Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

PCP confronta PSD/CDS com o roubo no aumento das tarifas nos transportes

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Declaração política contra o anúncio por parte do Governo de aumentar os preços dos passes e títulos de transportes
públicos

Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
A semana passada, o PCP expressou desta tribuna a sua indignação, e juntou a sua voz à indignação do País, contra o autêntico roubo que representa o aumento dos preços nos transportes públicos, anunciado pelo Governo. Hoje, impõe-se retomar o assunto, face à verdadeira dimensão desse roubo que é agora conhecida em termos concretos.
Um utente que resida na Amadora, em Sacavém ou em Algés, que utilize apenas o comboio da CP, que tenha o passe da CP para a zona 1, passa a pagar 28,50 €, em vez de 22,75 €.
Quem se desloque apenas no barco da Soflusa, do Barreiro para Lisboa, passa a pagar 32,65 € por mês, em vez de 28,10 €.
Um trabalhador que venha de Almada, ou de Paço de Arcos, ou de Loures, que utilize o passe L12, passa de 48,30 € para 55,55 €. É mais do que se paga hoje pelo passe L123, que passa de 55 € para 63,25 €.
Entretanto, para quem já hoje paga 111 €, só de assinatura da Fertagus para o comboio entre Setúbal e Lisboa, passa a pagar 119,30 €, em vez de 111 €. Se for um passe combinado com o Metro e a Carris, passa de 133,15 € para 143,80 €.
No início da década de 1980, o preço do passe social L123 representava 8,67% do valor do salário mínimo nacional. Hoje, está em 11,34% e agora vai passar para 13% do salário mínimo nacional.
Srs. Deputados, esta é uma escalada sem precedentes na política tarifária, um verdadeiro assalto para os trabalhadores e as populações. O salário mínimo nacional não aumenta 15 €, mas os passes e os títulos de transporte são aumentados até 25% de uma forma verdadeiramente escandalosa.
Diz o Governo que «os actuais níveis de preços, que ao longo de muitos anos tiveram actualizações
inferiores à inflação, estão hoje muito abaixo dos custos efectivamente incorridos pelas empresas na
prestação do serviço público (…)».
Em primeiro lugar, os preços têm tido, nos últimos anos, actualizações muito superiores à inflação. Os preços dos transportes aumentaram, em média, o dobro da taxa de inflação. Só entre 2004 e 2011 (sem contar com este novo aumento!), o passe L1 passou de 31 € para 40,10 €, um aumento de 29%, enquanto a taxa de inflação foi de 17%! E importa não esquecer que os salários não têm sequer acompanhado a inflação registada…
Em segundo lugar, a lógica subjacente a esta perspectiva do Governo, a de que «os custos de produção dos serviços de transportes têm de ser suportados pelos utentes e ponto final», é
pura e simplesmente uma mentira — e se não o fosse, seria simplesmente uma irracionalidade suicida do ponto de vista económico! Porque há ganhos no desenvolvimento do sistema de transportes públicos que beneficiam toda a sociedade e toda a economia. A redução da importação de energia e da dependência do petróleo, a redução das importações no sector automóvel, a redução dos custos de produção, a melhoria do ambiente, do ordenamento e circulação nas cidades, são ganhos desse tipo que beneficiam todo o País.
Por isso mesmo, o que é preciso é fomentar o uso do transporte público! Aliás, num país importador de petróleo, face à diminuição crescente das reservas, esta é uma necessidade estratégica.
Mas o Estado, ao promover essa política de preços e serviços, que nós defendemos que seja promovida, não estaria a deitar dinheiro fora, estaria a investir, não estaria a oferecer nada, não estaria a fazer o que hoje pode ser prometido com atestados de pobreza para ter direito a um desconto no passe. O que é preciso não é uma política em nome de um sector beneficiário de milhões em negócios, mas, sim, a favor do País e da economia.
