Projecto de Resolução N.º 978/XII/3.ª

Pela defesa das pequenas e médias explorações e da agricultura portuguesa, no quadro da aplicação da Reforma da PAC em Portugal

Pela defesa das pequenas e médias explorações e da agricultura portuguesa, no quadro da aplicação da Reforma da PAC em Portugal

Com a publicação dos Regulamentos CE relativos à Política Agrícola Comum (PAC) para o período 2014-2020 terminou um longo período de negociação de uma nova reforma da PAC.

1-A aplicação da PAC em Portugal, aliada às más políticas agrícolas dos sucessivos governos do PSD, PS e CDS, levaram à falência e ao encerramento de milhares de explorações agrícolas. Só nos últimos 20 anos foram eliminadas cerca de 300 mil explorações. Este facto contribuiu de forma decisiva para o despovoamento e desertificação económica de muitas regiões e aldeias do interior do País e para a redução da nossa produção agrícola, agravando o défice da balança agroalimentar.
Os resultados de mais uma reforma da PAC em nada alteram o rumo seguido nos últimos anos e, mais uma vez, serão muito penalizadores para as pequenas e médias explorações e para a agricultura nacional. À semelhança de anteriores processos de reforma da PAC (1992 e 2000) as boas intenções afirmadas como objetivos nos documentos iniciais da reforma ficaram pelo caminho! A PAC avança na liberalização dos mercados, corta no orçamento global e na dotação para Portugal – menos 670 milhões de euros (menos 7,6%) relativamente ao quadro 2007/2013 -, insiste nas ajudas desligadas da produção, na concessão do grosso dos apoios ao grande agronegócio e aos que classificam como «mais competitivos». Mais uma vez, em contradição com as promessas que se fazem desde a Reforma de 1992, as ajudas vão continuar a discriminar negativamente agricultores, culturas e países como Portugal. O agricultor português vai continuar a ter menos ajudas que o agricultor holandês, alemão ou francês!

2. A Reforma da PAC não resolve os problemas das anteriores reformas e representa uma derrota para a agricultura e o País.

Não serve Portugal porque não garante a soberania alimentar. Ao eliminar as quotas leiteiras e ao abrir o caminho para a liquidação dos direitos de plantação de vinha, põe em causa produções em que o País é auto suficiente (leite), ou que são para nós estratégicas (vinho). E tornou muito difícil o País recuperar a produção da beterraba sacarina, não garantindo sequer que a indústria refinadora nacional tenha acesso à matéria-prima necessária para laborar em condições rentáveis, com utilização de toda a capacidade instalada.

Não serve Portugal porque elimina instrumentos capazes de contribuir para preços justos à produção. Elimina mecanismos de regulação (quotas/direitos) e de intervenção nos mercados. Força a redução de ajudas em produções como o leite e o tomate, criando condições para a invasão do País por produções de outros Estados-membros. O que significa um horizonte de baixas de preços na produção e a degradação dos rendimentos dos agricultores.

Não serve Portugal porque, não assentando numa justa distribuição das ajudas entre países, produções e produtores, permite que os agricultores portugueses recebam menos ajudas ao rendimento, colocando-os numa posição desfavorável de concorrência face aos seus parceiros europeus.

Não serve Portugal porque aumenta em muito a complexidade e a burocracia do sistema em contradição com as intenções afixadas, nomeadamente no primeiro pilar. Os agricultores e as suas associações vão continuar a gastar horas e horas a preencher papéis ou a ditar dados para alguém os inscrever num computador!

3. Entretanto, e apesar do crescimento da luta pela derrota deste rumo na União Europeia, nos próximos tempos será esta a PAC que temos e que será aplicada no nosso País, pelo que é imperioso aproveitar a margem de manobra das novas regras da PAC para defender e valorizar, tanto quanto possível, a agricultura familiar e a produção nacional.

