O Grupo Parlamentar do PCP anunciou que irá votar contra a Proposta de Lei de Orçamento do Estado para 2008, considerando que «a preocupação essencial do Governo continua a ser a redução do défice orçamental, transformado num fim em si mesmo que compromete o desenvolvimento e o crescimento económico, que desvaloriza o combate ao desemprego, a defesa do poder de compra e a qualidade de vida dos trabalhadores e que despreza as questões sociais num país cada vez mais desigual e com uma parte crescente da população no limiar da pobreza».
ORÇAMENTO DO ESTADO PARA 2008
O PCP E A PROPOSTA DE LEI DO GOVERNO
A Proposta de Lei de Orçamento do Estado para 2008 confirma que a preocupação essencial do Governo continua a ser a redução do défice orçamental, transformado num fim em si mesmo que compromete o desenvolvimento e o crescimento económico, que desvaloriza o combate ao desemprego, a defesa do poder de compra e a qualidade de vida dos trabalhadores e que despreza as questões sociais num país cada vez mais desigual e com uma parte crescente da população no limiar da pobreza.
Foi neste quadro cada vez mais insustentável que o Governo apresentou a sua proposta de Orçamento para 2008, exultando com os resultados obtidos para a redução do défice orçamental e enaltecendo o facto de ter ultrapassado as suas metas iniciais. De facto, os compromissos aprovados pelo Governo, e por ele incluídos no Programa de Estabilidade e Crescimento remetido em Dezembro de 2006 para Bruxelas, previam que:
. em 2007 o défice orçamental deveria ser reduzido para 3,7%. Só que, já durante o ano, o Governo reviu esta meta, primeiro para 3,3%, agora, no contexto do OE, para 3%;
. para 2008, o défice orçamental proposto pelo Governo e acordado com a Comissão Europeia se situa em 2,6%, propondo-se agora no Orçamento para 2008 que ele seja ainda mais reduzido, para 2,4%.
O PCP considera que o Governo não deveria exultar com estes resultados. Eles foram obtidos à custa do crescimento do País e à custa da imposição de violentos sacrifícios aos trabalhadores e aos portugueses mais carenciados, ainda por cima levados a níveis desnecessários para cumprir os próprios compromissos que o Governo, não obstante a oposição do PCP, tinha acordado com Bruxelas. Não satisfeito com os esforços suplementares já impostos em 2007, o Governo insiste em propor reduções adicionais do défice em 2008 – isto é, ainda mais imposições e sacrifícios – a que, sublinhe-se, não está obrigado por nenhum compromisso comunitário.
Pode assim dizer-se que o Governo consegue ser mais “pactista” que o Pacto de Estabilidade e Crescimento.
A proposta de Orçamento do Estado para 2008 mostra de forma muito eloquente as profundas e negativas consequências económicas e sociais para o País, como resultado da manutenção e do reforço desta obsessão orçamental. Importa destacar algumas mais relevantes:
1. Uma previsão para o crescimento do PIB (2,2%) que, não obstante ser optimista face às opções em que o Governo a sustenta, vai voltar a ser insuficiente e incapaz de promover qualquer aproximação à média de desenvolvimento comunitária. Portugal vai assim manter-se – pelo sétimo ano consecutivo – em rota de divergência da média de desenvolvimento da UE, seja esta considerada a 15 ou a 27.
2. Um desemprego crescente que confirma que o Governo não só parece ter desistido do combate ao desemprego como abandonou de vez a promessa eleitoral de criar 150 000 novos postos de trabalho. De facto, o Governo previra – no Programa de Estabilidade e Crescimento aprovado há menos de um ano – taxas de desemprego de 7,5%, em 2007 e de 7,2% em 2008. Mas agora, no Orçamento do Estado para 2008, o Governo revê em alta os dois valores, corrigindo para 7,8% em 2007 e para 7,6% em 2008, importando sublinhar a propósito que os números do desemprego fornecidos pelo Governo são sempre “trabalhados em baixa”, e que se conhece que os valores mais recentes do desemprego colocam Portugal no quinto lugar na União Europeia, pela primeira vez ultrapassando a taxa de desemprego da Espanha.
