Intervenção de Rita Rato na Assembleia de República

PCP apela à luta pela Escola Púbica, Gratuita, de Qualidade e Democrática para todos

Aprova o estatuto do aluno e ética escolar, que estabelece os direitos e os deveres do aluno dos ensinos básico e secundário e o compromisso dos pais ou encarregados de educação e dos restantes membros da comunidade educativa na sua educação e formação
(proposta de lei n.º 70/XII/1.ª)

Cria os gabinetes pedagógicos de integração escolar (GPIE)
Estabelece medidas de redução do número de alunos por turma visando a melhoria do processo de ensino-aprendizagem
(projetos de lei n.os 209/XII/1.ª e 218/XII/1.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
O Sr. Secretário de Estado fez aqui a apresentação desta proposta de lei, que é, aliás, uma desvalorização profunda do papel pedagógico da escola e uma aposta exclusiva na punição e no autoritarismo.
Sr. Secretário de Estado, diga-nos aqui o que é que tem de pedagógico e de inclusivo expulsar um estudante da escola até 3 anos?!
Diga-nos aqui o que é que tem de pedagógico e inclusivo negar o apoio da ação social escolar para a aquisição de manuais escolares que são obrigatórios?!
Diga-nos aqui o que é que tem de pedagógico impedir a participação dos estudantes nos órgãos de gestão das escolas?!
Diga-nos aqui, Sr. Secretário de Estado, se entende que é justo que um estudante, não tendo dinheiro para comprar os manuais escolares e, por isso, não podendo levar os seus livros para a escola, tenha essa falta traduzida numa falta de presença à sala?!
Diga-nos aqui como é que resolve o problema da alteração do percurso do estudante? Quem é que decide a alteração do percurso formativo do estudante? É o estudante? É a sua família? É a CPCJ? É que a CPCJ não tem equipas de acompanhamento para o tratamento destas questões nem as escolas têm essas equipas.
O Sr. Secretário de Estado fez uma referência muito vaga mas coloco-lhe esta questão: se as escolas quiserem contratar mais psicólogos, se as escolas quiserem contratar mais assistentes ocupacionais, se as escolas quiserem contratar mais funcionários, o Ministério da Educação garante esse financiamento?
É que as notícias que nos chegam são no sentido de, no próximo ano letivo, haver um corte na contratação de mais psicólogos e, portanto, o que o Governo aqui traz são propostas exclusivamente autoritárias, que retiram às escolas os meios para intervir sobre estes problemas e apenas tratam de aplicar medidas de controlo social sem garantir às escolas o papel fundamental que lhes cabe, o papel da pedagogia e da inclusão.
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:
As alterações agora apresentadas pelo Governo PSD/CDS ao diploma do Estatuto do Aluno vêm agravar a atual lei e quase transformam a escola pública numa casa de correção, aprofundando os processos de triagem social.
Estas alterações são ainda mais graves porque não é apresentada qualquer medida pedagógica de combate ao abandono, insucesso e violência em meio escolar. São propostas da maior gravidade, que desvalorizam o papel de integração e inclusão que cabe à escola pública, acentuam o carácter sancionatório, corretivo e punitivo do Estatuto do Aluno, tratando todos os estudantes como potenciais delinquentes.
Estas alterações surgem num momento em que o Governo aprofunda o processo de constituição de mega-agrupamentos, aumenta o número de alunos por turma, mantém a falta grave de funcionários, corta nos psicólogos e noutros técnicos pedagógicos, acaba com projetos escolares de combate ao abandono e ao insucesso escolar.
Isto é, ao mesmo tempo que cria escolas com mais de 3000 alunos, retira às escolas meios materiais e humanos para lidarem com estes problemas. Por isso, escolhe recorrer exclusivamente a medidas punitivas de controlo social, desresponsabilizando-se de garantir a escola pública como um instrumento de emancipação individual e coletiva, ao mesmo tempo que agrava as já insuportáveis condições económicas e sociais com que a maioria das famílias portuguesas está confrontada.
O PCP rejeita veementemente este caminho escolhido pelo atual Governo, na linha de alterações anteriores ao Estatuto do Aluno promovidas pelo PS e pelo CDS, e repudia medidas antidemocráticas, que visam transformar a escola não num espaço de construção e exercício da cidadania, dos direitos humanos e da democracia mas antes, num espaço castigador que agrava e institucionaliza as desigualdades e a exclusão social.
Estas alterações visam a penalização do ato individual e isolado do estudante, como se fosse possível desliga-lo de todo o contexto social e económico no seio das famílias e dentro das escolas.
