto de Resolução nº 205/XVII/1ª

Pela efetiva implementação da Educação Sexual transversal e interdisciplinar

em meio escolar

Exposição de motivos

A Educação Sexual nas escolas, prevista na legislação portuguesa desde a publicação da Lei nº 3/84, de 24 de março e consolidada no âmbito da Lei nº 120/99, de 11 de agosto deveria funcionar como um elemento central da política de promoção da saúde sexual e reprodutiva. Por reconhecer a sua importância, o PCP foi pioneiro na defesa desta componente, tendo apresentado em 1982 o Projeto de Lei nº 308/II, que consagrava o direito ao planeamento familiar e à educação sexual. Apesar dessa proposta ter sido rejeitada, no ano seguinte o PCP apresentou o Projeto de Lei n.º 6/III e, em 1999, o Projeto de Lei nº 634/VII, contribuindo decisivamente para os textos que viriam a estabelecer a educação sexual, nomeadamente com a Lei n.º 60/2009, de 6 de agosto, que estabelece o regime de aplicação da educação sexual em meio escolar. Com a aprovação desta lei, a Educação Sexual passou a ter regulação própria para a sua implementação nos estabelecimentos do ensino básico e do ensino secundário.

A introdução da Educação Sexual nas escolas é fruto da evidência da sua necessidade e de uma enorme vontade dos estudantes do ensino básico e secundário, tal como das Associações de Pais e Encarregados de Educação, que se mobilizaram para que esta passasse a ser uma realidade.

Passados mais de 20 anos desde a sua conceção inicial e mais de 10 sobre a sua obrigatoriedade, é premente a necessidade de uma efetiva implementação da Educação Sexual em meio escolar, transversal e interdisciplinar, adequada às necessidades atuais da juventude.

De facto, a educação sexual é determinante para a melhoria dos relacionamentos afetivo-sexuais entre os jovens e a compreensão de si e dos outros, para a prevenção de ocorrências negativas que possam decorrer dos comportamentos sexuais, como gravidez precoce e infeções sexualmente transmissíveis, para a tomada de decisões conscientes e seguras, para a o estabelecimento relações saudáveis e a prevenção das situações de risco, nomeadamente na proteção face aos vários tipos de exploração e abusos sexuais. A intencionalidade educativa com base científica relativamente a estes temas, na medida do desenvolvimento integral das crianças e dos jovens, a saúde física, mental e sexual são determinantes e garantem que os jovens tomem decisões informadas.

Assim, o PCP repudia veemente a intenção do Governo em retirar da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento a educação para sexualidade. Ao contrário do que o Governo refere, os professores têm a formação e preparação necessárias para darem resposta a esta temática, deste modo, esta decisão é apenas demonstrativa do programa retrógrado e das conceções políticas e ideológicas do PSD e CDS condicionando a saúde sexual como direito fundamental de todos e em especial dos jovens, e ignorando o papel da educação sexual como um dos principais instrumentos para proteger situações de risco. Esta decisão do Governo é um retrocesso para a Escola Pública, um retrocesso para as crianças e jovens e um ataque aos seus direitos fundamentais.

A Juventude Comunista Portuguesa e o PCP defendem uma educação sexual integrada nos diversos conteúdos programáticos, transversal e interdisciplinar, que coloque os conteúdos da sexualidade e da saúde reprodutiva nas diversas disciplinas, e que não permita o isolamento teórico da matéria em causa, prevenindo também o aumento da carga horária dos estudantes. A par dessa vertente, deve existir um efetivo envolvimento das unidades de saúde, um gabinete de atendimento na escola, tal como a disponibilização gratuita de produtos de higiene menstrual, que continua por concretizar e de contracetivos nos estabelecimentos com ensino secundário.

Apesar da Lei n.º 60/2009, de 6 de agosto, acolher a generalidade dos eixos acima referidos, a verdade é que a sua real implementação nas escolas está aquém do possível, necessário e desejável, muito por força do crónico desinvestimento na Educação e na Saúde, que retira condições para a sua realização, bem como do próprio modelo pedagógico e de participação nas escolas.

O Relatório – Acompanhamento e Avaliação da Implementação da Lei n.º 60/2009 de 6 de agosto produzido pela Direção-Geral de Educação em 2019 com base em dados recolhidos num formulário online cuja solicitação de preenchimento foi feita aos diretores dos Agrupamentos de escolas/Escolas não agrupadas é esclarecedor quanto à insuficiência da implementação da Educação Sexual em Portugal. Responderam 668 Agrupamentos de escolas/Escolas não agrupadas e desse universo 95% fizeram o preenchimento da maioria das questões.

