Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

PCP propõe alteração no acesso às pensões de invalidez e velhice aos trabalhadores da ENU

O PCP apresentou um Projecto de Lei que propõe alterações ao acesso das pensões de invalidez e velhice pelos trabalhadores da Empresa Nacional de Urânio, de forma a garantir que o Estado não se demite das suas responsabilidades perante estes trabalhadores, independentemente das datas da cessação dos seus vínculos laborais.
_______________________________________

(projeto de lei n.º 116/XII/1.ª)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Este problema relativo aos direitos dos ex-trabalhadores da Empresa Nacional de Urânio é, como também já foi referido, bastante conhecido quer da Assembleia da República quer dos partidos que atualmente a compõem.
Aliás, podemos até muito brevemente recordar todo este processo e aproveitar este momento para dirigir uma saudação aos ex-trabalhadores da ENU que nunca desmobilizaram na luta pelos seus direitos, quer seja o direito à reforma antecipada, já conquistado, quer seja o direito ao acompanhamento médico gratuito e permanente, também já conquistado, e que agora lutam pelo direito a indemnizações por doença e por morte, para reparação às famílias, quando decorrentes do trabalho na mina.
Temos que fazer essa saudação nesta Assembleia, ao mesmo tempo que lembramos que o Partido Socialista tudo fez para bloquear essas conquistas e que o PSD e o CDS se uniram para, em conjunto com o Partido Socialista, bloquear o acesso a indemnizações, entre outras, por doença.
O que está a ser discutido neste momento visa precisamente trazer à Assembleia da República uma nova oportunidade de olhar para os direitos destes trabalhadores.
Estamos a falar de centenas de pessoas e das suas famílias que entregaram ao Estado português, porque a Empresa Nacional de Urânio era uma exploração do Estado e estas minas eram explorações diretamente asseguradas pelo Estado, anos de trabalho da sua vida e que tiveram contato com material radioativo, o qual, inclusivamente, levavam para casa na roupa, assim contaminando o local onde habitavam e as suas famílias.
O que está em causa neste momento, Srs. Deputados, não é enviar as situações para os tribunais, como o PSD e CDS fingiram querer resolver, é garantir com clareza, na lei, que as doenças que possam decorrer, comprovadamente, do trabalho na mina devem ser alvo de reparação/indemnização às famílias e aos trabalhadores.
Parece-nos que isso é o mínimo que o Estado pode fazer para reconhecer o esforço, o trabalho e o empenho destes ex-trabalhadores da Empresa Nacional de Urânio que, por terem trabalhado para o Estado naquelas condições, têm, neste momento, em muitos casos, a sua vida em perigo e a sua saúde ameaçada.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
As considerações que ouvimos aqui da parte do PSD são arrepiantes — vamos fazer um estudo para ver o impacto económico e financeiro das indemnizações por morte e doença a estes trabalhadores. Sr. Deputado, isto faz lembrar o racionamento dos medicamentos, aquela ideia de que há uns que merecem, se houver dinheiro, e outros não, ou seja, o Estado não toma as medidas para garantir os direitos, o Estado salvaguarda privilégios e, depois, se houver algum, lá garante os direitos. Essa é uma visão completamente subvertida do Estado e da nossa visão constitucional, Sr. Deputado.
Sr. Deputado, permita-me a crueza: estudos atrás de estudos, para quando? Para quando já não houver ex-trabalhadores da ENU, que morrem de cancro e que perecem por causa das más condições de trabalho a que estiveram sujeitos, porque o Estado português, que tutelava a ENU, não cuidou da saúde destes mineiros? Quando já não houver mineiros é que o Sr. Deputado vai defender que se paguem as indemnizações?
Sr. Deputado, há que ter nesta matéria alguma sensibilidade e humanidade, aliás, porque do que se trata é do reconhecimento elementar de direitos e até do respeito pelo trabalho e pelo esforço destas pessoas.
Aproveito os últimos segundos que restam do meu tempo, Sr. Presidente, visto que na minha primeira intervenção não estavam presentes, para saudar os ex-trabalhadores da ENU, a sua associação e os seus órgãos sociais. Aproveito também para saudar daqui o seu passado, o seu presente e o seu futuro, porque estou certo de que o contributo que deram para penalizar o Partido Socialista quando este lhes negou direitos fundamentais é exatamente o contributo que, na mesma medida, vão dar para derrotar este Governo, que já está morto fora da Assembleia, que aqui só continua formalmente, em particular amanhã, dia 29 de setembro, nas ruas de Lisboa, na grandiosa manifestação convocada pela CGTP.

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Saúde
  • Trabalhadores
  • Assembleia da República
  • Intervenções