Intervenção de Honório Novo na Assembleia de República

PCP exige uma clara fiscalização da acção governativa em matérias europeias

Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

Há alguns poucos meses – em Março deste ano – parecia haver consenso sobre o facto da actual legislação (a Lei n.º 43/2006, de 25 de Agosto, que na altura mereceu a unanimidade do Parlamento), continuar a servir de forma adequada as possibilidades de intervenção da Assembleia da República em questões europeias. “É uma boa lei” diziam a uma só voz Costa Neves, do PSD, e José Bianchi, do PS, a propósito de iniciativas do BE e do CDS-PP apresentadas em Março deste ano que acabaram por ser rejeitadas sem a adesão daqueles dois partidos.

É neste contexto que espanta o facto de o PS ter agora avançado, apenas oito meses depois, com um projecto de lei “radical”, que “destrói” a estrutura da actual lei e pura e simplesmente a revoga. Não se compreende muito bem esta opção, muito menos se ela se sustenta na necessidade de adequar a actual legislação ao estipulado no Tratado de Lisboa. Na realidade, o Tratado entrou em vigor em Dezembro de 2009 e já estava em plena operacionalidade em Março de 2011, na altura em que o PS afirmava que a Lei n.º 43/2006 era “uma boa lei”. Assim, se esta iniciativa for só para adequar o texto da lei actual ao Tratado de Lisboa, então é melhor esperar um pouco mais e ter em atenção que hoje mesmo discutimos uma alteração ao seu texto e que o eixo franco-alemão já pré anunciou um novo Tratado para melhor poder impor a todos os outros as regras que melhor servem os interesses económicos e financeiros que defendem e de que aquele directório é porta-voz.

Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

Claro que é sempre possível melhorar qualquer legislação, seja ela qual for. Na iniciativa do PS isso é também visível, por exemplo, na clarificação do processo de auscultação das personalidades indicadas ou nomeadas pelo Governo para exercerem cargos europeus, ou num melhor enquadramento do método e das implicações do processo de verificação dos princípios de subsidiariedade e da proporcionalidade.

Quanto a alterações da Lei n.º 43/2006, também as iniciativas do PSD e do CDS avançam com propostas para levar a plenário alguns debates com relevância política nacional e europeia, seja com o Governo, seja com a participação do Primeiro-Ministro, retomando o CDS, neste último aspecto em concreto, a proposta apresentada em Março e que na altura mereceu a rejeição do PS e uma “abstenção distante” do PSD.

Mas, Senhora Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, há também alguns retrocessos ou algumas omissões significativas nestas iniciativas legislativas.

Para o PSD, uma grande lacuna na aplicação da lei actual, residia (em Março) no facto do Governo, antes ou depois das reuniões dos Conselhos de Ministros Europeus nas suas diversas formações (agricultura, ambiente, energia, transportes, finanças, entre outros), dever ser obrigatoriamente ouvido pelas Comissões Parlamentares competentes.

O cumprimento desta obrigação constitui uma quase letra morta. Basta, a propósito, lembrar o que ocorreu com o anterior Governo, com o designado semestre europeu ou com a (não) utilização da língua portuguesa na legislação sobre patentes. Basta igualmente neste plano, recordar que este Governo também desprezou qualquer consulta ou parecer deste Parlamento quando, em Julho passado, foi alterado o acordo quadro de Junho de 2010 que deu origem ao Fundo Europeu de Estabilidade Financeira. O respeito por esta norma legal constitui uma obrigação que deveria ser cumprida e atendida pelo Governo e que não deveria ser esquecida pelo Parlamento. Estranhamente, porém, esta obrigação “é despromovida” e passa a ser meramente facultativa nas versões propostas pelo PSD e pelo PS nos seus Projectos de Lei. Não se entende nem se aceita.

Outra questão que continua quase esquecida é a eficácia da pronúncia da Assembleia da República em questões de competência legislativa reservada. O Governo, na esmagadora maioria dos casos, continua a não informar atempadamente o Parlamento sobre as posições nacionais neste âmbito, impedindo assim que este possa emitir pareceres em tempo útil. Nestas questões de eminente relevância política, o texto legal é quase letra morta e seria aqui que uma alteração metodológica (mais que no corpo da lei) se poderia justificar, o que não sucede em nenhuma das iniciativas legislativas.

Face à prática corrente de aplicação da lei actual, e não obstante algumas medidas de contenção entretanto já adoptadas, a Comissão de Assuntos Europeus e a Assembleia da República continuam numa encruzilhada: ou permanecem quase submersas na preocupação de emitir inúmeros pareceres de efeito político prático nulo sobre a verificação do cumprimento do princípio da subsidiariedade – ocupando assim tempo e energias num processo de reforço (virtual e não real) de competências que o texto do Tratado de Lisboa introduziu – ou passam a prestar mais atenção e a exercer uma mais firme e clara fiscalização política da acção governativa em matérias europeias, obrigando o Executivo a ter atempadamente em conta as opiniões ou as reservas políticas do Parlamento no processo decisório comunitário com reflexos directos ou indirectos na nossa vida quotidiana.

Quanto a nós é aqui que a Lei n.º 43/2006, de 25 de Agosto continua a falhar na sua aplicação. Por falta de vontades políticas, não obstante as advertências que temos feito.

Disse.

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