Comunicado do Comité Central do PCP

PCP apela à luta por uma nova política

1. Reunido em 28 e 29 de Junho de 1996, o Comité Central analisou aspectos fundamentais da situação e da actualidade política nacionais, examinou diversas questões relativas ao fortalecimento da organização partidária, procedendo designadamente a uma avaliação da aplicação das conclusões da Conferência Nacional realizada em Novembro de 1994, e debateu e tomou deliberações sobre a preparação do XV Congresso constantes de uma resolução específica que aprovou sobre essa matéria.

2. No momento em que se completam oito meses de actividade do novo Governo do PS, o Comité Central destaca como traços e aspectos mais marcantes na situação política nacional:

— a irrecusável evidência de que o PS prossegue no Governo os eixos essenciais da política antes desenvolvida pelos Governos do PSD, sendo ainda patente que em diversos domínios — como é o caso, entre outros, das privatizações, dos direitos dos trabalhadores, da segurança social e de outros direitos sociais —, se propõe realizar objectivos e desferir golpes que o último Governo de Cavaco Silva, entretanto desgastado e enfraquecido, já não teve nem forças nem condições para realizar;

— os sinais de desorientação e os passos em falso que tem crescentemente marcado a acção do Governo e sobretudo a crescente erosão da sua base de apoio, traduzida num sentimento muito largo da inexistência de mudanças sensíveis, numa atitude de desencanto e de frustração de expectativas e em significativas e promissoras expressões de descontentamento, de resistência, de crítica, de intervenção e de luta contra a política do Governo;

— os esforços do PSD e do PP para multiplicarem incidentes políticos e empolarem divergências acessórias com o Governo do PS por forma a escamotearem a sua convergência, cumplicidade e apoio em relação às linhas fundamentais da sua política;

— o papel insubstituível desempenhado pelo PCP como oposição de esquerda ao Governo do PS e à sua política (e igualmente à política que é comum ao PS, ao PSD e ao PP) e a sua intensa intervenção na dinamização da resistência à política do Governo, os seus esforços na defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores e de outras camadas sociais, a sua vasta e valiosa acção de apresentação de propostas construtivas para uma nova política.

3. São de destacar como expressões concretas da política do Governo, entre outras:

— o agravamento da situação económica do país e a continuada destruição dos seus sectores produtivos — que o Primeiro Ministro, como o seu antecessor, procura atribuir a factores de natureza conjuntural, mas cujo carácter estrutural é cada vez mais evidente e indissociável de uma política de subordinação aos interesses do grande capital, de concentração de riqueza, de completo enfeudamento às políticas de Maastricht e à marcha forçada para a moeda única;

— a derrapagem da situação social em que avulta o gravíssimo problema do crescimento do desemprego — que já atinge mais de 500 mil trabalhadores — e do continuado alastramento das manchas de pobreza e da exclusão social;

— a deterioração do quadro laboral, resultante da liquidação de direitos e da imposição da legislação sobre flexibilidade e polivalência, do incumprimento governamental dos compromissos assumidos na administração pública, e da tentativa de amarrar as estruturas sindicais a uma “concertação estratégica” dominada pelos objectivos e interesses do grande patronato e que visa corresponsabilizar as organizações sociais na aplicação da política e da estratégia previamente definida pelo Governo;

— o prosseguimento e a aceleração do processo de privatização de empresas públicas e cujas consequências, quer no plano da restauração do poder económico e político do grande capital, quer no plano da transferência do seu controle para o capital estrangeiro, quer dos efeitos negativos ao nível do emprego e dos direitos sociais dos seus trabalhadores, se revela extremamente prejudicial para o país;

— a continuação de uma política de integração europeia amarrada aos comandos das principais potências e do grande capital transnacional, que regista o descalabro das sucessivas estratégias anunciadas para combater o desemprego e para implementar a criação de emprego, as baixas taxas de execução em relação aos fundos estruturais, em novos passos dados no sentido da utilização do voto por maioria com sacrifício pelos interesses e posições dos países mais pequenos;

— o desenvolvimento de estudos e acções que visam pôr em causa o sistema público de Segurança Social e avançar com a sua privatização e preparar psicologicamente os cidadãos para a aceitação dessa perspectiva, que só pode interessar ao grande capital do sector segurador e à especulação financeira desenvolvida através de fundos de pensões;

— a multiplicação de dificuldades na área educativa, tanto resultantes do facto do Governo ter deixado passar um ano lectivo sem nada fazer quanto aos principais pontos que configuram a crise do sistema educativo, como das orientações negativas que têm vindo a adoptar em relação a um conjunto de importantes questões. É o caso, nomeadamente, da acrescida selectividade na finalização do secundário e no acesso ao superior, do “modelo” privado de expansão da educação pré-escolar, da criação de turmas especiais no ensino básico com “currículos alternativos” aos ministrados nas turmas regulares, do figurino neoliberal para o financiamento do superior e da grave desregulamentação da carreira docente.