Com medidas previstas como cuidar da sua higiene pessoal, utilizar vestuário considerado adequado à idade, a realização de trabalho comunitário, o aumento dos dias de suspensão, a transferência de escola, a humilhação dos estudantes e, por consequência, o aumento do abandono escolar, o agravamento dos comportamentos sociais de risco será, certamente, o quadro que aparecerá nas escolas.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Num quadro em que as dificuldades financeiras da esmagadora maioria das famílias portuguesas se agravam, tendo em conta o desemprego, os baixos salários, o aumento do custo de vida e que várias famílias se encontram com sérias dificuldades para suportar as despesas com os estudos, pretende o Governo, com esta proposta, penalizar financeiramente os estudantes e suas famílias, obrigando-os, em caso de excesso de faltas, a pagar multas, devolver os valores recebidos, no caso dos estudantes abrangidos pela ação social escolar, ou mesmo aplicar a sanção de privação de direitos a apoios de ação social escolar relativos a manuais, no ano escolar seguinte.
Consideramos também inaceitável que a exclusão de uma disciplina por excesso de faltas tenha como resultado a impossibilidade dos alunos assumirem cargos ou funções de representação nos órgãos de gestão da escola.
O Governo procura ainda aprofundar a lógica de que «alguns alunos não dão para isto», possibilitando o encaminhamento para diferente percurso formativo, criando turmas e cursos de primeira e de segunda, agravando a exclusão social destes estudantes.
Mais uma vez, e seguindo o mau exemplo de governos anteriores, o atual Governo opta pelo caminho mais fácil e populista: expulsar alunos da escola será sempre mais barato e exigirá sempre menos meios do que garantir o acompanhamento psicológico em meio escolar e a efetiva integração e inclusão de todos os estudantes.
O Governo PSD/CDS, com esta proposta de lei, desiste de milhares de estudantes, desiste, objetivamente, de garantir a sua integração efetiva e a sua inclusão, designadamente dos estudantes de camadas económicas e sociais mais desfavorecidas, negando-lhes o direito à educação.
Por todas estas razões, somos frontalmente contra esta proposta do Governo.
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
O PCP apresenta duas iniciativas que constituem uma intervenção estruturada, partindo da perspetiva de que a resolução destes problemas assenta prioritariamente em medidas preventivas e de combate às situações sociais de risco que estão na sua origem, e no reforço do papel da escola como um espaço de humanismo e de democracia.
A criação de gabinetes pedagógicos de integração escolar em todas as escolas e agrupamentos, e com isto, a contratação de mais funcionários, psicólogos e técnicos pedagógicos, será um caminho certamente mais positivo na resolução destes problemas e a redução de número de alunos por turma e contratação de mais professores contribuirá significativamente para o reforço da escola inclusiva.
Tal como a violência gera mais violência, a repressão estimula a indisciplina. Este Governo sabe-o e, por isso, promove medidas de controlo social que são inaceitáveis. Aos estudantes, aos professores, funcionários, psicólogos e a toda a comunidade educativa o PCP reafirma que não desiste de lutar por uma escola púbica gratuita, de qualidade e democrática para todos.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Gostaria de dizer que o PCP não nega que existam problemas de indisciplina, nem problemas de abandono, nem problemas de insucesso.
Só para que fique esclarecido!
Agora, entendemos e reafirmamos que não é com medidas deste tipo que esses problemas se vão resolver. A violência gera mais violência e a repressão estimula a indisciplina, Srs. Deputados! Os Srs. Deputados são professores e sabem isto de que lhes falo.
Diz-nos aqui a Sr.ª Deputada do CDS que as escolas têm equipas. Sr.ª Deputada, gostava de lhe ler um email que nos chegou de um psicólogo contratado, que diz assim, e isto é uma nota do Ministério da Educação: «quanto à duração dos contratos celebrados para projetos de enriquecimento curricular, de combate ao insucesso, cumpre esclarecer o seguinte: os referidos contratos têm a duração mínima de 30 dias, não podendo exceder o termo do ano escolar.»
Portanto, as equipas de que a Sr.ª Deputada fala e que, de facto, estão no texto da lei, não estão nas escolas. As escolas não têm autorização do seu Governo para as contratar. Assim, pergunto-lhe como é que a Sr.ª Deputada quer resolver os problemas de insucesso, de abandono e de indisciplina sem meios? A Sr.ª Deputada dirá: «com multas, expulsando das escolas», que é isto que, na prática, o Governo apresenta.
Importa ainda dizer o seguinte: a Sr.ª Deputada e o PSD dizem-nos que os trabalhadores da escola pública — não usam a palavra trabalhadores porque queima a língua, mas as escolas — querem mais autoridade. O que as escolas, os profissionais, os trabalhadores exigem é mais respeito, é mais dinheiro, é melhores salários, mas é também mais financiamento para que as escolas possam contratar mais funcionários. Existem mais de 5000 funcionários em falta.
No ano passado, quando se chegou ao limite dramático de um estudante se ter suicidado, percebeu-se que à porta da escola não havia um funcionário. Portanto, quando chegamos a este ponto de não garantir os meios às escolas para resolverem os problemas de abandono, de insucesso e de indisciplina, só pergunto uma coisa: a conversa do facilitismo é para os estudantes ou é para os Srs. Membros do Governo?

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