É preciso lembrar que a dívida das empresas foi provocada com a opção de desorçamentar os investimentos em transportes. A construção do Metro do Porto, a ampliação da rede do
Metropolitano de Lisboa a Amadora, Odivelas, Santa Apolónia e Aeroporto, todo o investimento ferroviário dos últimos 10 anos, tudo foi feito recorrendo ao crédito pelas empresas públicas e ao seu endividamento, por orientação dos sucessivos governos!
Foi assim que esta desorçamentação provocou dois terços da dívida das empresas públicas de
transportes. A ideia de que um aumento de preços, por maior que fosse, resolveria o problema criado às empresas públicas por 20 anos de opções políticas erradas é um total absurdo.
O objectivo é muito claro: preparar as privatizações das empresas, à custa dos utentes, dos trabalhadores e do Estado. E o aumento de preços é uma condição indispensável para a privatização.
Assim é dinheiro em caixa: pagam os utentes, com tarifas mais altas, pagam os trabalhadores, com
salários e direitos cortados, e paga o Estado, com dinheiros públicos.
Veja-se esse exemplo de gestão privada que se chama Fertagus: em 2010, apresentou 4,1 milhões de
euros de lucros, mas recebeu 9,7 milhões de euros do Orçamento do Estado — e isto com um tarifário de quase o dobro por quilómetro do que é praticado até agora pela CP!
Este Governo, que sujeita as populações a aumentos que chegam aos 25%, continua a impor regras que prejudicam as empresas públicas, nomeadamente na distribuição das receitas do passe.
Srs. Deputados, isto significa que, apenas no caso do Metropolitano de Lisboa, 12 milhões de euros/ano de receitas do passe social, que deviam entrar nos cofres do Metropolitano, são desviados do seu caminho para ficar nos operadores privados. Este é montante que, só por si, é superior às receitas da empresa que supostamente resultam deste escandaloso aumento de tarifas. E dizemos «supostamente» porque esse aumento de receitas pressupõe que o número de passageiros se mantenha, isto é, que nenhum utente deixe o transporte colectivo para optar pelo transporte individual!
Na próxima terça-feira, o Sr. Ministro vem à Assembleia da República debater estas questões, tendo em conta até que já havia sido aprovado o requerimento do PCP nesse sentido, na Comissão Parlamentar de Economia e Obras Públicas. Vamos continuar a debater esta matéria, vai continuar o combate e a denúncia na Assembleia da República.
Para além dessa intervenção — que não hesitaremos em desenvolver e avançar empenhadamente na Assembleia da República —, quero aqui sublinhar que é determinante a luta das populações!
Por isso, saudamos a concentração, de hoje à tarde, dos utentes dos transportes da Linha do Sado e da margem sul do Tejo, no Pinhal Novo. Por isso, saudamos a jornada de luta da FECTRANS — Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações, contra o aumento dos preços dos transportes. Por isso, saudamos a concentração na baixa do Porto, na próxima segunda-feira à tarde.
Estas são acções concretas em que trabalhadores e utentes dos transportes públicos se mobilizam, se
organizam e respondem com uma luta concreta contra esta política, que tem de ter uma resposta muito firme e muito determinada. Daqui saudamos estas acções e continuaremos a combater esta política em sede de Assembleia da República.
(…)
Sr.ª Presidente,
Se bem entendi, as outras duas inscrições são do PSD e do CDS-PP. Desta vez, não sei se por algum acordo tácito em relação ao conteúdo da matéria em debate, há um silêncio que dificilmente se compreende por parte do PS. Tem a ver com políticas anteriores. É uma questão de consciência.
A Sr.ª Deputada Catarina Martins coloca uma questão, entre várias, que agradeço e que tem que ver com o incentivo ao transporte individual.
De facto, numa altura em que o défice externo e a dependência externa do nosso País e os problemas da política energética são uma preocupação cada vez mais grave que devia ser atendida pelos poderes públicos e que merece uma política de Estado completamente diferente, seria, à partida, incompreensível que o incentivo ao transporte individual fosse assumido desta forma por parte do Governo.
