A introdução de portagens nas autoestradas SCUT confirma-se a cada dia que passa como uma medida desastrosa para a vida das populações e para as regiões servidas por esses eixos estruturantes.
O atual Governo PSD/CDS e o anterior Governo PS quiseram impor portagens, não só a todas as concessões SCUT, mas também aos troços de autoestrada financiados com fundos públicos nacionais e comunitários, que estavam fora dessas concessões. O PS, o PSD e o CDS-PP ignoraram as condições estabelecidas para a introdução das portagens e não levaram em conta os justos protestos de todas estas regiões, onde as comissões de utentes assumiram papel de destaque.
Esta medida foi “justificada” com o “princípio do utilizador-pagador” e a necessidade de aumentar as receitas obtidas com a exploração das infraestruturas rodoviárias nacionais. Na realidade, a introdução das portagens nas concessões SCUT, visava apenas reduzir as despesas do Estado com as concessões rodoviárias sem, contudo, tocar nas fabulosas rendas auferidas pelos grupos económicos que exploram, sem qualquer risco, essas mesmas concessões.
Esta opção trouxe consequências muito graves para as regiões atingidas, onerando de uma forma profundamente injusta as populações e as empresas dos distritos de Santarém, Portalegre, Castelo Branco, Guarda, Viseu, Aveiro, Porto, Faro, Viana do Castelo, Braga e Vila Real.
Para além de agravar as dificuldades económicas dos utentes, já duramente afetados pelo aumento do custo de vida, por cortes salariais e dos subsídios de férias, esta medida contribuiu para o agravamento da situação económica de muitas empresas, e dificulta em muito a vida de inúmeras pessoas que utilizavam estas vias para se deslocar diariamente para o trabalho. A introdução de portagens nas SCUT não foi uma medida para combater a crise, mas pelo contrário, só veio contribuir para agravar a crise.
A generalidade destas antigas SCUT não tem alternativas credíveis. Algumas das estradas nacionais para onde o tráfego dessas vias foi “desviado” estavam entre as estradas com maior sinistralidade do País. Em partes significativas dos seus traçados, são autênticas artérias urbanas, não tendo características adequadas ao tráfego interurbano.
Tal como, já há muito tempo, se alertava em memorando interno dos serviços da EP/Estradas de Portugal (de 26/10/2006!), «as vias que agora se quer como alternativas às que atualmente servem em regime de SCUT, não possuem as características mínimas», acrescentando-se ainda: «pôde-se verificar que, em alguns casos, o tempo de percurso pelas alternativas era três vezes superior ao efetuado pelas autoestradas».
A Via do Infante é um exemplo evidente de falta de alternativas válidas. A estrada nacional N-125, antes da entrada em serviço da Via do Infante, era uma das vias com maior sinistralidade do País. Em partes significativas do seu traçado, a N-125 é uma autêntica artéria urbana, não tendo características adequadas ao tráfego interurbano. A anunciada – e sempre adiada – requalificação desta estrada nacional, quando concretizada, poderá contribuir para a diminuição da sinistralidade nesta via, mas não a tornará num eixo interurbano alternativo à Via do Infante.
De resto, nem tão pouco há alternativas às autoestradas A23, A24 e A25. No essencial as estradas nacionais N-16, N-2, N-18 e N-17 não constituem alternativa, tendo em conta a sua desadequação como vias inter-regionais, o seu elevado estado de degradação e uma parte significativa do percurso que atravessa diversas localidades. Em diversos troços, a A23 foi construída sobre os anteriores itinerários tornando inevitável a sua utilização. Em outros troços, a não utilização da A23 obriga à circulação pelo interior das localidades. Em outros troços ainda, evitar a A23 obriga a circular em estradas quase intransitáveis. O trajeto entre Torres Novas e a Guarda sem passar pela A23, utilizando a N-118, o IP2 e a N-18, obriga a percorrer 231 quilómetros e demora seguramente mais de quatro horas. Pela A23, a distância é de 207 quilómetros e tem uma duração média de 2:10h. Não há, como é evidente, nenhuma alternativa viável à A23. A introdução de portagens na A23 representa um retrocesso de décadas nas acessibilidades dos distritos de Santarém, Portalegre, Castelo Branco e Guarda.