3. Ausência de medidas que mostrem preocupações reais de justiça e equidade fiscal.
. um peso crescente dos impostos indirectos que – ao invés dos impostos directos que têm directamente em conta os rendimentos dos contribuintes – são mais injustos e não atendem ao rendimento individual, passando de 59,5% para 60,1% do total da receita fiscal;
. a ausência de quaisquer medidas concretas de combate ao planeamento fiscal agressivo, em especial no sector financeiro, cuja aplicação durante o corrente ano, não obstante a cortina de propaganda utilizada no debate orçamental de 2007, nunca foi concretizada;
. a constatação de que a taxa efectiva de IRC paga pelo sector bancário em 2006 permanece à volta dos 15%, 10 pontos abaixo da taxa nominal que paga qualquer micro ou pequena empresa, representando uma perda fiscal rondando os 412 milhões de euros;
. a constatação de que, relativamente ao previsto no Orçamento do Estado para 2007, os benefício fiscais na zona franca da Madeira passam de 1 000 para 1 790 milhões de euros, um acréscimo de cerca 800 milhões de euros, quase 80%. Ou a confirmação de que a despesa fiscal com os benefícios fiscais concedidos a PPRs vai atingir mais de 109 milhões de euros, beneficiando somente entre 5% e 7% dos contribuintes, claramente os que detêm rendimentos superiores;
. ou, noutro plano, a constatação de que a diminuição de taxas de IRC no interior só irá provocar um acréscimo de 1 milhão de euros em benefícios fiscais, (mostrando bem a insignificância e neutralidade fiscal da medida, a menos que se assista à deslocalização virtual de sedes de empresas para as áreas geográficas de aplicação). Ou, ainda neste plano, o facto do aumento das deduções para pessoas portadoras de deficiência representarem um acréscimo de despesa fiscal de apenas 4,2 milhões de euros. Estes exemplos tão usados na propaganda do Governo, representam afinal benefícios fiscais adicionais de 5,2 milhões, e comparam bem com o privilégio inaceitável dos dois exemplos que antecedem e que, implicam uma despesa fiscal adicional de quase 900 milhões de euros.
4. Com os dados disponíveis no orçamento não é possível concluir da existência de qualquer aumento do investimento público em 2008 porque foram excluídos a REFER e as Estradas de Portugal e o Governo não disponibilizou qualquer dado sobre o investimento previsto para estas empresas em 2008.
O PIDDAC de 2008 mostra uma inaceitável desorçamentação, com a retirada da “Estradas de Portugal” e da “REFER” das contas públicas, uma operação cuja conformidade legal está ainda por apurar mas que, desde já, confirma, por um lado, a utilização de mais um artifício para reduzir o défice, noutro plano, a transformação de parte substancial das obras públicas em Portugal num exercício de adivinhação sem transparência nem possibilidade de acompanhamento ou fiscalização por parte do Parlamento e, finalmente, a intenção inaceitável de privatizar a “Estradas de Portugal” e concessionar durante cem anos a rede rodoviária nacional.
5. Em matéria de privatizações, o Governo insiste na delapidação da património público, inscrevendo mais cerca de 900 milhões de euros de novas privatizações a efectuar durante o ano de 2008. Ainda que se recuse a dizer quais as empresas que tenciona privatizar, é bem evidente a intenção do Governo em desfazer-se de empresas determinantes na prestação de serviços públicos essenciais, em passar para as mãos de grupos privados empresas altamente rentáveis muitas delas em sectores e áreas onde a concorrência não existirá e que assim passarão a constituir monopólios ao serviço de interesses privados.
