Bruno Dias, membro do Comité Central
Avante Edição N.º 1835, 29-01-2009
Fim à barbárie!
Realizou-se a 16 de Janeiro, em Damasco, uma jornada internacional de solidariedade com a Palestina. Foi uma grande iniciativa de massas, promovida pelo Partido Comunista Sírio, em cooperação com várias forças progressistas e de esquerda. O PCP foi uma das organizações convidadas a intervir naquela acção de solidariedade e luta anti-imperialista.
A pouco e pouco, a Praça 8 de Março começava a encher-se de vermelho. Milhares de homens e mulheres, grande parte deles jovens, correspondiam ao apelo do Partido Comunista Sírio. Era realmente impressionante aquela presença da juventude, fosse simplesmente pelo número de participantes fosse pela combatividade e alegria que traziam àquele encontro.
Em conjunto com o Partido Comunista Sírio, organizaram aquela iniciativa a Frente Democrática para a Libertação da Palestina, a Frente Popular para a Libertação da Palestina e o Partido do Povo da Palestina. Ali estavam também organizações sírias como a Federação Geral de Sindicatos, a União Geral de Agricultores, a União Nacional de Estudantes. Todos participaram e foram à tribuna intervir. Em conjunto, todas aquelas organizações representavam milhões de pessoas.
A maior parte dos manifestantes vinham ali mesmo da capital – mas muitos outros tinham feito longas viagens, desde várias regiões da Síria. Um quadro do Partido, visivelmente satisfeito com a mobilização das organizações para a iniciativa, chamava a atenção para as exigências daquele desafio. Não é fácil fazer deslocações destas por aqui, camarada, dizia ele.
Marcavam presença também muitos palestinianos. Com o passar dos anos, com a ocupação dos territórios por Israel, mais de meio milhão de palestinianos refugiaram-se na Síria, onde vivem e trabalham, até ao dia do regresso. Assim como há milhões de palestinianos refugiados no seu próprio país, nos territórios ocupados, em Gaza ou na Cisjordânia, também na Síria, no Líbano, na Jordânia, permanecem famílias que vão esperando, crescendo, esperando, trabalhando, esperando e lutando.
Alguns dos mais velhos ainda guardam os títulos de propriedade das suas casas e terrenos na Palestina, de onde foram expulsos há décadas. Aquela sexta-feira foi um dia de luta, dos mais importantes dos últimos tempos. Mais tarde, um dirigente do PCS dava a sua estimativa: um em cada cinco participantes naquela jornada era palestiniano.
Fraternidade dos povos em luta
O PCP foi um dos partidos comunistas e de esquerda que ali se deslocaram expressamente para participar na iniciativa e expressar a sua solidariedade para com o Povo da Palestina. Foi o caso dos partidos comunistas de Chipre (AKEL), Grécia (KKE) e Turquia (TKP), o PdC de Itália, bem como o Partido Comunista Libanês, representado pelo seu Secretário-geral, ou ainda o Partido Democrático e Progressista do Bahrein.
De Espanha e França chegaram saudações e mensagens e de solidariedade. De Cuba socialista e da Venezuela bolivariana, os embaixadores levaram a mensagem fraterna e solidária dos seus povos. No final da iniciativa, jovens comunistas de Damasco aproximaram-se, falando num espanhol perfeito: é muito importante a tua presença aqui, camarada. Obrigado pela solidariedade que trazes de Portugal.
Impressionava o sentimento de dor e revolta daqueles homens e mulheres, que reagiam a esses crimes do imperialismo como se fossem as suas próprias famílias a ser bombardeadas e assassinadas. Os laços de unidade e fraternidade que unem os povos árabes são uma força telúrica que vai muito para além da identificação histórica ou cultural.
Pelas ruas de Damasco há centenas de cartazes de oito metros por três com grandes planos de crianças fotografadas nos hospitais de Gaza. Naquele comício na Praça 8 de Março, um desses cartazes servia de pano de fundo. Um camarada sírio, apontando para lá, traduziu a frase em árabe que servia de legenda para a criança ferida: eu estou bem, e tu?. Depois acrescentou: aquele menino já estará morto de certeza.
Ninguém fica indiferente aos números de horror que resultam deste massacre sobre Gaza. Entre os mais de 1300 mortos, 410 são crianças. Mais de cinco mil pessoas ficaram feridas ou estropiadas. Seguramente mais de metade das vítimas são crianças e mulheres. A UNICEF calculou em 90 mil o número de desalojados, 50 mil dos quais crianças. E isso era das coisas que mais revoltavam quem falou connosco: o avassalador poder de fogo e destruição que se abateu sobre pessoas inocentes e indefesas. Nenhum local em Gaza era seguro. Nenhuma casa, nenhum hospital, nenhuma escola ou instalação da ONU esteve livre de ser bombardeada.
