Senhor Presidente, Senhores Deputados:
Uma delegação do Partido Comunista Português presidida pelo Secretário- Geral Carlos Carvalhas realizou há duas semanas uma visita à Companhia de Caminhos de Ferro Portugueses, EP, aí contactando as estruturas representativas dos trabalhadores e a Administração. Na sequência dessa visita e dos gravíssimos problemas que legitimamente preocupam os ferroviários, o Grupo Parlamentar do PCP traz para debate da Assembleia da República, sob a forma de declaração política, as questões mais candentes do transporte ferroviário em Portugal, por três razões fundamentais: primeiro pelo alto valor estratégico do transporte ferroviário; segundo, porque nesse valor estratégico avulta também o emprego e as condições de vida dos muitos milhares de trabalhadores da CP; e em terceiro lugar, porque se trata de uma área onde o Governo está em falta, deixando sem cumprimento as promessas eleitorais que foram feitas no sentido do desenvolvimento prioritário da ferrovia.
Pode dizer-me mesmo, que, para o PS quando era oposição e quando disputou as eleições, o transporte ferroviário era anunciado como uma "paixão", ao lado da educação e de outros temas. Todos recordamos críticas à "política do betão" e a afirmação clara de que o PS iria privilegiar o transporte ferroviário que os Governos do PSD não só tinham relegado para segundo plano como tinham atingido fortemente com uma política destruidora.
Mas, a vida tem mostrado que o PS só tem o coração largo quando se trata de fazer promessas. E assim quando se tratou de passar à prática uma política para a ferrovia, a prioridade do Governo não foi afinal o seu desenvolvimento. Foi o desmantelamento da CP e a criação de condições para privatizações na área da exploração das linhas.
É exactamente o que decorre da criação da "Rede Ferroviária Nacional - REFER, EP", a nova empresa que ficará com todos os encargos respeitantes às infraestruturas do caminho de ferro. Não se trata desta vez da criação de mais uma mini-empresa, num processo de progressivo esvaziamento da CP, como fizeram os governos PSD. Trata-se de dar uma machadada definitiva na CP com a concepção que hoje ainda tem, tornando-a num mero operador, desprovido de qualquer competência própria sobre as infraestruturas, ao lado de qualquer outro operador nacional ou internacional a quem seja licenciado o transporte ferroviário. A própria sigla CP muda de significado. Deixa de significar Caminhos de Ferro Portugueses, porque os caminhos de ferro são entregues à REFER, e passará a significar tão somente "Comboios de Portugal". O que não quer dizer que todos os comboios passem a circular com a sigla CP, já que o objectivo subjacente a esta operação de desmantelamento é o apoio à existência de outras empresas transportadoras, nacionais e estrangeiras.
O Governo do Partido Socialista assume assim colocar-se na continuidade e até no agravamento das políticas seguidas pelos governos do PSD quanto ao transporte ferroviário e quanto à CP. É altura de recordar aqui o desastroso "Plano de Modernização do Caminho de Ferro 1988/1994", aprovado pelo Prof. Cavaco Silva. O Plano foi apresentado como um salvador conjunto de medidas, mas a realidade foi bem diferente . Em vez da prometida diminuição do défice da empresa, este agravou-se estrondosamente, passando de 4,5 milhões em 1988 para 48 milhões em 1994. Nenhum dos valores apontados como objectivos do Plano foi atingido, nem quanto ao défice, nem quanto ao número de passageiros, nem quanto à tonelagem de mercadorias transportadas. O saldo efectivo de tal Plano foi a desactivação de 900 quilómetros de via férrea, o encerramento de cerca de 250 estações e apeadeiros, e a liquidação de perto de 9.000 postos de trabalho. O que obviamente teve deploráveis resultados no plano dos serviços prestados às populações: o caminho de ferro encurtou, serve menos populações, e com serviços muito aquém do desejável e do possível, se não tivesse prosseguido esta política de desmantelamento.
O Governo do PS deveria ter reflectido sobre esta realidade. Deveria de ter analisado a que conduziu a divisão da CP em 14 empresas, como fez o Governo PSD, com a criação da EMEF, SOFLUSA, FERNAVE e outras empresas. Deveria ter tirado as lições desta política que colocou a ferrovia em segundo plano e apontou para a degradação da CP como empresa fundamental do sector.
Mas não. O PS, mal chegado ao Governo, agarrou cuidadosamente no programa de trabalho do PSD, assumiu-o como seu e passou a executá-lo. Continuou a privilegiar o betão. Quer continuar a agravar o processo de desmantelamento da CP.
É contra este processo de degradação e desmantelamento da CP que o PCP se pronuncia com toda a frontalidade, apoiando inequivocamente as posições e a luta das estruturas representativas e dos trabalhadores da CP, da EMEF, SOFLUSA e restantes empresas do grupo.
O transporte ferroviário é antes de tudo serviço público, e por isso deve permanecer sob o comando e a acção exclusiva do sector público. Num país com a dimensão e a situação do nosso, todas as vantagens apontam para uma empresa como a CP que concentre num único comando não só as infraestruturas como todo o sistema de transporte ferroviário.
Aliás, se alguém vier dizer que a solução de separação como o Governo quer fazer é obrigatória face a compromissos assumidos na Comunidade Europeia, está a faltar à verdade. A Comunidade Europeia, na Directiva 91/440/CEE, o que escreve é que a separação orgânica ou institucional é facultativa. Obrigatória será a separação contabilística que é possível e desejável dentro da mesma empresa.
Ao seguir o caminho de desmantelamento, o Governo do PS põe em risco não só a eficiência do serviço público de transporte ferroviário mas também os postos de trabalho de milhares de trabalhadores, e os seus direitos laborais e sociais. Podem ser feitas muitas juras, mas a necessidade de despedimentos no seguimento deste processo de "reestruturação e modernização" não é negada em absoluto. É óbvio para toda a gente que uma das componentes que decorrem necessariamente de um processo que admite outras empresas de transporte ferroviário e que desafecta da CP toda a importante área das infraestruturas é a extinção de postos de trabalho.
Para o PCP é uma perspectiva inaceitável, não só por atingir direitos dos trabalhadores, não só por se inserir numa política de subestimação do transporte ferroviário e de desmantelamento da CP, mas por criar um clima de desmotivação na empresa, totalmente contrário às necessidades e interesses do serviço público.
Há menos de um mês, a CP fez uma campanha -- que não se pode chamar de "publicidade" -- em que o tema principal era o seu défice. Mais de um milhão por semana de défice -- era a palavra de ordem que a própria empresa anunciava!. Esta vergonhosa campanha podia ser classificada como fruto de alguma insensatez? Certamente, mas, ao fim e ao cabo, atacar a CP neste momento é servir o objectivo da sua degradação e desmantelamento, e isso torna lógica não só a campanha, como também a ausência de qualquer reacção contra ela por parte do Governo.
Um Governo que mantém o Conselho de Gerência nomeado pelo governo PSD durante largos meses e que, quando o muda, nele conserva uma boa parte dos anteriores membros, é porque não quer realmente mudar para melhor a situação do transporte ferroviário: quer continuidade.
É preciso que o País saiba. Os Senhores Deputados, que representam os eleitores do País, têm o dever de intervir. Da nossa parte, PCP, cumprimos este dever, tendo em conta o interesse nacional, tendo em conta os interesses dos trabalhadores, e tendo em conta os interesses das populações, as primeiras destinatárias do serviço público de transporte ferroviário, que têm todo o direito de que ele seja prestado com qualidade e eficiência e por todo o País pela grande empresa nacional de caminhos de ferro que é a CP.
Disse.