Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

PCP apresenta projecto que impede a privatização da água, do saneamento e dos resíduos sólidos urbanos

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Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O PCP traz, hoje, à discussão um projeto de lei que veda o acesso às entidades privadas de prestação de serviços públicos de abastecimento de água, de saneamento e de águas residuais e de resíduos sólidos urbanos.

Entendemos que estes serviços públicos são essenciais e que só a gestão pública garante a sua qualidade e acessibilidade a custos baixos, assim como os direitos dos trabalhadores.

Desde 1993, os sucessivos Governos PS, PSD e CDS-PP foram aprovando uma malha de leis para permitir uma maior participação de entidades privadas na gestão de serviços públicos de águas e de resíduos sólidos urbanos.

O atual Governo, aliás, como era expectável, dadas as suas opções políticas e ideológicas, foi ainda mais longe: em relação aos resíduos, o Governo optou, sem qualquer justificação plausível, pela sua privatização; já quanto ao setor das águas, a opção passa, agora, pela criação de megaestruturas para alcançar o mesmo resultado, isto é, está a criar as condições para tornar a água um negócio dos privados, entregando-lhes a gestão dos sistemas sem risco e bastante lucrativo.

A privatização ou a concessão de serviços públicos de água, saneamento e resíduos sólidos urbanos conduz à degradação da qualidade dos serviços, à redução do investimento, agrava as assimetrias no acesso, ataca os direitos dos trabalhadores e aumenta os preços para os utentes, para satisfazer os lucros das empresas concessionárias.

Foi exatamente pela identificação destes problemas e pela melhoria do acesso e da qualidade dos serviços de água que há cada vez mais cidades, regiões e países em todo o mundo a remunicipalizar os serviços de água, retomando o controlo público da sua gestão. Desde 2000, que se conhecem 180 casos de remunicipalização, como são disso exemplos a cidade de Berlim e de Paris. Há também países da Europa, como a Dinamarca, o Luxemburgo, a Holanda e a Áustria em que os serviços de água são exclusivamente públicos. Contrariamente ao que o Governo diz, a tendência de hoje não é privatizar, mas, sim, retomar o controlo público da gestão destes importantes serviços públicos.

Para o capital, tudo o que for essencial à vida é passível de ser mercantilizado e tornado num negócio altamente lucrativo. Para o capital, não há ética, nem preocupações com o bem-estar das pessoas ou a garantia de direitos humanos. Para o capital, a sua principal e única preocupação é a maximização do lucro, mesmo que seja à custa de bens essenciais à vida, como é exemplo a água.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Sendo a água um bem essencial à vida, reconhecido pelas Nações Unidas como um direito humano, para o PCP os serviços de abastecimento de água e de saneamento, assim como os serviços públicos de resíduos sólidos urbanos, devem ser geridos unicamente por entidades públicas na perspetiva de serviço público e não na ótica de obtenção do lucro, rejeitando a visão mercantilista e economicista do Governo, da qual resultarão somente piores serviços públicos e custos mais elevados para as populações.

(…)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Mais uma vez, quando falta argumento para justificar os objetivos que este Governo, o PSD e o CDS prosseguem, vêm para cima da mesa alguns exemplos de câmaras municipais. E, mais uma vez, explicamos: relativamente aos exemplos de Setúbal ou de Évora, sabe perfeitamente que os contratos não foram feitos sob gestão da CDU, sabe perfeitamente que os contratos foram da responsabilidade do Partido Socialista e sabe perfeitamente que estes contratos foram feitos de tal forma — de uma forma leonina e ruinosa para a gestão pública — que qualquer iniciativa que houvesse iria conduzir à falência dos municípios.

Por isso, não venha com essas questões porque não são essas as questões que estão aqui a ser colocadas. O que está aqui em causa, Srs. Deputados do PSD e do CDS, é que os senhores dizem que é uma falsa questão, que não há qualquer objetivo de privatização com esta reestruturação.

Pois bem, Sr. Deputado, no guião da reforma do Estado, apresentado por este Governo, diz-se que «na reestruturação empresarial do setor das águas, ponderando a sua concessão (…)». E não vale a pena estar a discutir os conceitos, pois podem chamar-lhe «concessão», «externalização», «PPP», «privatização», o que entenderem, a verdade é que tudo estão a fazer para criar as condições para que efetivamente se entregue — ou neste Governo ou, na vossa perspetiva, preparando o caminho para o futuro — a gestão destes serviços públicos às entidades privadas. Este é o grande objetivo.
Foi assim que fizeram com a EGF, cujo processo está em curso.

Ora, sendo a água um bem essencial à vida, obviamente que há um grande interesse, que não é de hoje, é velho, por parte das entidades privadas para abocanharem este setor, porque sabem que ninguém vive sem água, pelo que é um lucro garantido. Como ninguém vive sem água, têm um lucro garantido.

Srs. Deputados, para terminar, queria dizer o seguinte: a propósito das remunicipalizações, de que eu falava há pouco e acerca do que referi que o que está a fazer-se em vários países é a retomar o controlo público de serviços públicos que estavam sob gestão privada, a verdade é que essas privatizações, que disseram não ter qualquer problema, criaram inúmeros problemas nesses países, e era bom podermos olhar também para isso.

De facto, devíamos olhar para o desempenho medíocre das empresas privadas, o subinvestimento, o aumento brutal das tarifas, a dificuldade em monitorizar os operadores privados, a falta de transparência financeira. Que mais precisa de saber quanto ao que se passou noutros países? O que querem fazer, em Portugal, é isso. Mas não vão contar com o PCP para privatizar serviços essenciais à população.

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