Os principais constrangimentos apontados foram a falta de recursos humanos (28%), a falta de crédito de horas (21%), a falta de espaço físico adequado (20%), a reduzida procura pelos alunos (12%), a falta de equipa multidisciplinar (10%), a falta apoio da equipa da saúde escolar (6%) e a falta de formação (3%).

Já em 2023 foi efetuado um estudo nacional realizado por parte da Comissão para a cidadania e Igualdade de Género (CIG), com cerca de 6000 jovens. Este estudo foi desenvolvido com recurso à aplicação de um questionário sobre a violência no namoro aprovado pelo Ministério da Educação, cujos resultados apontavam “para a importância da prevenção primária da violência de género em contexto escolar e desta ser desenvolvida de uma forma holística, sistemática e continuada, de modo a consciencializar crianças e jovens para a desconstrução da violência e para o desenvolvimento de relações interpessoais de namoro e de intimidade saudáveis.”

Importa também referir que, na perspetiva dos alunos, a Educação Sexual é muito insuficiente e, mais das vezes, caraterizada como inexistente. São muitos os alunos que relatam que não sentem que esta matéria esteja a ter tratamento adequado, uma vez que tiveram muito pouco tempo dedicado e normalmente apenas quando “vem alguém de fora”. Reclamam uma educação sexual menos “vaga e mais interessante”, apontando a necessidade de haver maior transversalidade na abordagem, nos recursos, materiais e contextos em que a mesma é trabalhada. Sobretudo, salta à vista a urgência de uma implementação efetiva dos gabinetes de informação e apoio no âmbito da educação para a saúde e educação sexual.

Não ignorando a necessidade de abordar outras problemáticas do modelo de ensino, do modelo de gestão e organização das escolas e dos meios conferidos à escola pública, para solucionar definitivamente o problema da insuficiência da implementação da Edcuação Sexual, o presente Projeto de Resolução visa dar resposta às questões apontadas, propondo soluções concretas a adotar pelo Governo.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte:

Resolução

A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do art.º 166.º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo que:

1 - Atualize os parâmetros e linhas orientadoras da Educação Sexual para responder aos desafios do presente e necessidades dos estudantes, de acordo com as recomendações da OMS, da Associação do Planeamento Familiar e da investigação produzida nesta matéria, visando, entre outros, os seguintes objetivos:

Contribuir para uma sociedade mais tolerante e aberta à diversidade sexual;

Capacitar para escolhas informadas e responsáveis em relação a si e aos outros;

Conhecer o corpo humano, o seu desenvolvimento e funções;

Ser capaz de expressar sentimentos e necessidades, viver de forma gratificante e desenvolver a sua autoidentidade;

Ter informação adequada sobre os aspetos físicos, emocionais, sociais e culturais da sexualidade, sobre contraceção, prevenção das infeções sexualmente transmissíveis e ainda sobre coerção sexual;

Ter informação sobre os serviços de saúde sexual e reprodutiva existentes;

Refletir sobre a diversidade de normas e valores sexuais, definindo as suas próprias posições pessoais de forma crítica;

Ser capaz de construir relações baseadas na compreensão mútua e no respeito pelas necessidades e limites do outro, prevenindo-se da violência e dos abusos;

Ser capaz de comunicar sobre a sexualidade e ter a linguagem adequada para o fazer;

2 – Promova a implementação de uma lógica participativa baseada na realidade de cada escola e de cada turma, em que os estudantes são chamados a identificar lacunas, definir objetivos e construir o processo pedagógico com base na sua experiência e realidade;

3 – Incentive a que exista uma discussão desta temática fora dos espaços formais e letivos, através do envolvimento das associações de estudantes;

4 - Reforce o número de técnicos especializados, nomeadamente psicólogos, nas escolas públicas;

5 - Realize as intervenções necessárias onde se regista a falta de espaço físico adequado para implementação do gabinete de apoio ao aluno;

6- Desenvolva formação permanente de professores e educadores que capacite para o desenvolvimento de projetos de educação sexual, adequados às realidades específicas, ao meio envolvente e ao conjunto de questões que assaltam os jovens, de acordo com os guias de boas práticas e recomendações já existentes;

7- Dote as unidades de saúde de meios adequados para que existam trabalhadores afetos a esta cooperação com as escolas;

8 – Implemente, no imediato, no contexto da Educação Sexual a distribuição gratuita de métodos anticoncecionais e de artigos de higiene menstrual.

Assembleia da República, 24 de julho de 2025

Os Deputados

Paulo Raimundo, Paula Santos, Alfredo Maia