4. O Comité Central salienta que a revisão constitucional prossegue em grande ritmo, somando-se factores de inquietação e sendo patente que as “soluções” indiciadas não correspondem às promessas e declarações anteriormente produzidas pelo PS.

Quanto à questão da revisão do regime constitucional da regionalização, o que foi acordado entre o PS, o PSD e o PP, representa a introdução de um regime em que o cumprimento da Constituição fica obrigatoriamente dependente de um referendo nacional e de referendos regionais. Estes, ainda que maioritariamente favoráveis, só valem se votarem 50% dos eleitores inscritos (o que, na prática, pode ser muito superior, devido à elevada “abstenção técnica”, isto é, “eleitores” que morreram ou mudaram de residência e não foram abatidos aos cadernos eleitorais).

O PS abre, assim, caminho ao referendo em matéria constitucional, como há muito a direita pretende, e abre a porta a que um eventual alto nível de abstenção, ainda que meramente aparente, possa jogar contra a regionalização. O referendo em matéria constitucional corresponde a admitir que princípios essenciais da lei fundamental fiquem dependentes de plesbícitos.

Acresce ainda a possibilidade de contradição entre a vontade manifestada pela Assembleia da República na Lei da Criação das Regiões, promulgada pelo Presidente da República, e o voto directo manifestado em dois referendos e também entre a vontade manifestada a nível nacional e a vontade das populações em todas ou em parte das áreas regionais que, na altura, já constarão da lei aprovada.

A solução aprovada em comissão de revisão implica igualmente retirar aos municípios o direito de intervenção dominante, em referendo orgânico, que permitia configurar a regionalização como um processo de baixo para cima, fazendo com que as áreas regionais fossem configuradas com a intervenção determinante destes.

O PS não conseguiu concretizar todas as suas propostas (particularmente em matéria de eleição das Juntas Regionais). Mas não deixou de ceder e convergir com as reivindicações essenciais da direita, depois de afirmar durante semanas que nunca o faria.

Embora sabendo que o processo de regionalização foi afectado pelos acordos do PS com a direita e que sobre ele se adensam justificadas incertezas, não deixa de ser oportuno sublinhar que prossegue o debate público e as audições parlamentares sobre os projectos aprovados em 2 de Maio (incluindo os projectos do PCP), os quais deverão conduzir à aprovação da Lei de Criação das Regiões Administrativas e à regulamentação de outros aspectos (como as atribuições).

Reafirmando que a concretização da regionalização nos termos constitucionais em vigor seria não apenas o caminho legítimo mas também a forma mais correcta e segura de fazer avançar essa importante reforma democrática, o Comité Central considera que se impõe uma larga intervenção dos municípios, das populações e de outras estruturas representativas, que corresponda ao exercício dos seus direitos de participação e influir adequadamente nas soluções a aprovar pela Assembleia da República.

Quanto ao regime do referendo sobre a integração europeia, o que, na base de um acordo PS-PSD, se encontre encaminhado, corresponde à consagração de uma solução muito restritiva. Não será permitido, designadamente, referendar a revisão do Tratado de Maastricht, globalmente considerado, como o PCP justamente defende, ou aspectos de execução do próprio Tratado (como a moeda única). As questões colocadas poderão ser apenas algumas, devidamente seleccionadas. O PS e o PSD mantêm, assim, embora em versão mais disfarçada, a sua aversão ao voto popular em matéria de tratados, designadamente de integração europeia, e é legítimo suspeitar que, de facto, não pretendem, assegurar qualquer referendo sobre esta matéria.

Ao mesmo tempo, vão prosseguir os trabalhos em torno de outros aspectos da revisão constitucional, mantendo-se o sério perigo de nova revisão acelerada, cuja concretização só seria possível com o intolerável esmagamento do direito de cada partido a um normal debate e ponderação de todas as propostas que apresentou. Vão estar em consideração propostas do PSD, do PP e do PS, cuja aceitação corresponderia a restringir os direitos dos trabalhadores e os direitos sociais, a afectar gravemente a democraticidade dos sistemas e da legislação eleitorais, designadamente da Assembleia da República e dos órgãos do Poder Local.

