Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

PCP apresenta Projecto de Lei para a criação do Arquivo Sonoro Nacional

No debate em torno do Projecto de Lei do PCP que propõe a criação do Arquivo Sonoro Nacional, Miguel Tiago afirmou que não é aceitável, nem justo, que toda a recolha musical e sonora que se faça em Portugal neste momento seja realizada por privados, sem quaisquer apoios do Estado e sem qualquer intervenção pública, não é aceitável que o Estado se demita de acolher, estimular e salvaguardar a produção nacional musical, sonora e radiofónica
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Cria o arquivo sonoro nacional
(projeto de lei n.º 414/XI/2.ª)

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
O projeto de lei que o PCP hoje apresenta para a criação do arquivo sonoro nacional dá resposta a uma lacuna e a uma insuficiência do nosso serviço público de arte e cultura, dos mecanismos de preservação do património e de valorização cultural para a salvaguarda do património imaterial constituído pela sonoridade — a música, as várias expressões musicais, os instrumentos, a produção musical, artística, cultural, folclórica — que se produz por todo o País e sobre a qual existe uma profunda ignorância, porque ela não está nem compilada nem tratada a não ser por privados ou colecionistas que se dedicam a esse estudo, o realizam e o organizam por motivos próprios, ainda que essa disponibilidade não seja assegurada ao público em geral.
Assim, à semelhança, infelizmente, do que já se vai passando com outras dimensões do património cultural português, que está votado ao abandono por força da política de direita e da submissão ao pacto de agressão que foi assinado entre o PS, o PSD e o CDS e as instituições estrangeiras — o FMI, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia —, há aqui uma dimensão da nossa cultura que sofre ainda mais com essa política pela inexistência total de resposta.
Não existe um arquivo que possa compilar, arquivar e inventariar essas dimensões do nosso património cultural, a que acresce também a total insuficiência e inexistência de arquivo, quer seja radiofónico ou fonográfico, que se destine também a funcionar como uma espécie de depósito legal, ou mesmo como um depósito legal propriamente dito, para a produção artística musical atualmente produzida em Portugal.
Aliás, é natural que em Portugal, como em outros países, uma obra editada dê origem a um depósito legal, mas não existe em Portugal um depósito que abranja a produção musical, ou seja, não temos hoje um depósito onde as bandas portuguesas e os artistas portugueses possam colocar as suas produções à disposição do Estado.
O PCP apresenta, pois, este projeto de lei para que seja dada resposta a essa lacuna e a essa insuficiência, lamentando, todavia, que o PSD se esteja já a preparar, certamente com o apoio do CDS, para rejeitar esta proposta a pretexto de uma recomendação ao Governo para que estude a possibilidade de um dia, para as calendas, vir a preservar esse património, que, no entanto, se perde a cada dia que passa, porque ninguém o inventaria, ninguém o arquiva e ninguém o disponibiliza ao público a não ser os colecionistas privados para fins próprios e que, porventura, podem disponibilizar parte dele.
Na verdade, o Estado não está a cumprir esse papel e, infelizmente, verificamos que PSD e CDS se estão a preparar para continuar a não cumprir.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Enquanto falamos e enquanto o PSD e o CDS tentam fingir que o Governo vai resolver este problema, a música e o som portugueses do passado, e mesmo algum do presente, estão a perder-se no ar para sempre, porque não fica registo, porque não fica inventário.
Srs. Deputados, aproveito só para dizer que se fosse verdade que o PS, o PSD e o CDS estavam disponíveis para fazer um arquivo, apesar de não estarem de acordo com a forma que o PCP lhe atribui, que é a de instituto público, mas integrado num outro, por exemplo, no Museu da Música, bastava alterar apenas três palavras neste projeto de lei. Era um trabalho de especialidade muito denso, Srs. Deputados!… Se fosse essa a intenção destes partidos, ficava claro que poderíamos baixar este projeto à especialidade para tratar da alteração.
Sr.ª Deputada do Partido Socialista, estranhamos a sua posição e a da sua bancada, na medida em que o programa eleitoral do Partido Socialista, nas duas últimas vezes que se candidatou a eleições, contou, pelo menos nas duas últimas vezes que se candidatou a eleições, com a criação deste arquivo sonoro.

Critica, agora, que o PCP o faça com um projeto de lei de oito artigos recomendando que a regulamentação seja feita pelo Governo. E critica isto ao mesmo tempo que apresentou um projeto de resolução — que não foi discutido hoje porque foi apresentado ontem em cima da hora — com duas recomendações ao Governo para que este o faça.
Sr.ª Deputada, é preciso não ter a noção de que um projeto de lei com oito artigos vale como lei da República e de que uma recomendação ao Governo vale exatamente o mesmo que a direita aqui nos apresentou.
Srs. Deputados, termino chamando a atenção para as palavras do Sr. Deputado do CDS que interveio neste debate. Disse o Sr. Deputados que podemos todos ficar descansados que o Ministério da Cultura vai resolver este problema.
Pena é que em Portugal não haja Ministério da Cultura!

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