Estamos perante uma política de curto prazo do ponto de vista nacional e uma política de longo prazo no interesse de classe, digamos assim. É preciso ressalvar que o incentivo ao transporte individual é para quem o pode escolher, é para quem pode optar pela viatura própria, em vez do transporte público, porque facilmente se pode chegar à conclusão de que, para uma família em que a multiplicação do preço do passe social chega rapidamente à comparação com as despesas com combustíveis, a utilização do transporte individual surge, de repente, como mais atractiva. E isso é, do ponto de vista económico, um desastre e, do ponto de vista ambiental, muito negativo.
No entanto, é sobretudo um crime social, porque, na verdade, independentemente do esforço mais
longínquo ou mais próximo dos centros da cidade, as populações têm de despender muito do seu rendimento com o transporte público. Fiz notar que, no início da década de 80, a proporção do rendimento que se gastava com transportes era mais baixa do que na actualidade, que é cada vez mais grave, ou seja, passámos de 11% para cerca de 13% do salário mínimo nacional.
Nesse sentido, estamos perante uma política de classe que favorece, de facto, os interesses das empresas privadas, os interesses privados que se movimentam neste sector e, desde logo, os que estão interessados nas privatizações e na entrega da «carne do lombo», como se costuma dizer, já limpa do endividamento que foi provocado pela desorçamentação de sucessivos governos ao longo de mais de uma década. É importante salientar que, mesmo que se duplicasse o tarifário pago pelas populações, nem assim o buraco financeiro que foi provocado pelos sucessivos governos teria solução, porque o saneamento económico e financeiro que é necessário para estas empresas — um problema que vem de trás e que exige uma resposta diferente — não pode passar por este roubo às populações e aos trabalhadores e, para quem pode escolher transporte individual, por este
desincentivo do transporte público.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Hélder Amaral,
Tudo depende. A sua posição é muito razoável, se for ouvida pelos interesses privados do sector.
A banca entregou, de facto, ao longo dos anos, muitos milhões de euros com juros muito atractivos e com o aval do Estado ao investimento que foi sendo anunciado pelos governantes para fazer obras que não tiveram comparticipação nenhuma do Orçamento do Estado.
O Sr. Deputado falou na REFER, mas nesta Assembleia foram aprovados Orçamentos em que, no que se refere ao investimento para a ferrovia, o PIDDAC previa zero! Zero de transferências para a REFER! Como é que o Sr. Deputado quer manter um serviço público sustentável, como dizia, se quem tem a responsabilidade de decidir o investimento — e isto também atravessa governos PSD/CDS — toma a decisão de que o investimento público é zero? Como é que os Srs. Deputados querem agora cobrar aos utentes e aos passageiros dinheiro para tapar um buraco que cavaram na gestão pública das empresas?
O Sr. Deputado fala em serviço público sustentável e posso dizer-lhe que a Fertagus teve lucro. Outra coisa não seria de esperar, porque 180 milhões de euros pagos pelo Estado nos últimos sete anos é obra, Sr. Deputado! Se considerarmos que tem uma tarifa por quilómetro que é
praticamente o dobro em comparação com a CP, não custa nada!
O problema é que temos uma política que penaliza as empresas públicas e as submete, neste caso, a um esforço com o serviço de dívida e ao pagamento de juros superior à despesa com pessoal. Falou na CP.
Posso dizer-lhe que a despesa com pessoal é de 122 milhões de euros e o encargo com juros é 160 milhões de euros! Como é que resolve isto? Os trabalhadores têm culpa? Os utentes têm culpa? Os utentes pagam do seu bolso uma quantia muito significativa da despesa com o custo de transporte que não fica abaixo do que se pratica no resto da Europa, e V. Ex.ª sabe isso muito bem!
O Sr. Deputado fala numa oferta de acordo com a procura e eu acredito que dificilmente lhe passe pela cabeça que seja possível baixar as tarifas e aumentar as receitas. Mas há uma coisa muito simples, que é atrair mais passageiros.
