Declaração de João Frazão, membro da Comissão Política do Comité Central do PCP, Conferência de Imprensa

Patrocínio ao grande agro-negócio, desprezo pela pequena e média agricultura

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O país está à beira do desastre económico e social, consequência do Pacto de Agressão que PS, PSD e CDS firmaram com a troika do FMI/BCE/UE e de dois anos de desgoverno da direita, do PSD e do CDS, ao serviço do grande capital.

O desemprego atinge números nunca vistos e dos mais elevados na UE. Cada vez mais empresas, particularmente as pequenas e médias, são forçadas a encerrar com o aumento de impostos e outros encargos, e a quebra das vendas.

Foi neste contexto que o Presidente da República, Cavaco Silva, aproveitou as Comemorações do 10 de Junho para partilhar e elogiar a política do Governo PSD/CDS, seleccionando um pequeno conjunto de números para, numa estreita e enganosa abordagem da agricultura, dar ideia de que tudo vai bem, que as políticas foram acertadas, que não há problemas. Considerações em total oposição às análises e opiniões dos mais diversos quadrantes sociais e políticos (mesmo de alguns dos seus antigos ministros) sobre as condições de adesão à então CEE, os efeitos da PAC e das suas reformas, e das políticas conforme os interesses do grande capital do agro-negócio, da indústria e da distribuição, e a evolução e actual situação da agricultura portuguesa.

Cavaco Silva procura auto-elogiar-se pelos tempos em que foi Primeiro-Ministro e limpar a imagem das ruinosas políticas que conduziram ao definhar da agricultura e à dependência em que o país se encontra.

O Presidente da República, que ainda há poucos meses manifestava preocupação com a nossa agricultura, agora só vê sucesso, não apontando uma única dificuldade.

Cavaco Silva afirma agora que: “Há quem sustente que a adesão de Portugal às Comunidades implicou a destruição do mundo rural e a perda irreversível da nossa capacidade produtiva no sector primário. Este retrato é completamente desfasado da realidade”.

Em sentido inverso, em Junho de 2011, em artigo publicado no Expresso, afirmava que “os resultados, completamente contrários aos objectivos, estão à vista. Os jovens agricultores com menos de 35 anos representam apenas 2% e com menos de 45 anos apenas 10%, do número total de agricultores portugueses. Portugal é o país agricolamente mais envelhecido da União Europeia,... Além disso, estes valores têm-se vindo a agravar de ano para ano. Entre 1999 e 2009... a redução dos jovens até 35 anos foi de 60% e entre 35 e 45 anos foi de 51%. Alguma coisa estará... a impedir o sucesso das políticas públicas nesta matéria... As razões... decorrerão do efeito do carácter depressivo que acompanha há largos anos o nosso sector agrícola...”

E nesse mesmo dia, na intervenção nas comemorações do 10 de Junho afirmava que “Portugal importa hoje cerca de 6 mil milhões de euros de bens agrícolas para consumo, sendo que as nossas exportações chegam apenas aos 3 mil milhões de euros. Um défice alimentar destas dimensões não tem razão de ser num país como o nosso. Esta situação não pode continuar.”

Na verdade, Cavaco Silva e o Governo, ignoram a soberania alimentar, a sua importância e necessidade para garantir a nossa independência como país e mesmo para a nossa segurança alimentar, como se tem visto pela sucessão de escândalos provocados pela voracidade do grande agro-negócio e da grande distribuição.

Submissos ao grande capital, pouco lhes interessa o que cá se produz para alimentar a população, apenas falando e apoiando as exportações, particularmente das grandes empresas, mesmo que estrangeiras.

Na verdade, a realidade que invoca, não autoriza a visão idílica de Cavaco Silva.

Na verdade, os “extraordinários êxitos” no azeite, no vinho, no leite, escondem desastres concretos. No olival tradicional que se encontra cada vez mais ao abandono pelo esmagamento do preço, mas também dos terrenos ocupados por olival superintensivo que estão a ser esgotados por aquela cultura. Nos 40 mil pequenos e médios viticultores do Douro a braços com uma das mais graves crises de sempre, tendo perdido cerca de 60% dos seus rendimentos nos últimos 10 anos, apesar de produzirem o melhor vinho do mundo. Nos cerca de 70000 produtores de leite forçados a abandonar a produção pelo esmagamento dos preços decorrente das importações e dos comportamentos da grande distribuição, e nas dificuldades de sobrevivência dos cerca de 8000 que restam.

A realidade mostra que, ao nível dos cereais vivemos uma situação de dependência extrema, que, no caso do trigo chega aos 89%, ou seja, ao fim de 40 dias de cada ano, temos de importar trigo.

A realidade mostra ainda que o défice agro-alimentar, ao invés de baixar, cresceu à média de 2,3% ao ano, entre 2000 e 2011.

A realidade grita-nos que nos últimos 30 anos, entre 1979 e 2009 foram eliminadas 480497 explorações agrícolas, a um ritmo de quase 2 por cada hora, e que, apenas entre 1999 e 2009, a Superfície Agrícola Útil reduziu-se em cerca de meio milhão de hectares.

