Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

PCP propoe a actualização extraordinária das bolsas de investigação alterando o Estatuto do Bolseiro de Investigação

Atualização extraordinária das bolsas de investigação (Altera a Lei n.º 40/2004, de 18 de agosto — Estatuto do Bolseiro de Investigação)
(projeto de lei n.º 185/XII/1.ª)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
O PCP apresenta hoje um projeto de lei para a atualização das bolsas de investigação científica que estão congeladas há 10 anos.
Os bolseiros de investigação científica são profissionais do sistema científico e tecnológico nacional que desempenham funções da mais variada natureza, sendo que a maior parte desempenha objetivamente tarefas de investigador.
Essa realidade — que se traduz na utilização de cerca de 15 000 trabalhadores altamente qualificados, através de um mecanismo de bolsa bastante precário e sem garantia de direitos laborais de qualquer ordem — é uma consequência de décadas de uma política de desinvestimento no potencial científico e tecnológico do País, particularmente à custa da sobre-exploração e do subfinanciamento de todas as instituições públicas de investigação e desenvolvimento, das universidades aos laboratórios de Estado.
A política de direita que destruiu a produção nacional é a mesma que impõe o definhamento do sistema científico e tecnológico e continua a ser, no essencial, aquela que, agora, preside à receita da troica. Na verdade, a investigação e o desenvolvimento só fazem sentido num país que tenha como objetivo a elevação da sua capacidade industrial e produtiva, e esse não tem sido o objetivo dos sucessivos Governos que governam à direita, em Portugal, sejam eles governos do PS ou do PSD, com ou sem a muleta do CDS.
O PCP apresentou um projeto de lei para a resolução deste problema fundamental, que subirá a Plenário da Assembleia da República juntamente com a petição da Associação de Bolseiros de Investigação Científica, sobre a sua situação laboral e desproteção social. Mas a questão que aqui hoje o PCP traz à discussão está relacionada com a situação do bolseiro em geral, mesmo num contexto em que essa outra proposta do PCP não seja aprovada. Ou seja, mesmo aqueles que entendem não ser adequado o regime legal que o PCP propõe para os atuais bolseiros são, no nosso entendimento, forçados a reconhecer que os subsídios de bolsa estão manifestamente desatualizados e abaixo dos valores justos.
A comparação de um salário de investigador auxiliar, por exemplo, e a de um bolseiro de pós-doutoramento coloca um valor de 3191 € ao lado de 1495 € — menos de metade! A agravar essa discrepância brutal nos rendimentos acresce o facto de que o investigador de carreira vence 14 meses por ano e o bolseiro apenas 12 — sim, porque estamos convencidos de que os trabalhadores portugueses vencerão esta ofensiva espúria de lhes quererem roubar subsídios de férias e de Natal para sempre!
Da mesma forma, o subsídio de bolsa não sofre atualizações regulares, como um rendimento salarial. Além disso, o bolseiro não goza de proteção social, salvo a prevista para o seguro social voluntário, sempre com base no salário mínimo.
Como se tal não bastasse, as bolsas de investigação não são atualizadas há mais de 10 anos, o que significa que estão sujeitas a uma perda do poder de compra acima dos 20%, em uma década.
Tendo em conta a atual situação económica e social, o agravamento das condições de vida, importa salvaguardar, por questão de justiça mas também de simples reconhecimento dos direitos dos bolseiros, a atualização do subsídio de bolsa. Por isso mesmo, desafiamos o PS a rever a sua posição de voto contra e o PSD e o CDS, no mínimo, a manterem a sua posição de abstenção ou a votarem a favor deste projeto do PCP.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Depois de ter ouvido as bancadas do PSD, do CDS e do PS, percebemos que CDS e PSD, que se tinham abstido quando estavam na oposição, agora, votam contra, e ficámos a saber, pela primeira vez, que o PS, afinal de contas, quer mais bolseiros.
Srs. Deputados, os bolseiros de investigação científica, salvo raríssimas exceções, são os recibos verdes ilegais da ciência e tecnologia, da Investigação e Desenvolvimento, em Portugal.
É disto que estamos a falar!
Vir aqui dizer que queremos mais bolseiros de investigação científica no atual contexto, em que a assimetria entre o número de bolseiros e investigadores já é brutal, é vir aqui assumir que queremos que o trabalho precário e sem direitos seja generalizado no sistema científico e tecnológico nacional. Ainda bem que o PS o assume com esta clareza, para que todos percebamos ao que vem!
Sr.ª Deputada Elza Pais, Srs. Deputados do PSD e do CDS, da parte do PCP, a questão é muito simples: há 10 anos que não são atualizados os valores dos subsídios de bolsa de investigação científica. Isto significa que há uma perda do poder de compra na ordem dos 25%, em uma década.
A Sr.ª Deputada Nilza de Sena diz-nos que esta não é a oportunidade e que melhores oportunidades virão. Sr.ª Deputada, é exatamente nesta altura, em que mais difíceis se tornam as condições de vida dos portugueses e em que mais constrangimentos são impostos aos portugueses, que é preciso, por isso mesmo, valorizar o trabalho, nomeadamente o trabalho científico daquela que é, provavelmente, a camada mais qualificada dos trabalhadores portugueses e que está a ser utilizada pelo Estado, e com o aval do Estado, através de bolsas, para não garantir os direitos laborais a que deveriam ter acesso todos estes 15 000 investigadores que são tratados como bolseiros.

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