Existindo propostas positivas, designadamente no projecto de revisão do PCP, o sentido globalmente negativo e extremamente perigoso de propostas de outros partidos torna imperativo um mais vasto esclarecimento sobre o que está em jogo na revisão constitucional. O Comité Central sublinha a importância da intervenção de todas as organizações na divulgação e esclarecimento das propostas do PCP e na crítica das propostas de outros partidos. Torna-se igualmente imperiosa a mobilização da opinião pública, em particular dos trabalhadores, em defesa da consagração dos seus direitos na lei fundamental e da democraticidade do sistema eleitoral.

5. O Comité Central adverte para que, à medida que o tempo passar e maior for o descontentamento e a frustração com a política do governo do PS do e os resultados da sua acção, mais e mais o Governo tenderá a insistir em argumentos e desculpas mistificatórias concebidos exclusivamente para favorecer a passividade, a resignação e o conformismo designadamente entre os cidadãos que há nove meses votaram no PS.

São argumentos e desculpas que vão desde a péssima herança deixada pelo PSD (que é inegável mas não absolve o PS de a respeitar e prolongar em aspectos decisivos) até aos condicionamentos externos (que naturalmente que existem mas sobretudo para quem não tem coragem de os afrontar ou foi cúmplice consciente da sua criação), passando pela responsabilização exclusiva da União Europeia pela falta de uma política de eficaz combate ao desemprego (que visa esconder as responsabilidades próprias do Governo do PS e a sua concordância com as grandes orientações de política comunitária que sacrificam o emprego).

O Comité Central sublinha que o caminho escolhido pela política do PS e o caminho da resignação e do conformismo que a torne impune só poderão conduzir ao agravamento dos problemas nacionais, a um novo fracasso governativo do PS que a direita procuraria explorar hipocritamente como um alegado «fracasso da esquerda» em beneficio do seu retorno ao poder.

O Comité Central dirige por isso um vivo apelo aos trabalhadores e a todos os democratas, designadamente aos que votaram PS nas últimas eleições legislativas, no sentido de que — no próprio interesse directo da sua vida, dos seus direitos e das suas aspirações — não permitam que os seus votos sejam invocados para continuar uma política que condenaram nas urnas e intervenham e participem activamente num vasto movimento de opinião, de iniciativa e de luta por uma nova política.

6. Saudando as organizações e militantes do Partido e da JCP, pela incansável e diversificada acção desenvolvida nos últimos meses nos mais diversos domínios de intervenção, o Comité Central destaca em particular o papel de primeiro plano do PCP e dos comunistas no estímulo e a dinamização da luta social, a importante campanha própria desenvolvida pelo Partido contra a proposta de lei da flexibilidade e polivalência, a combativa e qualificada intervenção do grupo parlamentar comunista, a realização de numerosas iniciativas de reflexão e debate aberto e de apresentação de propostas sobre grandes questões nacionais (o Congresso da JCP, as assembleias de importantes organizações, iniciativas de preparação das eleições regionais dos Açores e da Madeira, educação, saúde, segurança social, regionalização, agricultura, intelectuais, turismo, associativismo, toxicodependência), iniciativas e esforços para melhorar e reforçar a organização do partido, a sua ligação aos trabalhadores e às massas e sua intervenção na sociedade.

Neste quadro, é indispensável assegurar o sucesso da Campanha nacional de Adesão ao PCP de mais 5 mil novos membros, para o qual existem condições reconhecidamente favoráveis e que deverá constituir importante contribuição para o indispensável fortalecimento e renovação das energias do PCP.

No seu conjunto trata-se de componentes fundamentais da acção do partido que, convergindo numa audaciosa afirmação da sua identidade, propostas e projecto, é imprescindível prosseguir e ampliar na base de uma mais vasta e profícua mobilização das energias e capacidades existentes no colectivo partidário.

7. O Comité Central destaca finalmente a importância de assegurar um grande êxito para a próxima 20ª Festa do Avante marcada para os dias 6, 7 e 8 de Setembro e que, a três meses do XV Congresso, deverá marcar o arranque de um novo período de forte e confiante afirmação do PCP como força essencial da democracia portuguesa, como principal protagonista da luta pelos ideais e valores de esquerda, de cujo reforço depende a esperança de uma verdadeira mudança para uma vida melhor numa sociedade mais justa.