Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
O veto presidencial que determinou o debate de hoje sobre as alterações à lei do financiamento dos partidos invocou a necessidade de um debate alargado e de clareza quanto à fundamentação das disposições aprovadas. Propusemos por isso que o debate sobre este veto, ao contrário da prática habitual, tivesse a maior grelha de tempos possível.
As posições do PCP sobre esta matéria foram sempre claras. Mas vamos tentar ser ainda mais claros:
A lei de financiamento dos partidos que vigora desde 2003 é uma má lei. Teve o voto contra e a firme oposição do PCP. As alterações aprovadas em Dezembro do ano passado, mesmo que sejam hoje integralmente confirmadas, não a transformam numa boa lei.
É uma lei que assume uma postura persecutória da actividade partidária; é uma lei que em nome da transparência permite a devassa; é uma lei que penaliza injustificadamente os partidos que não pretendem viver à custa do Estado e que procuram obter, pelo esforço dos seus militantes e apoiantes, os recursos financeiros necessários ao seu funcionamento.
As alterações aprovadas à lei do financiamento partidário, foram suscitadas pela iniciativa do Tribunal Constitucional, que identificou inconstitucionalidades e disfuncionalidades diversas da lei em vigor. Aceitámos votar todas essas sugestões mesmo que as soluções propostas não fossem as nossas. E para além disso, foi introduzida cerca de uma dezena de outras propostas, por iniciativa de diversos partidos, visando corrigir aspectos reconhecidamente absurdos da lei e pôr cobro a interpretações abusivas e arbitrárias na sua aplicação, quer por parte da Entidade das Contas quer por parte da Autoridade Tributária. Estas alterações não transformam uma lei má numa lei boa, mas tiveram um sentido positivo a que o PCP deu a sua concordância.
A “onda de indignação” que a opinião publicada pretendeu induzir na opinião pública em torno destas alterações à lei do financiamento dos partidos, não se baseou em factos. Assentou em processos de intenções, em mistificações, e em grosseiras deturpações do sentido e conteúdo das alterações aprovadas, como é muito fácil de demonstrar, e que só não entende quem, deliberadamente, não quiser entender.
O PCP assumiu e assume as suas posições neste processo, como fez aliás em 2003, com toda a clareza e frontalidade. E não se deixa intimidar por campanhas contra os partidos, de pendor fascizante, por maior que seja o seu impacto mediático.
Pode haver quem se intimide, pode haver quem queira por cobardia política, dar o dito por não dito, pode haver quem pretenda navegar na onda e aumentá-la o mais que puder, pensando com isso obter dividendos políticos no imediato, mas a atitude do PCP não é essa. Não foi, não é, e nunca o será.
Sempre afirmámos que os partidos não são todos iguais e que a percepção por parte dos cidadãos das diferenças fundamentais entre os projectos de sociedade, as posições políticas e as atitudes práticas dos diversos partidos, é fundamental numa sociedade democrática. Mas também por isso mesmo, recusamos peremptoriamente qualquer ideia de que os partidos devam ser objecto de suspeição permanente ou devam ser sujeitos a mecanismos legais persecutórios.
O financiamento dos partidos deve ser dotado de mecanismos de transparência e de rigor e deve ser objecto de uma fiscalização adequada à sua natureza, destinada a garantir o respeito pela lei e efectuada, ela própria, no respeito pela lei. Os partidos políticos são pilares fundamentais da democracia que, nos termos da constituição, concorrem democraticamente para a formação da vontade popular. Não são casos de polícia nem associações de malfeitores e não podem ser tratados como tal.
Duas questões foram particularmente visadas na campanha contra as alterações à lei de financiamento dos partidos.
A primeira diz respeito à eliminação da disposição absurda que limitava a possibilidade de angariação de fundos a um limite anual de 1500 IAS. A pergunta que devemos fazer é se faz algum sentido esta limitação.
