Ex.mo Senhor Presidente da
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
Como é do conhecimento geral, a atividade dos Serviços de Informações da República Portuguesa tem sido ensombrada por factos de enorme gravidade que indiciam a prática de ilícitos criminais e que põem gravemente em causa a idoneidade desses Serviços aos olhos dos cidadãos.
Os factos mais recentes estão relacionados, como se sabe, com a atuação de Jorge Silva Carvalho que, enquanto diretor do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) mantinha uma relação privilegiada com um grupo empresarial, para o qual viria a trabalhar após a sua demissão da Direção desses Serviços, havendo indícios claros de ter usado meios e conhecimentos obtidos numa relação promíscua entre um cargo de Direcção da maior sensibilidade e a atividade num grupo empresarial privado.
Para além disso, sabe-se também que no âmbito do SIED foram feitas diligências ilegais no sentido de obter o acesso aos registos telefónicos do jornalista Nuno Simas, facto que configura um ilícito criminal de enorme gravidade.
Em relação a estes factos, estarão em curso processos criminais. A Assembleia da República não sabe, nem tem de saber, pormenores relativos a processos-crime em investigação. Porém, quanto a estes mesmos factos, importa relembrar que a Assembleia da República se viu impedida de apurar responsabilidades políticas que deveriam ter sido apuradas, não só por não possuir meios legais para investigar matérias sob Segredo de Estado, mas também porque o Primeiro-Ministro se recusou a fornecer à Assembleia da República os elementos relativos a um inquérito que solicitou em torno do caso que envolve Jorge Silva Carvalho, invocando precisamente o Segredo de Estado.
Apesar de ter sido impedida de aceder a elementos indispensáveis para apurar em toda a sua extensão as ilicitudes cometidas e para apurar eventuais responsabilidades políticas e administrativas, a Assembleia da República não pode ignorar que os indícios apurados justificaram a instauração de processos criminais e que por esse facto existe na opinião pública a convicção incontornável de que os Serviços de Informações atuam à margem da lei e da Constituição, sem que existam mecanismos credíveis para assegurar a sua fiscalização democrática.
Entretanto, notícias vindas a público nos últimos dias, adensam a gravidade dos factos já conhecidos. Segundo a comunicação social, Jorge Silva Carvalho seria possuidor de informações pessoais relativas a milhares de cidadãos para seu uso pessoal, o que revela em maior extensão a gravidade da promiscuidade entre as suas funções públicas e os seus compromissos privados. Por outro lado, surgiram notícias não desmentidas, segundo as quais, o mesmo Dr. Jorge Silva Carvalho teria sido convidado pelo atual Primeiro-Ministro para reorganizar os Serviços de Informações da República Portuguesa e inclusivamente para assumir o cargo de Secretário-geral desses Serviços.
A conjugação de todos estes factos reveste uma enorme gravidade. Situações de promiscuidade entre Serviços de Informações e interesses privados, devassa de comunicações telefónicas de jornalistas, fichagem de milhares de personalidades concentrada no telemóvel pessoal de um Diretor dos Serviços que teria sido convidado para vir a assumir o cargo de Secretário-geral desses mesmos Serviços, tudo isto revela um quadro de ilicitude inaceitável e de falência de um modelo de fiscalização.
Assim, é uma exigência indeclinável de transparência democrática e de respeito pelo Estado de Direito democrático, que o próprio Primeiro-Ministro esclareça cabalmente a veracidade destas imputações. Não apenas na sua qualidade de Chefe do Governo e de autor do eventual convite, mas também porque nos termos da Lei-quadro do SIRP, o Primeiro-Ministro é o responsável ministerial direto pelos Serviços de Informações. O Secretário-geral do SIRP depende diretamente do Primeiro-Ministro sem a intermediação de qualquer outro membro do Governo.
É pois o próprio Primeiro-ministro que tem a obrigação indeclinável de prestar à Assembleia da República todas as explicações relacionadas com estes casos, e tem a obrigação de o fazer com o grau de profundidade, e eventualmente de sigilo, que a situação exige.
Nestes termos e para esse efeito, o Grupo Parlamentar do PCP, tendo em conta o disposto no artigo 17.º da Lei-quadro do SIRP quanto às competências do Primeiro-ministro, vem requerer, ao abrigo do n.º 1 do artigo 104.º do Regimento da Assembleia da República, a audição do Primeiro-Ministro na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Mais ainda se informa que este requerimento do Grupo Parlamentar do PCP tem natureza potestativa, nos termos do n.º 4 do artigo 104.º do Regimento. Pedimos assim o melhor empenho de V.Ex.ª para que a reunião requerida seja marcada com a brevidade possível.