6. As verbas afectas a remunerações certas e permanentes dos trabalhadores da administração pública continuam a sofrer cortes brutais. Em 2006 estavam previstos 11 869 milhões de euros e, para 2008, o Governo prevê apenas 10 888 milhões de euros, o que significa uma redução de 991 milhões de euros
Este corte mostra, sem lugar a quaisquer dúvidas, os milhares de trabalhadores que o Governo pretende despedir ou então colocar na situação de mobilidade especial.
Enquanto o Governo se prepara para despedir ou colocar trabalhadores “na prateleira”, a dotação que o Governo inscreve no Orçamento para afectar a pessoal contratado a termo passa de 200 para 240 milhões de euros, um acréscimo de 20% que mostra bem quanto o Governo se prepara para aumentar a precariedade do trabalho na administração pública.
O que melhor revela a verdadeira face da inaceitável política de gestão de recursos e meios da administração pública deste Governo é constatar que a proposta de Orçamento do Estado inclui um total de 1 200 milhões de euros em aquisições genéricas de serviços (190 milhões em estudos, projectos e consultorias, 92 milhões em assistência técnica externa, 535 milhões em outros trabalhos especializados e 383 milhões em outros serviços). Enquanto, entre 2006 e 2008, as remunerações certas e permanentes descem quase 10%, as verbas destinadas a estas aquisições sobe mais de 13%...
7. Entretanto o Governo insiste numa proposta de aumentos salariais para os funcionários públicos que não ultrapassa 2,1%, o mesmo valor que o orçamento auto atribui à inflação esperada para 2008 e no qual o Governo nunca acerta, sendo sempre superado pela realidade. Esta proposta não garante, bem pelo contrário, qualquer recuperação do poder de compra de trabalhadores da administração pública, os quais, desde o ano 2000, já perderam quase 10 % do seu poder de compra. Esta proposta governamental contraria, aliás, de forma evidente e escandalosa as afirmações do Primeiro-Ministro que tinha anunciado que os funcionários da administração pública tinham que ser compensados em 2008. Não é certamente com uma proposta de actualização salarial de 2,1%, nem sequer com mais três ou quatro décimas que estes trabalhadores poderão recuperar a perda de poder de compra que sofreram só no ano de 2007 onde tiveram aumentos de 1,5% para uma inflação que pode muito bem chegar aos 2,5%.
Estes são alguns dos aspectos mais negativos da proposta de Orçamento do Estado para 2008 que irá naturalmente contar com o voto contra do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português.
Não obstante a proposta de Orçamento do Estado para 2008 constituir um documento que considerámos profundamente lesivo dos interesses dos trabalhadores e da generalidade da população e que compromete mais uma vez a economia do País e o seu crescimento, o PCP está a intervir de forma activa no debate e irá apresentar um conjunto de propostas de alteração que visam minorar as consequências negativas da proposta do Governo.
Importa anunciar já nesta fase do debate, concluídas que estão as audições dos Ministros de Estado e das Finanças e do Trabalho e da Segurança Social algumas propostas que o PCP irá apresentar.
Assim:
1. Ainda na sequência do anunciado nas Jornadas Parlamentares, o PCP, através de alterações e aditamentos ao artigo 63º B da Lei Geral Tributária, vai propor a derrogação do sigilo bancário, introduzindo o princípio geral do acesso a informações ou documentos bancários pertinentes, sem pendência de consentimento, desde que a Administração Fiscal fundamente a necessidade de averiguar e/ou confirmar a situação fiscal dos contribuintes. Com esta iniciativa, o PCP lança o repto ao Governo para permitir traduzir em actos a sua anunciada intenção de proceder à derrogação do sigilo bancário – apresentada na altura do debate, ocorrido em Fevereiro de 2006, do Relatório sobre o combate à fraude e evasão fiscais –, e, simultaneamente, superar a situação criada pelo veto presidencial a uma lei ineficaz, discriminatória e que não permitia obter os efeitos anunciados quanto à eliminação do sigilo bancário.
