Na apresentação do Projecto de Lei do PCP, António Filipe afirmou que o direito de iniciativa legislativa de cidadãos, deve deixar de ser um princípio inacessível e passar a ser um direito concretizável. Com isso ganhariam os cidadãos, ganharia o Parlamento e ganharia a democracia.
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Primeira alteração à Lei n.º 17/2003, de 4 de junho (Iniciativa Legislativa de Cidadãos)
(projeto de lei n.º 85/XII/1.ª)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
O projeto de lei que o PCP apresenta é muito simples: insistimos em que se deve reduzir o número de assinaturas necessárias para a apresentação de uma iniciativa legislativa na Assembleia da República das atuais 35 000 para 5000 assinaturas.
Entendemos que é um dever de cidadania da Assembleia da República não digo facilitar mas não obstaculizar a participação cívica dos cidadãos através da apresentação de iniciativas legislativas no Parlamento. Isso já acontece através do exercício do direito de petição, que tem sido, aliás, muito valorizado pela Assembleia da República nos últimos anos, o que é reconhecido até publicamente.
O exercício do direito de iniciativa legislativa junto da Assembleia da República, que está constitucional e legalmente consagrado, significa um grau de exigência maior no que respeita aos cidadãos quanto à qualidade da sua iniciativa. Ou seja, os cidadãos não se limitam a manifestar junto da Assembleia da República uma preocupação ou a fazer uma qualquer solicitação mas, indo mais longe, eles próprios elaboram uma iniciativa legislativa formal, propondo soluções legislativas concretas para aquilo que pretendem. Ora, este exercício de cidadania junto do Parlamento, do nosso ponto de vista, deve ser incentivado. Acontece, porém, que ele é desmotivado.
Não faz nenhum sentido que uma petição possa ser apresentada por um único cidadão e que a iniciativa legislativa tenha de ser apresentada por 35 000 cidadãos. Não está mal que um cidadão possa apresentar uma petição, o que está mal é que sejam necessárias 35 000 assinaturas para uma iniciativa legislativa.
Se 4000 cidadãos apresentarem uma petição, ela é obrigatoriamente, e muito bem, debatida no Plenário da Assembleia da República. Então, que sentido faz exigir 35 000 assinaturas para apresentação de uma iniciativa legislativa sobre a qual é a Assembleia da República que decide, porque ninguém tem o poder de impor qualquer decisão à Assembleia da República?
O órgão de soberania é a Assembleia da República e é esta que decide se a iniciativa é pertinente ou não, que decide não apenas sobre a sua tramitação mas também sobre a decisão final, ou seja, se a proposta feita pelos cidadãos é ou não aprovada. Ora, sucede que a exigência de 35 000 assinaturas é tão desmotivadora que a experiência que temos é que os cidadãos não recorrem a esta iniciativa legislativa. Mais: não apenas em trabalhos académicos em matéria de Ciência Política e de direitos cívicos, mas mesmo em iniciativas públicas em que, seguramente, muitos dos Srs. Deputados têm participado, vemos um reparo unânime da parte dos cidadãos de considerar que a exigência de 35 000 assinaturas é um absurdo.
Portanto, esta não é uma lei que permita de facto o exercício deste direito, é uma lei que parece apostada em obstaculizar o exercício desse mesmo direito. Nesse sentido, achamos que a Assembleia da República cumpriria um dever elementar para consigo própria se reduzisse muito significativamente o número de assinaturas necessárias para a apresentação de uma iniciativa legislativa
(…)
Sr. Presidente,
Vai ser ainda mais sintética.
Verificamos que, quando se fala em cidadãos, o CDS fica irritadíssimo. Foi o que vimos pela intervenção do Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Deputado Telmo Correia devia explicar-nos em que é que a iniciativa legislativa de cidadãos afeta a democracia representativa, porque ninguém percebe.
Se os Srs. Deputados entendem que o referendo não põe em causa a democracia representativa — e não põe! —, como é que a iniciativa legislativa de cidadãos a vai pôr em causa, quando é a Assembleia da República que decide, a final, sobre qualquer iniciativa que seja apresentada?
O Sr. Deputado Hugo Velosa diz que o PCP não mudou de opinião. Pois não! Em 2005, 5000 assinaturas eram 5000 assinaturas como hoje 5000 assinaturas são 5000 assinaturas.
Para o PSD é que nem sempre dois e dois são quatro, mas esse é um problema do PSD…!
A última questão, Sr. Presidente, é a seguinte: tanto o Sr. Deputado Hugo Velosa como o Sr. Deputado Telmo Correia disseram para arranjarmos um número razoável. Devo interpretar que consideram que 35 000 não é um número razoável… Já é um avanço!
Contudo, se nos dizem que 5000 não é razoável, façam o favor de nos dizer qual é o número que consideram razoável. E têm muito bom remédio: os Srs. Deputados viabilizam esta iniciativa e, depois, na especialidade, vão dizer-nos qual é o número que consideram razoável e, provavelmente, entender-nos-emos.
O que acontece é que os senhores não querem que os cidadãos possam apresentar iniciativas legislativas à Assembleia da República! E tudo o que estão a dizer são «desculpas de mau pagador»!