A Agricultura Familiar, as pequenas e médias explorações desempenham um papel importantíssimo no País e no Mundo, o que levou a ONU a declarar 2014 o Ano Internacional da Agricultura Familiar. A agricultura familiar que, em muitos casos, mantém práticas seculares, e a policultura, assumem especial importância na preservação das espécies e das produções agro alimentares tradicionais, no abastecimento de alimentos frescos, na defesa da biodiversidade e do meio ambiente, no auto consumo e na soberania alimentar dos povos.

A sua importância económica e social, nomeadamente nas comunidades e nas economias locais e regionais, é um aspeto evidenciado pela ONU e tem uma significativa presença em Portugal. As pequenas e médias explorações representam mais de 70% das explorações nacionais e são as que fixam populações (80% do emprego na agricultura está na agricultura familiar), que produzem alimentos de qualidade, que dão vida às nossas aldeias, que mantêm um mundo rural vivo, útil e produtivo.

A declaração da ONU tem de ser mais que uma mera proclamação. Não pode nem deve ser distorcida e por isso se exigem ao Estado medidas concretas de apoio a este tipo de agricultura, nomeadamente que a aplicação da PAC tenha como principal destinatária a agricultura familiar.
4. Nestes dois anos de governação PSD/CDS a agricultura tem sido utilizada em manobras de propaganda publicitária do governo, que mascara a realidade do sector. A Agricultura Familiar não está hoje melhor do que há dois anos atrás! As únicas medidas deste governo que se conhecem direcionadas para os pequenos e médios agricultores são a imposição de novas obrigações fiscais e impostos e o agravamento da contribuição para a segurança social, que vêm piorar ainda mais a vida destes agricultores e a viabilidade das suas explorações.

Portugal continua a assistir à sangria do mundo rural, à perda de conhecimentos e de biodiversidade, à desertificação de uma importante faixa do País, consequência, em larga medida mas não só, do desprezo votado a milhares de pequenos agricultores que produzem praticamente sem apoios e sem garantias de escoamento e de preços justos, enquanto prossegue o apoio de sucessivos governos a grandes proprietários de terra mesmo que não produzam um grama sequer de alimentos.

Importa, por isso, também no domínio da agricultura, recentrar as políticas públicas e fazer uma aplicação da PAC que, apesar dos condicionalismos e regras conhecidas, respeite, tanto quanto possível, a soberania alimentar e a produção de bens estratégicos, esteja ao serviço dos agricultores, das populações rurais e dos consumidores, e não orientada pelos interesses do grande capital da agro-indústria, das grandes potências agrícolas do mundo e dos seus tratados de livre comércio.

A necessidade e a possibilidade de aumentar a nossa produção agrícola, tantas vezes reclamada pelo PCP, é hoje consensual, bem como a necessidade de combater o défice da balança comercial e de alimentar a população, preferencialmente com produtos nacionais de qualidade, evitando importações desnecessárias. Estes objetivos só se alcançam aumentando a nossa produção, sendo para isso essencial atribuir mais ajudas a quem produz através de uma redistribuição adequada dos fundos que, sendo insuficientes, existem!

O equilíbrio da balança agroalimentar deverá ser feito tendo em conta a necessidade do abastecimento de produtos alimentares estratégicos através da produção nacional, conforme com as nossas disponibilidades de recursos e condições edafoclimáticas, não sendo de aceitar a estratégia, errada, do governo PSD/CDS de atingir uma igualdade entre exportações e importações (equilíbrio da balança agroalimentar) apenas em valor.

5.Os atuais, como os anteriores, mecanismos da PAC estão desajustados da realidade do sector e do País. Basta olhar a repartição das ajudas, onde os dados são claros e demonstram a profunda injustiça e falta de equidade na sua distribuição, quer entre agricultores quer entre regiões (o Alentejo recebe quase 50% de todas as ajudas diretas). Tendo em conta os dados publicados pelo Gabinete de Planeamento e Políticas (GPP), pouco mais de 8% das explorações agrícolas recebem mais de 70% de todas as ajudas diretas do primeiro pilar, sendo que 390 beneficiários sozinhos absorvem mais de 11% de todas as ajudas diretas. Outro exemplo é o do ProDer, instrumento único para o apoio ao investimento do sector, onde apenas 6% dos agricultores portugueses, naturalmente os de maior dimensão, conseguem aceder às medidas de apoio ao investimento.