A distância entre Viseu e Chaves pela A24 é de pouco mais de 150 quilómetros e demora aproximadamente 1:45h, enquanto o mesmo trajeto pela N-2 tem a distância 170 quilómetros, e uma duração de mais de três horas e meia. Pela A25 de Aveiro a Vilar Formoso, são 190 quilómetros, num percurso que não chega a duas horas. Na ligação entre estas duas localidades sem utilizar a A24, pela N-17 e pela N-16, a distância é de 234 quilómetros, e demora mais de quatro horas.
Para além de gravemente lesiva para a vida das populações e das empresas destas regiões, esta decisão do PS, PSD e CDS foi ainda de uma inqualificável irresponsabilidade política. Importa aqui relembrar algumas das afirmações constantes do Relatório n.º 15/2012 - 2.ª Secção do Tribunal de Contas, na sequência da auditoria sobre as PPP rodoviárias:
«No âmbito do processo de negociação dos contratos SCUT [para a introdução de portagens], verificou-se que o Estado não efetuou a avaliação do conjunto dos custos associados à renegociação dos contratos, cujos efeitos contribuem para uma redução substancial dos benefícios líquidos que lhe são atribuídos. Esses custos são:
- Custo das externalidades ambientais, resultante do desvio de tráfego para as estradas secundárias;
- Custo do aumento da sinistralidade;
- Custo dos impactos económicos e sociais da região afetada;
- Aumento do custo de manutenção e conservação das vias secundárias para a Estradas de Portugal e para os municípios afetados com a transferência de tráfego para aquelas vias. (…)
«Estas negociações permitiram, ainda, às concessionárias uma nova oportunidade de negócio, o da prestação dos serviços de cobrança de portagens e a resolução de diversos processos de reequilíbrio financeiro que se encontravam pendentes. (…)
«A necessidade de introduzir portagens naquelas concessões, tendo em vista a mitigação dos impactos financeiros, em termos orçamentais, causados pelos compromissos assumidos nas concessões SCUT, veio colocar o Estado numa posição negocial mais fragilizada que foi, naturalmente, aproveitada, quer pelas concessionárias, quer pelas entidades bancárias. (…)»
Daqui se pode legitimamente concluir que a imposição de portagens nas SCUT foi uma medida terrível para as populações – mas um negócio excelente para as concessionárias.
Sob o argumento da consolidação orçamental o Governo não só garantiu substanciais rendas para os grupos económicos e financeiros, através da portagem paga pelos utilizadores e pelas transferências da EP/Estradas de Portugal, como ainda ofereceu a esses mesmos grupos uma inestimável vantagem negocial, ao desencadear novos processos de revisão de contratos a pretexto da introdução de portagens.
Na perspetiva dos governantes, a indignação e o protesto das populações perante a profunda iniquidade desta medida seriam eventualmente atenuados com o anunciado sistema de descontos e isenções nas portagens. Mas se por um lado este processo encerrava em si mesmo ainda outras injustiças e arbitrariedades – com destaque para a exclusão de concelhos próximos, “justificada” pelo “critério” da NUT a que pertenciam – rapidamente o prejuízo sofrido por estas regiões foi ainda mais longe, com a eliminação pura e simples das isenções e descontos, poucos meses depois do início de mandato do atual Governo.
Para o PCP, a resposta para o problema que está colocado exige uma resposta firme e determinada, de coragem política para enfrentar os interesses e o poder dos grupos económicos. Se o problema de fundo está nas portagens que penalizam as regiões e nos contratos PPP que penalizam o país e o interesse público, a medida de fundo tem de ser acabar com essas portagens e essas parcerias – invertendo o rumo que este Governo vem seguindo, de perpetuar contratos e até mesmo de anunciar novas parcerias, como a do IP3 Coimbra/Viseu e todas as outras referidas no designado “Plano Estratégico de Transportes e Infraestruturas”.
Estas opções dos governos PS e PSD/CDS têm suscitado um generalizado repúdio por parte das populações, autarquias e associações empresariais afetadas pelas portagens nas ex-SCUT. O PCP associou-se desde a primeira hora a esse justo protesto e continuará a fazer tudo o que estiver ao seu alcance para combater esta injusta medida. Aliás, sublinhe-se esse objetivo é perfeitamente atingível se todos os deputados eleitos pelos círculos eleitorais atingidos mantiverem na Assembleia da República as posições que têm manifestado junto das populações que os elegeram.
O PCP reitera a afirmação de um caminho indispensável e urgente: acabar com as atuais PPP e rejeitar novos contratos qualquer que seja o seu modelo. A solução para o futuro não pode ser uma tentativa (mais uma) de “aperfeiçoar” o que é péssimo. Não pode haver mais contratos PPP. O que é imprescindível não é reiniciar – mas sim inverter – este ciclo de negociações e renegociações que sempre favorecem os interesses privados.
