Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

PCP apresenta primeira alteração ao mapa judiciário

O PCP apresentou hoje o seu Projecto de Lei que faz a primeira alteração à Lei da Organização do Sistema Judiciário. António Filipe afirmou que não se trata de combater a especialização, mas de impedir que a seu pretexto, sejam esvaziadas as competências da maioria dos tribunais atualmente existentes, tornando a aplicação da Justiça menos acessíveis a largas camadas da população, pelo que, nenhuma alteração ao “mapa judiciário” deve entrar em vigor antes de setembro de 2015.
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Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Desde a primeira hora que o PCP manifestou a sua oposição ao chamado mapa judiciário imposto pelo atual Governo, vindo, aliás, ao encontro das preocupações manifestadas por muitas autarquias, por muitos agentes judiciários quanto às consequências dessa reforma legislativa, no aumento das dificuldades no acesso à justiça por grande parte da população portuguesa, afetando, mais particularmente, as populações que habitam fora das capitais de distrito e as populações com maiores dificuldades económicas.
Na verdade, ao concentrar as sedes de comarca nas capitais de distrito, com exceção de Lisboa, Porto e das Regiões Autónomas; ao encerrar duas dezenas de tribunais de comarca e desgraduar mais de duas dezenas, transformando-as em meras extensões de outros tribunais; ao concentrar valências judiciais, como os tribunais de trabalho, de família e menores e de execução, numa base distrital, o mapa judiciário vem contribuir para uma mais acentuada desertificação do País e para um acréscimo de dificuldades no acesso aos tribunais, por razões de distância e de custo das deslocações.
Ao contrário do que o Governo afirma, este mapa judiciário não veio melhorar a qualidade da justiça e das decisões judiciais.
Não se melhora a qualidade da justiça afastando os cidadãos do seu acesso.
Não se melhora a qualidade da justiça relegando aos atuais tribunais de comarca que se situam fora das capitais de distrito o julgamento de processos de menor importância e concentrando os demais nos grandes centros.
Não se melhora a qualidade da justiça substituindo a imediação dos julgamentos por videoconferências de qualidade e utilidade duvidosas e, aliás, muito contestadas por parte de juízes, advogados e pela generalidade dos operadores judiciários.
O PCP suscitou, em tempo oportuno, a apreciação parlamentar do mapa judiciário, apresentando, na especialidade, um vasto conjunto de alterações.
Porém, apesar dos protestos que se fizeram sentir por todo o País contra o mapa judiciário, levados a cabo, nomeadamente, pelas autarquias locais e pelos advogados, a maioria parlamentar rejeitou todas as propostas de alteração apresentadas pelo PCP e nem sequer aceitou que fosse aberto um processo de audição parlamentar dos interessados, insistindo na necessidade de fazer entrar em vigor o diploma aprovado no início de setembro de 2014.
Não se conformando com este desfecho, e tendo, aliás, em conta a situação absolutamente caótica que se gerou nos tribunais e que persiste com a precipitada entrada em vigor do mapa judiciário, sem que tivessem sido acauteladas condições mínimas para esse efeito, o PCP insiste na apresentação da iniciativa legislativa que hoje debatemos, no sentido de que nenhum dos tribunais de comarca deve ser encerrado; em todas as atuais comarcas deve continuar a existir um tribunal de competência genérica em matéria cível e criminal e nenhum tribunal deve perder valências de que atualmente disponha por via da concentração de tribunais especializados.
Assim, o PCP insiste com esta iniciativa legislativa, esperando que, desta vez, a maioria dê ouvidos ao clamor que vai por este País fora e aceite repensar esta matéria da entrada em vigor, das consequências negativas da entrada em vigor deste mapa judiciário.
É isto que esperamos, no debate de hoje, por parte da maioria.
(…)
Sr. Presidente e Srs. Deputados:
As intervenções dos Srs. Deputados da maioria são extraordinárias. Ou seja, os Srs. Deputados já perceberam que a casa veio abaixo e, no entanto, vêm dizer que a destruição é um grande sucesso e que não há alternativa a viver no meio dos escombros.
É exatamente isso. Os Srs. Deputados são confrontados com projetos de lei que tentam encontrar uma alternativa para o caos que os senhores criaram — inclusivamente, da nossa parte, propondo um regime experimental para os tribunais especializados que os senhores criaram — e os senhores ignoram as propostas que são apresentadas e vêm dizer que o que está está muito bem. E perante o facto de os tribunais estarem paralisados — a ponto de o próprio Conselho Superior da Magistratura se sentir obrigado a vir pedir ao Governo que tome iniciativas legislativas urgentes para procurar reparar algum do mal que foi feito —, os senhores vêm dizer: «Não, isto está tudo muito bem, está tudo a funcionar…»
«… e o facto de o Citius estar a paralisar os tribunais não tem qualquer problema, um dia isto será resolvido e os senhores não têm razão nenhuma».
Srs. Deputados, mesmo que não tivéssemos apresentado nenhuma razão, que apresentámos, para estas iniciativas legislativas, a realidade, por si, impunha que fossem tomadas medidas.
É a realidade que exige que alguma coisa seja feita.
Os senhores não querem fazer nada. Os senhores querem manter o sistema em ruínas, tal como ele está. E essa é uma atitude absolutamente inadmissível, porque o País todo sabe como é que as coisas estão lá fora.

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