Outro aspeto a ter em conta é a necessidade de um programa ajustado à realidade nacional, com metas, objetivos e regulamentos adequados ao sector e com uma administração pública capaz de o colocar em prática. O exemplo do anterior quadro de ajudas (2007/2013) não é com certeza o melhor: medidas desajustadas e burocratizadas, atrasos na publicação de legislação, atrasos na avaliação de projetos, situações que conduziram a um péssimo arranque do programa.

Os cortes no orçamento da PAC destinado a Portugal, com principal incidência no segundo pilar, vão também ser fator limitante ao desenvolvimento da agricultura, sendo por isso necessário colmatar esses cortes com financiamento nacional. Não pode esquecer-se que a primeira opção do governo na reprogramação do ProDer foi cortar 300 milhões de euros na sua dotação, com principal incidência nas medidas de apoio à floresta e ao regadio.

Assim, a par de disponibilidades nacionais suficientes no Orçamento de Estado, o Ministério da Agricultura e do Mar deve ser dotado de recursos humanos e logísticos adequados, o que é absolutamente indispensável num ano de implementação da nova PAC e em que simultaneamente se procede ao encerramento do quadro atual, com milhares de projetos por fechar. O atual programa de rescisões da administração pública, tal como o programa de mobilidade especial, influenciaram o arranque do ProDer e vão ainda influenciar de forma muito negativa a implementação da nova PAC.

6.Assegurar o rejuvenescimento da nossa agricultura deve ser prioridade na implementação da reforma da PAC, para inverter os dados do último RGA, que indicam que metade dos agricultores têm mais de 65 anos. Este rejuvenescimento só será, de facto, concretizado se as políticas públicas apoiarem a instalação de jovens agricultores e se se criarem condições para que os jovens que se instalaram nestes últimos anos continuem a exercer a sua atividade.

A aplicação da reforma da PAC deve ainda ter como preocupação o emprego. Com a maior taxa de desemprego desde o fascismo, é necessário que os instrumentos de política tenham em consideração o combate a esta calamidade.

Condição básica para o futuro da agricultura nacional é a organização da produção. Será fundamental permitir aos pequenos e médios agricultores desenvolverem o seu associativismo de produção e o cooperativismo. Uma linha de saneamento financeiro para o movimento cooperativo, assim como a revisão da legislação do reconhecimento de organizações de produtores, são pontos fulcrais a desenvolver no futuro.

Num quadro em que o governo, faltando ao compromisso assumido, ainda não deu possibilidade à Assembleia da República de se pronunciar sobre a aplicação da reforma da PAC em Portugal, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do PCP, toma a iniciativa de apresentar o seguinte Projecto de Resolução:

Nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, a Assembleia da República recomenda ao Governo que:
I
No âmbito da aplicação em Portugal do 1º Pilar da nova PAC (ajudas directas)

1. Promova uma política de atribuição de ajudas apenas a quem produz, quer pela negociação do aumento das atuais percentagens de pagamentos associados/ligados, quer pela definição de atividades mínimas na exploração (encabeçamento mínimo nas pastagens permanentes, evidências de não abandono nas culturas permanentes, limitação das áreas de pousio ao pousio agronómico na terra arável);
2. Proceda à regionalização das ajudas diretas de forma a limitar as perdas em alguns sectores, com definição de montantes regionais, tendo em conta não só a área mas também a mão-de-obra;
3. Proceda a uma melhor distribuição das ajudas, com a aplicação do pagamento redistributivo na totalidade valorizando, assim, os primeiros 13 hectares das explorações agrícolas, e também pela modulação e plafonamento das ajudas;
4. Permita que todos os agricultores possam aceder ao novo regime de ajudas, inclusive as pequenas explorações vitícolas e a viticultura de montanha;
5. Mantenha a superfície mínima de acesso aos pagamentos diretos em 0,3 hectares;
6. Coloque à disposição dos agricultores um regime específico para a pequena agricultura que valorize a sua atividade;
7. Majore as ajudas intermediadas por cooperativas e outras organizações de produtores;