Para termos uma ideia, a Faixa de Gaza é um território com 360 quilómetros quadrados (o concelho de Palmela tem mais de 460), com uma população de 1,5 milhões de pessoas (toda a região do Grande Porto tem 1,2 milhões). No auge dos bombardeamentos, a ministra dos Negócios Estrangeiros de Israel negava qualquer crise humanitária em Gaza. Mas essa já vinha de longe. Gaza foi cercada durante quase dois anos. Camiões e navios com alimentos, medicamentos, material hospitalar foram bloqueados. O povo palestino esteve a morrer de fome e de doença. Agora procura os seus mortos entre os escombros.
O camarada do Partido Comunista Turco, num dos encontros em que participámos, lembrou um artigo recente da Revista Time: aí se falava do alarme de Telavive face à possibilidade da população palestiniana ultrapassar o número de cidadãos israelitas (judeus). Isto faz-me pensar que as mulheres e crianças de Gaza foram mesmo um alvo, disse.
Foram conhecidas as declarações do norte-americano Richard Falk, relator especial da ONU para os direitos humanos na Palestina, que denunciou as violações ao direito internacional desta agressão a Gaza: ataque a populações civis, punição colectiva, acção militar desproporcionada. A Palestina não tem exército, nem marinha nem força aérea. Em Portugal, quase ninguém ouviu falar de Richard Falk na comunicação social.
Precisamos de pessoas nas ruas!
Esta não foi nenhuma guerra contra o Hamas – foi uma guerra contra o Povo da Palestina. Dissemo-lo muitas vezes, e disse-o também, assim tal qual, o Primeiro Secretário do Partido Comunista Sírio, Hunein Nemer. Quando nos deslocámos aos estúdios da estação pública de televisão para uma longa entrevista em directo, essa foi justamente uma das ideias que Nemer mais vincou, para logo sublinhar a importância daquela jornada de solidariedade. Foi a primeira vez em muito, muito tempo que tantas forças comunistas, progressistas e de esquerda (da Síria e da Palestina) se juntaram assim numa iniciativa comum, sublinhou.
O papel e a intervenção dos comunistas, no Médio Oriente e na Síria em particular, foram amplamente reconhecidos pela sua importância. Isso mesmo nos foi confirmado por Mohsen Bilal, ministro do governo Sírio, num encontro com as delegações presentes na iniciativa. Ficámos mais tarde a saber que partira do PCS a primeira iniciativa de solidariedade para com a Palestina logo após a agressão a Gaza (uma campanha de fundos para apoio humanitário). O governo de Damasco havia de lhe seguir o exemplo, uma semana depois.
Fahed Soleiman, da Comissão Política da Frente Democrática para a Libertação da Palestina, deu conta do dilema com que se confrontavam as forças de ocupação israelitas em Gaza: não queriam perder a face com uma retirada ou um impasse militar, mas estavam à beira do pesadelo da guerrilha urbana. Esse era um cenário incomparavelmente mais desfavorável para Israel, que procurava a todo o custo recuperar o poder dissuasor, e não podia reviver a humilhação sofrida no Líbano em 2006.
Nesse mesmo dia, horas depois daquele encontro com a Direcção da FDLP, o governo de Israel anunciava o cessar-fogo. Era o recuo de que Soleiman falava. A operação militar chegava ao fim, ao cabo de 22 dias – exactamente quando Obama embarcava para a tomada de posse em Washington.
De tudo isto, fica a revoltante ideia do cinismo tacticista que presidiu a esta barbárie. O tiro de partida para este massacre não foi a 27 de Dezembro – mas sim na noite de 4 para 5 de Novembro, noite de assassinatos pelo exército de Israel em Gaza... e noite de eleições nos EUA. Soleiman lembrou que Ehud Barak [ministro da Defesa de Israel] passou de 11% para 17% nas intenções de voto para as eleições, desde o início do massacre. Podemos fazer as contas para ver quantos mortos mais ele precisava para ganhar...
A solidariedade dos trabalhadores e dos povos pode mais do que a barbárie. Quando no passado dia 24 (tal como no dia 8), em Lisboa e em tantas cidades de todo o mundo, saiu para a rua a luta pela Paz e pelo fim dos massacres, dos bloqueios e da ocupação da Palestina, por toda a parte se ouvia a resposta ao apelo daquele resistente palestiniano que lá em Damasco nos lembrou o que faz falta afinal: a vossa ajuda é muito importante, e mais que dinheiro precisamos é de apoio político e popular – precisamos de pessoas nas ruas!.