O que este Governo faz é exactamente o contrário, ou seja, aumenta as tarifas, empurrando, eventualmente, as pessoas para o transporte individual.
Os Srs. Deputados vêm falar de sustentabilidade, quando, afinal, o que está em causa é a preparação para um negócio muito atractivo. Tarifa mais alta, salários mais baixos, dinheiro do Estado é a fórmula garantida para ganhar lucro no sector privado. E é esse sentido, esse propósito e esse interesse de classe que está a ser defendido com esta política! Desse ponto de vista e para estes sectores, a intervenção do Sr. Deputado é muito razoável, com certeza, para o País é que não!
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Luís Menezes,
Começa por dizer que estes aumentos de preços decorrem de compromissos assumidos junto da tróica — FMI, BCE, União Europeia. E, se outras razões faltassem, aqui estava mais uma para demonstrar por que este acordo com a tróica é desastroso para o País e para o povo.
Este compromisso que é assumido pela «tróica de cá», digamos assim, é uma das consequências pesadíssima de uma coisa que é desastrosa para o País e em relação à qual há algum silêncio, mais ou menos culpado, da parte de alguns. Mas as consequências ainda vão continuar a revelar-se
para o povo, que é quem vai pagar a factura da crise que alguns provocaram. Trata-se, precisamente, de um problema que tem a ver com uma opção de classe e com uma opção política: para quem se governa e que interesses se está a defender.
O PSD diz que quer manter um serviço público de transportes, mas era importante que dissesse isto
quando está em causa o encerramento de linhas de caminho-de-ferro, a reabertura ou não das Linhas do Tua e do Corgo, o funcionamento de linhas da Carris, em Lisboa, e da STCP, no Porto, ao serviço das populações ou o corte de carreiras, como tem vindo a acontecer. É nessas alturas que se define uma política para o serviço público de transporte e não com declarações genéricas e vagas sobre os défices de exploração das empresas.
Falou em números, mas não falou nas indemnizações compensatórias sem critério, insuficientes, pagas tarde e a más horas, de uma forma reiterada e ao longo dos anos pelos sucessivos governos. As empresas de transportes já chegaram ao ponto de contrair empréstimos na banca para adiantar o dinheiro que o Estado não paga relativamente às indemnizações compensatórias. Isso é insustentável!
Isso é «fazer o mal e a caramunha»!
Veja bem, Sr. Deputado, o exemplo que há pouco referi do Metropolitano de Lisboa, em que os 12 milhões de euros por ano que deviam caber à empresa no âmbito da distribuição do passe social — e já irei referir-me ao passe social — não chegam a entrar nos cofres da empresa, vão para os operadores privados. Estes 12 milhões de euros é um valor superior ao que resultará destes aumentos de preços, desde que ninguém saia do sistema e vá para o transporte individual.
Ora, aqui tem um exemplo de como em relação a esta empresa, de hoje para amanhã, podia haver uma decisão de aumento de receita superior ao que é anunciado agora com o aumento dos preços dos transportes, que vão penalizar a população e os trabalhadores.
Por outro lado, o passe social não é social por ter preços em função do duvidoso critério da declaração de IRS ou de outra qualquer, o passe social não é social por ter preços em função daquilo que, na altura, se poderá apresentar como um atestado de pobreza à moda antiga, Sr. Deputado. O passe social é uma medida não apenas de justiça social, de incentivo à mobilidade, é o direito a deslocarmo-nos não apenas para o trabalho ou para a escola mas para ter acesso ao lazer e à cultura, por exemplo. Mas isso significa que se trata de uma medida de justiça social com igualdade, porque a diferenciação faz-se nos impostos, faz-se na justiça fiscal, faz-se a taxar os lucros que os Srs. Deputados não querem taxar, faz-se justamente com a política que os senhores não têm coragem para implementar.
Não é obrigando aqueles que têm menos a pagar ainda mais porque isso não é distribuir riqueza, Sr. Deputado, isso é distribuir pobreza. E nós não podemos aceitar essa política!

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