Intervenção de João Oliveira na Assembleia da República no debate sobre a proposta do governo de reorganização do Mapa Judiciário
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Debate de urgência, requerido sobre o mapa judiciário e o sistema prisional
Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Sr.ª Ministra da Justiça:
Considerando os temas com que foi convocado este debate de urgência e começando pelo mapa judiciário, gostava de registar uma apreciação acerca das declarações que acabou de proferir relativamente ao protesto dos autarcas e ao facto de o Ministério não os ter recebido e queria também registar o facto de que me parece termos passado a uma nova fase.
Há algum tempo, há cerca de dois meses, a Sr.ª Ministra dizia, na 1.ª Comissão, na Assembleia da República, que as reuniões com os autarcas estavam todas a decorrer muito bem, que os autarcas estavam a dar as suas opiniões e o Ministério as estava considerar, mas, afinal de contas, agora, passámos a uma segunda fase, que é uma segunda fase em que os autarcas protestam.
Sr.ª Ministra, os autarcas protestam porque, apesar de o Ministério dizer que as reuniões estavam a correr bem, afinal de contas foram tomadas decisões sem se ouvir os autarcas. Já na última audição, em sede de comissão, Sr.ª Ministra, tive oportunidade de lhe ler o conjunto de municípios — se quiser, posso voltar a fazê-lo — cujos tribunais estão, agora, apontados para serem encerrados e que não foram ouvidos antes desta segunda versão do mapa judiciário ter sido divulgada, publicamente.
Ora, o mínimo que se exigia era, se o Governo tinha a intenção de encerrar mais tribunais do que aqueles que estavam apontados inicialmente, então, que ouvisse esses autarcas, mas o Governo não o fez.
Sr.ª Ministra, esta situação, nomeadamente este incómodo e este protesto dos autarcas, tem a ver com o facto de se tratar de uma reforma incompreensível.
É uma reforma incompreensível, Sr.ª Ministra, esta que o seu Governo pretende levar por diante. Em primeiro lugar, devido aos critérios definidos, critérios duvidosos e cuja contabilização continua a ser pouco percetível, sobretudo, Sr.ª Ministra, quando nós, nos tribunais, com os juízes e os magistrados do Ministério Público, continuamos a ter acesso a números que não batem certo com aqueles que o Governo colocou no estudo.
Mas esta é uma reforma incompreensível sobretudo por um outro motivo. A Sr.ª Ministra ainda hoje repetiu o argumento da especialização e volto a colocar-lhe, Sr.ª Ministra, a pergunta que lhe fiz na última audição, em sede de comissão. O que é que, na atual lei, impede a Sr.ª Ministra de promover a especialização dos tribunais? Nada, Sr.ª Ministra, nada!
A Sr.ª Ministra tem, na atual lei, todas as condições para proceder à especialização. Aliás, a Sr.ª Ministra acabou de referir, a propósito da Beira Interior, exemplos de tribunais especializados que já hoje existem. Porquê? Porque a lei não o impede!
Mas sabe por que é que a Sr.ª Ministra vai levar por diante esta reforma? Porque sem ela não consegue justificar os encerramentos dos tribunais! Porque, sem uma alteração à lei como aquela que a Sr.ª Ministra está a propor, não só não consegue justificar esses encerramentos como não consegue justificar a redução de magistrados do Ministério Público, de juízes e de funcionários judiciais que está proposta no ensaio, Sr.ª Ministra.
São 205 juízes, 61 magistrados do Ministério Público e 257 oficiais de justiça cuja redução está proposta no ensaio que a Sr.ª Ministra divulgou. E uma vez mais, Sr.ª Ministra, repito-lhe aquilo que disse, há umas semanas, na audiência na 1.ª Comissão: mais vale um tribunal de competência genérica «à mão de semear» do que justiça especializada longe da porta. As populações não ficam melhor servidas com tribunais longe, com mais dificuldades na sua acessibilidade, com mais custos para acederem aos tribunais.
Para terminar, para não me alongar no tempo, Sr.ª Ministra, vou pronunciar-me em relação aos serviços prisionais.
É um facto que a Sr.ª Ministra herdou uma herança pesada do anterior governo, nomeadamente com aqueles projetos megalómanos de construção de novos estabelecimentos prisionais, mas parece que este Governo se está a preparar para agravar ainda mais o peso dessa herança.
Sr.ª Ministra, não lhe falo só nas dificuldades que têm a ver com o parque prisional, nas dificuldades que se colocam, por exemplo, em relação aos veículos, falo, por exemplo, de medidas, em termos de recursos humanos, que deviam estar hoje a ser tomadas para prevenir a situação que vai acontecer daqui por dois ou três anos.
Sr.ª Ministra, em relação ao curso de 240 guardas que abriu este ano, sabe o processo político que conduziu à abertura desse curso. A Sr.ª Ministra sabe bem que, se não fosse a luta dos guardas prisionais, do seu sindicato, dos candidatos daquele curso e também a intervenção parlamentar que, nesta matéria, o PCP assumiu, muito dificilmente esse curso teria sido aberto.
