Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

PCP propõe revogação da Lei dos Compromissos

Sr.ª Presidente, Srs. Deputados,

O PCP traz hoje a debate um projecto de lei que visa revogar, com efeitos imediatos, a famigerada Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso. Quase um ano depois da sua entrada em vigor, impõe-se libertar as administrações central, regional e local, a Segurança Social e os hospitais EPE de uma inaceitável peça legislativa que as asfixia, impedindo-as de cumprir cabalmente as atribuições que lhes estão cometidas por lei.

Desde o primeiro momento, o PCP denunciou as intenções do Governo e da maioria PSD/CDS ao imporem a aplicação Lei dos Compromissos: criação de constrangimentos burocráticos e administrativos à execução da despesa orçamental e à assunção de compromissos financeiros por parte das entidades públicas, limitando ou mesmo impedindo o cumprimento das suas funções. Desta forma, o Governo e a maioria que o suporta pretendem comprometer as funções do Estado, visando o favorecimento dos grandes interesses privados que, desde há muito tempo, procuram apoderar-se dos serviços prestados pela administração pública, transformando-os em chorudos negócios. A Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso é, pois, mais uma peça na brutal ofensiva contra as funções sociais do Estado e os serviços públicos, que está a ser levada a cabo por este Governo no âmbito do Pacto de Agressão da Tróica.

Para tentar justificar a imposição da Lei dos Compromissos, o Governo e a maioria PSD/CDS insistem numa visão simplista e deturpadora da realidade, atribuindo a origem do fenómeno dos pagamentos em atraso a uma mera aplicação deficiente dos procedimentos de registo e controlo de compromissos. Mas omitem deliberadamente qualquer referência à causa primeira dos pagamentos em atraso: o subfinanciamento crónico a que são sujeitos os serviços do Estado, imposto por este governo, mas também pelos governos anteriores. É esta a verdadeira origem dos pagamentos em atraso: o subfinanciamento crónico.

A obsessão pela redução do défice orçamental e da dívida pública tem levado sucessivos governos dos partidos da Tróica interna a negar às entidades públicas dotações orçamentais adequadas, colocando-as na situação de se verem forçadas a adiarem os pagamentos de bens e serviços por si adquiridos para poderem continuar a exercer as funções e competências que lhes são atribuídas pela lei. E quanto maior é o garrote financeiro, maior é o atraso nos pagamentos!

Nos últimos anos, o problema dos atrasos nos pagamentos do Estado atingiu uma dimensão alarmante, afectando negativamente a vida de milhares de cidadãos, empresas e entidades sem fins lucrativos. Tal circunstância constitui inegavelmente um factor de agravamento da situação económica e social do País que é preciso ultrapassar. Mas o caminho passa necessariamente por um financiamento adequado das entidades públicas e não, como pretende o Governo, pela imposição de inaceitáveis constrangimentos burocráticos e administrativos à realização da despesa.

As autarquias locais têm sido particularmente afectadas pela aplicação da Lei dos Compromissos. Além de representar uma inaceitável ingerência na autonomia administrativa e financeira do Poder Local Democrático, consagrada na Constituição da República Portuguesa, a Lei dos Compromissos está a criar inúmeros problemas no quotidiano dos municípios, que se traduzem em sérias dificuldades ao nível da gestão, condicionando negativamente a sua capacidade de actuação. Aliás, vários municípios já assumiram publicamente o incumprimento da Lei dos Compromissos, para poderem dar a resposta a problemas prementes das populações. A Associação Nacional dos Municípios Portugueses exigiu, em diversos momentos, a revogação desta lei por a considerar absurda, completamente alheia ao bom senso e elaborada por quem desconhece a realidade autárquica.

Juntamente com a lei da extinção de freguesias, com o novo estatuto do pessoal dirigente da administração local, com a lei do setor empresarial local, com a lei das finanças locais, com o denominado programa de apoio à economia local, com o novo regime jurídico das autarquias locais e o estatuto das entidades intermunicipais, a Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso representa uma brutal ofensiva contra o Poder Local Democrático, que o PCP rejeita veementemente.

A Lei dos Compromissos tem também criado profundas dificuldades no sector da saúde. Os estabelecimentos de saúde integrados no Serviço Nacional de Saúde defrontam-se diariamente com os problemas decorrentes da aplicação desta lei, como, por exemplo, falta de material clínico, restrições à realização de cirurgias ou racionamento na dispensa de medicamentos. A aplicação da Lei dos Compromissos nos estabelecimentos hospitalares, conjugada com outras medidas do Governo que dificultam o acesso aos cuidados de saúde, como por exemplo o aumento das taxas moderadoras ou dos medicamentos, tem dramáticas consequências dramáticas na vida das populações. Em situações limite esta política do Governo será mesmo responsável pela morte antecipada de muitos portugueses.

O Governo, apesar da força dos factos e das inúmeras denúncias de entidades públicas – particularmente das autarquias e dos estabelecimentos de saúde –, insiste teimosamente na aplicação da Lei dos Compromissos. As clarificações e até algumas cedências que o Governo se viu forçado a fazer não resolveram o problema de fundo: o subfinanciamento crónico dos serviços públicos. Enquanto este problema não for resolvido, a imposição dos procedimentos estabelecidos na Lei dos Compromissos tem como principal consequência o estrangulamento funcional das entidades públicas. A defesa das funções do Estado e da qualidade dos serviços por ele prestados aos cidadãos exige, pois, a imediata revogação da Lei dos Compromissos e pagamentos em atraso.

Disse!

  • Administração Pública
  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Poder Local e Regiões Autónomas
  • Assembleia da República
  • Intervenções