Não é aceitável, nem se pode permitir, que os anúncios e debates sobre “infraestruturas” a que se tem assistido no país se traduzam numa operação de propaganda pré-eleitoral e numa operação de branqueamento ou reabilitação das PPP.
As Parcerias Público Privadas constituídas em torno de projetos como o IP-8, IP-2, etc. (as chamadas “subconcessões EP”) confirmaram-se como opção ruinosa para o interesse público. E o que foi anunciado como “renegociação da PPP” resumiu-se afinal ao cancelamento substancial de investimento, viadutos inacabados e deixados ao abandono, caminhos rurais danificados ou até intransitáveis, ameaças à segurança de pessoas e bens.
O resultado das renegociações das PPP, mantendo-as em vigor, são pagamentos de centenas de milhões de euros do Estado às subconcessionárias ao longo das próximas décadas, sem sequer se reduzir as taxas internas de rendibilidade. Esta situação é insustentável e tem de ser urgentemente resolvida. As opções estratégicas e políticas de fundo neste domínio têm sido fundamentalmente as mesmas: favorecer o capital privado e propiciar-lhe negócios de alta rentabilidade.
Uma das mistificações mais recorrentes por parte dos partidos que desenvolveram parcerias público privadas foi a de tentar confundir PPP com investimento público ou com obra pública. Ora, o modelo PPP não é nem pode ser condição para o investimento público. Pelo contrário: é urgente e indispensável colocar um ponto final a esta opção por este modelo de negócio, assim como urgente e indispensável é retomar e dinamizar o investimento.
A profunda crise económica em que o país se encontra, a estagnação e o crescente desemprego, reclamam, não o corte, mas uma forte aposta no investimento público de qualidade, induzindo o investimento privado, promovendo a atividade dos sectores produtivos, o crescimento económico e a criação de emprego.
A não ser interrompida, esta ação de forte quebra do investimento público e privado terá inevitavelmente reflexos ainda mais desastrosos na economia nacional, no desenvolvimento regional e na vida das populações, agravando as dificuldades de desenvolvimento das atividades produtivas e dos equipamentos sociais, e conduzindo o país para o desastre.
Neste quadro, é indispensável o reforço do investimento público como fator determinante para a modernização e desenvolvimento do país, e como resposta necessária aos profundos problemas com que Portugal está confrontado, visando a dinamização do crescimento económico, o estimulo do aparelho produtivo nacional, a criação de emprego, incrementando o investimento em todas as suas dimensões e vertentes, na criação de equipamentos e serviços públicos vários, na reabilitação urbana, nos meios colocados à disposição do Poder Local, nos serviços de educação e de saúde, na indústria, no ambiente, na energia, nas comunicações – e evidentemente também na mobilidade, transportes e logística.
Mas essa opção implica forçosamente a substituição do atual modelo de concessão a privados dos projetos, construção, financiamento, manutenção e ou exploração, por um modelo integralmente público, com um papel determinante do conjunto das empresas do sector público, que garanta do ponto de vista técnico, na construção e manutenção da infraestrutura, a incorporação de uma elevada percentagem de produção nacional.
O que é urgente e indispensável é portanto uma outra política, uma política patriótica e de esquerda, e um governo capaz de a concretizar. Rejeitando o “modelo PPP” e defendendo o interesse nacional.
Nestes termos, e tendo em consideração o acima exposto, ao abrigo da alínea b) do Artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do número 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte
Resolução
A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, resolve recomendar ao Governo as seguintes medidas:
1. A abolição das portagens que foram impostas nas antigas autoestradas SCUT;
2. O desenvolvimento de um processo de extinção das atuais Parcerias Público Privadas, recorrendo aos mecanismos legais e contratuais que, conforme a situação aplicável, garantam da melhor forma a salvaguarda do interesse público, a título de exemplo o resgate, a rescisão, o sequestro ou a caducidade.
3. A reavaliação das decisões sobre o cancelamento de intervenções na rede viária a requalificar ou construir, garantindo a criteriosa e rigorosa gestão dos recursos, estudando as melhores alternativas de projeto e recorrendo à gestão pública para a conclusão adequada designadamente em eixos como o IP-8, o IP-2 ou a EN-125.
Assembleia da República, em 17 de abril de 2014