Mas a Sr.ª Ministra também sabe que daqui por dois ou três anos as dificuldades vão ser ainda maiores: já se aposentaram guardas e as dificuldades para cumprir as diligências nos tribunais, que, hoje, muitas vezes, ficam por cumprir, vão ser ainda maiores dado não há guardas suficientes para acompanharem esses presos.
Ora, essa situação, Sr.ª Ministra, não se vai resolver quando surgir, é hoje que ela tem de ser prevista, é hoje que têm de ser tomadas medidas!
Já agora, gostava que a Sr.ª Ministra nos pudesse dizer, afinal de contas, quais as medidas que está a tomar para prevenir essas situações, no futuro.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
A Sr.ª Ministra, com os argumentos que utiliza em relação ao mapa judiciário, continua sem ser capaz de convencer e continua sem responder à pergunta que lhe fiz, que é a seguinte: em que é que a lei atual, a Lei n.º 3/99, não permite fazer a especialização?
A Sr.ª Ministra fez uma referência, dizendo: «Vamos dotar os distritos de tribunais de instrução criminal e de execução de penas onde hoje eles não existem».
E eu repito-lhe a pergunta, Sr.ª Ministra: em que é que a lei atual, a Lei n.º 3/99, não permite instituir a criação desses tribunais e a justiça especializada? Em quê, Sr.ª Ministra? Em nada!
A Sr.ª Ministra sabe que, hoje, dispõe de uma lei que permite criar tantos tribunais especializados quantos a Sr.ª Ministra entenda serem necessários.
A Sr.ª Ministra sabe que dispõe, hoje, de uma lei que permite, por exemplo, a criação de tribunais de círculo, que podem permitir adaptar a resposta judiciária às exigências de uma determinada organização administrativa.
A Sr.ª Ministra sabe que não precisa de uma nova lei para nada! Para nada! A não ser para justificar encerramentos e redução de quadros.
Sr.ª Ministra, quando estamos a falar de redução de quadros, não são números inventados pelo PCP, são números que constam do ensaio que a Sr.ª Ministra divulgou publicamente. E, analisando esses números, verifica-se a redução de 205 juízes, de 61 magistrados do Ministério Público e de 257 funcionários judiciais.
Sr.ª Ministra, em relação aos funcionários judiciais, estamos a falar de uma redução de 257 funcionários num quadro onde já faltam cerca de 1000 funcionários de justiça, em relação à previsão dos quadros e aos funcionários atualmente existentes.
E a pergunta que se impõe, Sr.ª Ministra, é a seguinte: como é que o sistema de justiça, com menos recursos humanos e com tribunais mais afogados em processos, pode dar melhor resposta às necessidades que se colocam? Não pode, Sr.ª Ministra! E a Sr.ª Ministra sabe que não pode!
A Sr.ª Ministra também sabe que essa evidência só se vai tornar real no momento em que a Sr.ª Ministra já não for ministra da justiça. E o problema é que estas coisas não podem ser vistas assim; estas decisões não podem ser pensadas com um prazo de cumprimento de obrigações impostas pela troica, nomeadamente de redução de custos conjunturais impostos por entidades externas.
As alterações introduzidas na orgânica judiciária, Sr.ª Ministra, têm de perdurar no tempo e têm de corresponder aos sentidos da evolução social, demográfica e económica da sociedade e esta organização judiciária que a Sr.ª Ministra propõe não corresponde a nenhuma destas exigências; corresponde apenas às exigências economicistas de poupança de recursos e de corte nas despesas do Estado.
Sr.ª Ministra, em relação aos critérios, uma vez mais entendamo-nos: os tribunais com menos de 250 processos, que estão identificados naquele ensaio do Ministério da Justiça, só têm menos desse número de processos se lhes forem aplicadas as opções e os critérios que o Governo propõe na organização judiciária.
A Sr.ª Ministra sabe que muitos daqueles tribunais, que, no seu ensaio, são apontados como, previsivelmente, tendo menos de 250 processos, atualmente têm mais do que esse número de processos. Isto significa o quê? Significa que há nestes tribunais o cumprimento de uma função, de um serviço prestado às populações, que hoje é considerado necessário e aquilo que a Sr.ª Ministra faz é negar às populações desses concelhos um tribunal de proximidade que permita dar resposta às necessidades dessas populações.
Em particular, Sr.ª Ministra, nas regiões do interior, aquilo que significa esta reforma judiciária é o agravamento das condições que já hoje determinam a desertificação, o envelhecimento da população e a fuga dos mais jovens.
Ora, a resposta judiciária devia contribuir, precisamente, para funcionar no sentido contrário, ou seja, criar condições para fixar populações, para fixar os mais jovens e não para os empurrar para fora de lá.