Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

PCP solidário com o povo grego recusa empréstimo à Grécia

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Aprova um regime que viabiliza a possibilidade de o Governo conceder empréstimos, realizar outras operações de crédito activas a Estados-membros da zona euro e prestar garantias pessoais do Estado a operações que visem o financiamento desses Estados, no âmbito da iniciativa para o reforço da estabilidade financeira (proposta de lei n.º 23/XI/1.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
A situação que se vive na Grécia e noutros países é a consequência da irracionalidade do sistema vigente na União Europeia e da União Económica e Monetária.
Uma política assente em orientações monetaristas favoráveis aos grandes grupos económicos e às potências do directório da União Europeia mas que penaliza fortemente as economias menos desenvolvidas, designadamente com a política do euro forte e com a imposição de critérios monetaristas artificiais de 3%, com consequência no investimento público, na dinamização do mercado interno, nas desigualdades sociais.
Uma política que conduz à crescente financeirização da economia, à degradação das capacidades produtivas dos países menos desenvolvidos, como acontece com Portugal, à estagnação e à recessão.
Uma política que se orienta para o benefício do capital especulativo. Aliás, alguém devia explicar como é que se invoca agora essa abstracta figura dos mercados que aparentemente ninguém controla, nenhum país, nenhum Estado, nem a União Europeia, e que andam pelo mundo a condicionar a vida de todos os países.
Ao longo da crise em curso foi gritante a falta de solidariedade da União Europeia, e em especial das suas principais potências. Deixou-se agravar o ataque dos especuladores em relação à Grécia, e também em relação ao Portugal e outros países, quando a situação podia e devia ser travada com uma posição mais forte perante essas operações. Está hoje, aliás, evidente que as notações e as supostas inseguranças dos mercados nada mais são do que a pressão para aumentar o juro das dívidas e assim as margens de lucro do capital especulativo.
Nesta crise, ficou claro como funciona a União Económica e Monetária. Um bom exemplo é a acção do BCE, guardião da ortodoxia monetarista. O BCE pode emprestar e empresta dinheiro a instituições bancárias, independentemente até da sua solidez, à taxa de 1%, mas está proibido de emprestar dinheiro aos Estados em dificuldades, por imposição e interesse da Alemanha.
E mesmo perante a situação de crise a evidenciar que é preciso fomentar a economia dos países menos desenvolvidos, mantêm-se absurdamente os critérios monetaristas dos 3% de défice, mesmo que isso implique uma ainda maior destruição das economias.
O que se propõe agora à Grécia é uma dose cavalar da mesma política que tem sido imposta todos estes anos e que também não queremos para o nosso país: … congelamento de salários e pensões; corte de subsídio para trabalhadores e reformados e no investimento; diminuição de direitos e de salários no sector privado; privatizações e liberalizações de sectores públicos essenciais.
Estas medidas vão criar mais dificuldades à Grécia, tal como as que entre nós estão a ser aplicadas criam em Portugal: sem dinamização do mercado interno, sem mais investimento, não há crescimento; sem crescimento, não há receita; sem receita, não há dinheiro para pagar a dívida pública.
Mais ainda: este dinheiro vai, mais uma vez, para o sistema financeiro, para os mesmos que criaram a crise, que lucraram com ela, que dinamizam a especulação. E, entretanto, pagam os mesmos de sempre: os trabalhadores e o povo.
Estamos contra este caminho, como estamos contra a aplicação no nosso país da política que ele perpétua.
Sim, a União Europeia deve ajudar a Grécia, mas o que está aqui em causa não é uma ajuda, é uma condenação ao atraso, à dependência, à crise social. As verdadeiras ajudas não chegaram a aparecer.
E não nos digam que este caminho é inevitável! Estamos fartos que nos digam que só há este caminho; que o resultado seja a estagnação, a recessão e a pobreza e ainda assim nos digam que só há este caminho; que o sistema favoreça os especuladores e ainda assim nos digam que só há este caminho; que as desigualdades aumentem e ainda assim nos digam que só há este caminho; que os grupos económicos e o grande capital concentrem cada vez mais a riqueza e nos digam que só há este caminho; que o desemprego e a precariedade alastrem, que os salários as reformas e as prestações sociais sejam cortados e nos digam que só há este caminho.
Não, Srs. Deputados não há só este caminho! Este caminho não serve o povo grego, não serve o povo português nem serve nenhum povo da Europa.
É por isso que cada dia está mais claro que, para a Europa, como para Portugal, é preciso outro rumo, é preciso outro caminho, é precisa outra política.

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