Revogação da reorganização das urgências no período noturno na Área Metropolitana de Lisboa
(projeto de resolução n.º 838/XII/3.ª)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
O Governo decidiu, unilateralmente, concentrar algumas especialidades — nomeadamente, oftalmologia, otorrino, cirurgia plástica maxilofacial, cirurgia vascular, urologia, neurologia, gastroenterologia, cardiologia de intervenção, cirurgia cardíaca e psiquiatria —, no período noturno, nos Hospitais de Santa Maria e de São José, num modelo rotativo. Esta foi uma decisão tomada à margem dos profissionais de saúde e dos utentes e também sem qualquer fundamentação técnica e científica quanto à sua aplicação.
Esta alteração à rede das urgências na Área Metropolitana de Lisboa não tem qualquer fio condutor, é uma medida que vem «à peça», ou seja, é uma medida isolada que não está enquadrada em nenhuma avaliação, em nenhum estudo que se conheça sobre a reorganização de rede de urgências a nível nacional.
Os meses que já decorreram de aplicação desta medida demonstram que a concentração de algumas especialidades nos serviços de urgência, no período noturno, não melhorou a acessibilidade dos doentes aos cuidados de saúde.
A concentração destas especialidades nos serviços de urgência criou mais confusão aos doentes e no funcionamento dos serviços, nomeadamente, devido à sua rotatividade. Até se pode perguntar que cabeça pode conceber uma urgência que num mês funciona no Hospital de Santa Maria e noutro mês funciona no Hospital de São José. De facto, isto só pode ser possível neste Governo do PSD e do CDS!
Neste processo também não foram tidos em conta os custos acrescidos da aplicação desta medida. Um Governo que está mais preocupado com os números do que com as pessoas esqueceu-se, em primeiro lugar, de considerar a saúde dos utentes, e, em segundo lugar, de verificar que a transferência dos doentes de uns hospitais para os outros iria trazer custos acrescidos, nomeadamente com as deslocações, para além das implicações que também tem na saúde dos doentes, porque estamos a falar de doentes em situações muito graves.
Mas, em todo este processo, por parte do Governo também não ouvimos ser feita nenhuma referência ao aumento do tempo de espera de atendimento dos doentes, porque a verdade é que estas transferências e o facto de andarem de hospital para hospital resultam em que o doente leve mais tempo para ter o atendimento especializado de que necessita.
Não podemos, portanto, aceitar este modelo nem esta medida, que impõe que os Hospitais de Santa Maria e de São José deem resposta a cerca de 25% da população do nosso País no período noturno.
Srs. Deputados, estamos a falar de 25% da nossa população!
Para além disso, esta medida não foi acompanhada pelo reforço dos meios destes hospitais. No Hospital de São José, o espaço físico no serviço de urgências mantém-se exatamente o mesmo, os blocos operatórios são exatamente os mesmos, com a agravante de que o internamento e as equipas têm vindo a reduzir-se.
Por isso, o PCP traz hoje a debate um projeto de resolução para pôr fim a esta medida, para suspender este processo, e para que efetivamente se abra um período de discussão sério, envolvendo os profissionais, para que os serviços e a rede de urgências tenham a capacidade de dar a resposta de que as pessoas necessitam.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Para defender o Governo, o Sr. Deputado Ricardo Baptista Leite ofende os utentes, os doentes. Esta é a realidade e foi isto que ouvimos neste debate.
Na sua intervenção, Sr. Deputado, não houve uma palavra sobre aquilo que os doentes estão hoje a passar e sobre as suas dificuldades acrescidas em aceder aos cuidados de saúde.
Vou dar alguns exemplos. Numa visita ao Hospital Garcia da Orta, o Conselho Distrital de Setúbal da Ordem dos Médicos constatou que a ausência prolongada de muitas especialidades durante a noite, com necessidade de transferência dos doentes para Lisboa sem que a necessária resposta de ambulâncias esteja à altura dos pedidos, torna os serviços ainda mais caóticos e com dificuldades acrescidas, o que nem doentes nem familiares conseguem entender.
Mais grave ainda era a situação dos doentes de foro psiquiátrico no hospital de Setúbal, que quando davam entrada sexta-feira após as 21 horas ficavam sem atendimento especializado até segunda-feira, não iam para Lisboa.
É esta a solução que os Srs. Deputados aqui trouxeram!
Mas podemos dar aqui um outro exemplo. Assim que este Governo decretou esta medida, o Hospital de Santa Maria dizia, numa nota interna: «Contudo, mantém-se em funcionamento no Hospital a urgência interna destas especialidades,…» — as tais que foram concentradas no período noturno — «… nomeadamente para os doentes internados e para todos os doentes que os médicos escalados nas urgências central, obstétrica ou pediátrica considerem ter indicação para observação.» Ou seja, a verdade é que, quer no Hospital de Santa Maria quer no Hospital de São José — porque também temos informação nesse sentido —, estas especialidades continuam em funcionamento e vão dando resposta aos doentes quando há necessidade.
Para terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quero dizer que, apesar das políticas deste Governo, os profissionais de saúde continuam, evidentemente, empenhados. É graças aos profissionais de saúde que os doentes conseguem obter os cuidados de saúde a que têm direito, porque, efetivamente, esses profissionais dedicam-se à sua missão. Mas este Governo e esta maioria podem ter a certeza de que os próprios profissionais de saúde também vão dar o seu contributo para a derrota desta política e para a derrota deste Governo!