2. Para além destas propostas, o PCP anuncia que vai apresentar duas outras propostas em sede fiscal com o objectivo de alargar a base de incidência fiscal e de introduzir condições de maior justiça e equidade fiscal. Assim:
2.1. O PCP vai apresentar uma proposta que, sem prejuízo das situações especiais de empresas não financeiras situadas no interior, imponha a todos os sujeitos passivos de IRC, independentemente das normas de que possam beneficiar em resultado de planeamento fiscal, a obrigação de pagar imposto calculado por uma taxa efectiva mínima de 20%;
2.2. Uma outra proposta que introduz a tributação, através de uma taxa liberatória de 10%, das mais valias resultantes da alienação de acções de empresas cotadas em bolsa, independentemente do tempo que tenham permanecido na posse do sujeito passivo.
3.
Finalmente, o PCP vai apresentar uma proposta de redução, para 20%, da taxa normal do Imposto sobre o Valor Acrescentado em 2008 e para 19% em 2009. Trata-se de uma proposta indispensável para iniciar um caminho de normalização da taxa superior do IVA, que aumentou 4 pontos percentuais com Governos do PSD e CDS-PP e do PS, devolvendo à economia portuguesa capacidades retiradas nos últimos anos, e aliviando o agravamento da injustiça fiscal em que se traduziu o seu aumento. Este caminho é indispensável para a dinamização do consumo interno e para a competitividade dos nossos sectores produtivos.
A decisão de aumento do IVA foi um erro que o país e os portugueses pagaram caro. Um erro assente na obsessão pelo défice que caracteriza o Governo e que caracterizou os anteriores governos e na busca de receitas socialmente injustas, mantendo ao mesmo tempo inaceitáveis privilégios.
Mas a situação actual é ainda mais escandalosa. É que o Governo, como atrás se disse, vai ainda mais além do que se comprometeu com Bruxelas e não utiliza, com certeza com intuitos eleitoralistas, a margem que as suas próprias contas demonstram existir já para 2008, mesmo na lógica do pacto de estabilidade e crescimento, que rejeitamos. Não há nenhuma razão para não se iniciar já em 2008 a redução da taxa normal do IVA, a não ser a vontade de provavelmente usar essa solução apenas em 2009, tendo em vista o calendário eleitoral.
De acordo com informações do Governo a taxa normal representa cerca de 60% da receita global de IVA, sendo as receitas correspondentes aos restantes 40% resultantes da aplicação das taxas intermédias e reduzidas, que não seriam alteradas. A redução desta taxa do IVA significará assim uma redução previsível na receita deste imposto, inscrita no Orçamento do Estado, igual a 60% de 674 milhões de euros (1/21 avos da receita global inscrita no OE, de 14145 milhões de euros).
Esta perda de receita fiscal, correspondente a 404,4 milhões de euros, seria parcialmente compensada pelo efeito da proposta de revogação dos benefícios fiscais dos PPRs, que o PCP também irá apresentar, correspondendo a uma receita adicional de 109, 4 milhões de euros.
Sendo assim a receita global seria diminuída de, quando muito, 295 milhões de euros. É legítimo, porém, admitir que, por efeitos de um aumento de consumo resultante de uma diminuição da taxa do IVA, em todo o País e particularmente nas zonas de fronteira onde seria diminuída em 20% o diferencial de taxas entre os dois lados da fronteira, a perda de receitas seria inferior àquele valor.
Mesmo admitindo uma perda de receita fiscal de 295 milhões de euros, o défice inscrito no Orçamento do Estado para 2008 passaria a ter um valor total de 4 385,4 milhões de euros (4 090,4 mais 295,0). Isto significaria um défice orçamental em 2008 de 2,59%, ainda inferior ao valor previsto no Programa de Estabilidade e Crescimento para 2008, aprovado pelo Governo e entregue em Bruxelas em Dezembro de 2006. Isto significaria que, em vez do valor anunciado pelo Governo, de um défice em 2008 de 2,4%, o Orçamento do Estado continuaria a prever um valor muito próximo de 2,6%, incluído no PEC, já abaixo dos 3% que o Pacto de Estabilidade impõe.