A obtenção de receitas pelos partidos está sujeita à mais rigorosa fiscalização. Foi criada uma Entidade que não faz mais nada senão isso e que, nos 15 anos de aplicação da lei vigente, virou e revirou toda documentação de suporte das contas dos partidos e devassou ações e iniciativas com uma arrogância persecutória a roçar a provocação, inventando supostas ilegalidades e impondo critérios sem base legal, sujeitos a serem alterados unilateralmente ao sabor do vento.
Quem diz que as receitas dos partidos não são fiscalizadas, não sabe do que está a falar. Não há nenhuma entidade, pública ou privada, sujeita a um controlo das suas contas tão apertado como são os partidos políticos.
Cabe então perguntar, a que título e com que legitimidade se retira a uma entidade privada (os partidos são pessoas colectivas de direito privado) o direito a angariar de forma lícita e amplamente fiscalizada os meios necessários para garantir a sua subsistência e actividade?
Não há nenhuma outra entidade sem fins lucrativos que esteja sujeita a semelhante restrição. A imposição de limites à angariação de fundos é uma absurda limitação sem qualquer sustentação constitucional, à liberdade de actuação política dos partidos e à liberdade dos cidadãos contribuírem para a actividade partidária.
A segunda questão diz respeito á isenção do IVA.
Importa esclarecer que essa isenção foi aprovada por unanimidade em 2000, através da Lei n.º 23/2000, de 23 de Agosto. Não suscitou qualquer crítica nem foi objecto de qualquer contestação, nem da opinião pública, nem da opinião publicada. Nem sequer foi uma originalidade portuguesa. A Directiva Europeia sobre o IVA (2006/112/CE) prevê expressamente essa isenção.
É absolutamente claro que não há qualquer isenção de IVA aos partidos nas transmissões de bens ou serviços que sejam susceptíveis de provocar distorções de concorrência. Ninguém propôs nenhuma alteração a essa disposição.
O que sucede é que a isenção estabelecida na lei sobre a aquisição e transmissão de bens e serviços que visem difundir a mensagem política ou identidade própria, através de quaisquer suportes, impressos, audiovisuais ou multimédia, incluindo os usados como material de propaganda e meios de comunicação e transporte, tem sido negada pela Autoridade Tributária numa base de absoluta discricionariedade.
O que se pretendeu com as alterações introduzidas não foi alargar a isenção, mas tão só impedir a tributação ilegal a que os partidos têm vindo a ser sujeitos por parte da Autoridade Tributária que nuns casos considera que há isenção porque sim, e noutros casos considera que não há isenção porque não, de acordo com critérios tão insondáveis como os mistérios da fé.
É óbvio que esta matéria precisa de ser clarificada, por via interpretativa, para que a lei não seja aplicada de modo casuístico e discricionário. Foi isso que se pretendeu fazer, clarificando que a isenção incide sobre a aquisição de bens e serviços para a actividade partidária. Actividade política, evidentemente. Nem outra poderia ser. E sem alterar a alínea que proíbe que a isenção possa implicar distorções da concorrência.
A imputação de que os partidos que aprovaram esta disposição pretendiam aumentar os seus proventos não encaixa com a orientação que tem sido seguida nos últimos anos relativamente ao montante das subvenções públicas. Basta lembrar que o PCP em 2010 apresentou uma proposta de corte de 40% nas subvenções públicas que foi rejeitada, tendo ainda assim as subvenções sido reduzidas em 10% (Lei n.º 50/2010); que em 2013 esse corte foi mantido até 2016 (Lei 1/2013); que em 2017 esse corte foi tornado definitivo (Lei n.º 4/2017) tendo o PCP renovado a sua proposta de corte de 40%; que em 2017 as subvenções foram congeladas no OE por proposta do PCP; e que para 2018 esse congelamento foi mantido.
Em conclusão, o PCP reafirma a sua disponibilidade para confirmar o diploma vetado, aceitando, porém, votar favoravelmente as propostas que visem clarificar o sentido das disposições aprovadas.
Disse