II
No âmbito da aplicação em Portugal do 2º Pilar da nova PAC

1. Dote o programa de meios financeiros nacionais necessários para responder às necessidades do sector, com reforço da comparticipação nacional, de forma a compensar os cortes da União Europeia;
2. Crie um subprograma específico para as pequenas explorações, com dotação adequada ao seu elevado número, garantindo as majorações previstas nos apoios, com simplificação dos processos;
3. Crie uma medida de âmbito nacional, para além da abordagem LEADER, de apoio ao investimento nas pequenas e médias explorações, com taxas de apoio e critérios adequados a estas explorações;
4. Promova medidas de apoio ao investimento na floresta que permitam o acesso prioritário dos projetos dos pequenos proprietários e dos baldios, devendo privilegiar a floresta de espécies autóctones e o desenvolvimento da prevenção estrutural;
5. Crie medidas que valorizem as produções agropecuárias tradicionais e autóctones, de forma a assegurar a sua rentabilidade face a espécies exóticas, e a manutenção das medidas compensatórias pelo exercício da atividade em zonas desfavorecidas;
6. Garanta o reforço do financiamento e a dinamização das atuais ITI (Intervenções Territoriais Integradas), nomeadamente nas áreas protegidas;
7. Disponibilize os meios financeiros necessários para a conclusão e/ou reabilitação dos regadios públicos, fomentando a participação e gestão democrática por todos os regantes;
8. Garanta uma linha de apoio ao movimento associativo agrícola e, designadamente, ao movimento cooperativo;

III
No âmbito das medidas necessárias para uma adequada aplicação dos meios financeiros disponíveis e defesa da produção nacional

1. Dote o Ministério da Agricultura e do Mar de meios financeiros, humanos e logísticos necessários para uma gestão eficiente da nova PAC e ao apoio técnico aos agricultores, nomeadamente aos que submetem projetos, para permitir a sua sobrevivência e desenvolvimento;
2. Assegure com fundos nacionais e comunitários, o desenvolvimento e modernização, sob tutela do Ministério da Agricultura, de redes públicas de laboratórios, inclusive laboratórios de referência, e de estações tecnológicas de transferências de I&D, tecnologia e inovação para a atividade agropecuária e florestal nacional;
3. Reivindique a existência de instrumentos de regulação dos mercados e, designadamente, a manutenção das quotas leiteiras e dos direitos de plantio da vinha, bem como mecanismos de intervenção no mercado – escoamento e rede de preços mínimos – que garantam preços adequados à produção;
4. Estude e promova a produção nacional de beterraba sacarina nas novas condições pós-reforma da PAC e, junto da União Europeia, obtenha as condições para o necessário abastecimento em ramas da indústria açucareira, de forma a garantir a integral ocupação da capacidade instalada;
5. Assuma a criação do seguro agropecuário e florestal que garanta aos agricultores portugueses uma cobertura dos riscos idêntica aos melhores exemplos dos seus congéneres europeus, com prémios ajustados à dimensão e rentabilidade das culturas e explorações portuguesas;
6. Proceda a uma revisão do Despacho Normativo nº 11/2010, de 20 de Abril, relativo ao reconhecimento de organizações de produtores, com reestruturação das quantidades mínimas necessárias, de forma a possibilitar a organização de pequenos produtores.

Assembleia da República, em 6 de março de 2014

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