Em consequência disso, o despovoamento e a desertificação do mundo rural, são uma realidade que ninguém hoje desmente.

Cavaco Silva pretendeu também, com o seu discurso de 10 de Junho, dar uma mãozinha ao Governo, valorizando supostos resultados da sua acção.

Ora, a marca destes 2 anos de política do PSD/CDS no Ministério da Agricultura, é a da continuidade da política agrícola dos sucessivos governos do PS, PSD e CDS. De submissão à Política Agrícola Comum e às suas regras assentes na suposta competitividade, nas ajudas desligadas da produção, na desigualdade dos apoios e de frete ao grande capital do agroalimentar, agroflorestal e da grande distribuição.

Política de desvalorização da Pequena e Média Agricultura que, bem se pode afirmar, nos últimos dois anos, continua a ser alvo de medidas orquestradas para os liquidar:

- a completa instabilidade no escoamento, com os preços sempre em baixa;

- a especulação e os preços cada vez mais altos dos factores de produção e dos serviços;

- a eliminação de serviços, funcionários e técnicos do Ministério, que os apoiavam, nomeadamente o desmantelamento dos laboratórios e estações técnicas;

- o alastramento de doenças e pragas que afectam o sector pecuário e a produção vegetal (vinhas , pomares, carvalhos, castanheiros, pinheiros e tantas outras espécies);

- a acumulação de dívidas de milhões de euros às Organizações de Produtores Pecuários, pelas tarefas de Sanidade Animal em 2012 e 2013, procurando transferir para os produtores esses custos, enquanto arranja esquemas para perdoar à grande distribuição parte do imposto criado para o efeito;

- o prolongamento da degradação da Casa do Douro, com a expropriação das suas funções e competências, nomeadamente do cadastro, fragilizando ainda mais a situação de milhares de pequenos vitivinicultores;

- a continuação da ausência de prevenção estrutural da floresta e os projectos para a reflorestação intensiva de espécies de crescimento rápido (como o eucalipto), mesmo em regadio;

- a reprogramação do PRODER que cortou em cerca de 300 milhões de euros as verbas para a florestas e para o regadio público;

- a nova tentativa de subverter a Lei dos Baldios para os tirar à gestão dos compartes;

- a farsa das negociações da reforma da PAC e a submissão aos interesses dos países ricos, que terá como resultado um previsível novo corte de mil milhões de euros nos apoios comunitários;

- a eliminação de muitos agricultores do acesso às ajudas comunitárias, quando a maior partes destas são atribuídas a grandes empresas, ao próprio ministério e seus serviços, e a grandes proprietários - 10% apenas dos beneficiários, mas que abocanham 90% das ajudas;

- um conjunto de novas medidas fiscais, que foram forçados a adiar, mas que continuam a querer impor, unicamente dirigido contra os pequenos e médios agricultores, com reflexos directos no aumento de impostos, dos descontos para a Segurança Social e no transporte das produções, medidas que por si só impedem dezenas de milhar de agricultores de poderem continuar a vender as suas produções.

Aliás, bem se pode dizer que a obrigatoriedade de os pequenos agricultores se colectarem, com vista à imposição de novas obrigações fiscais e novos impostos, foi a única medida dedicada exclusivamente à pequena e média agricultura.

Medida a que o PCP se opôs frontalmente no debate do Orçamento do Estado e que, no debate sobre o Orçamento Rectificativo voltou a propor a sua eliminação, regressando ao regime de isenção, o que foi chumbado pelo PSD e pelo CDS, com a abstenção do PS.

Sendo verdade que Portugal não tem condições de cultivar toda a diversidade e a quantidade de produtos agrícolas e pecuários necessários ao consumo interno, não é menos verdade que temos condições edafo-climáticas que nos permitem ter muitas dessas produções e aumentar o volume das que já produzimos. Paralelamente ao objectivo de produzir para evitar importações desnecessárias, a exportação pode e deve ser apoiada, nomeadamente de produtos de qualidade ímpar e única. Por outro lado, devemos salvaguardar o País de exportações suportadas por modelos superintensivos de produção, com recurso à exploração de mão-de-obra barata e precária, em geral imigrante a quem se oferecem condições miseráveis de alojamento, e pouco sustentável ambientalmente.

O que continua a ser preocupante é que num painel de 109 produtos agro-pecuários e florestais, incluindo os transformados, muitos deles indispensáveis à alimentação humana e à produção de rações, (cereais, oleaginosas, frutas, uvas e vinhos, batata, tomate, animais e produtos pecuários, madeiras e produtos florestais) em 2010 o saldo da balança comercial foi negativo, em 4.094,21 milhões euros. Saldo positivo, apenas em 23 produtos, alguns sem expressão!

Esta situação pode e deve ser corrigida. Portugal tem condições de obter níveis de auto-abastecimento, em produtos, muito maiores que os actuais e capazes de assegurar a nossa soberania alimentar. Se não tivermos independência alimentar, estaremos sempre na dependência de interesses alheios que nos venderão o que quiserem e nas condições que quiserem.

Mas a necessária reorientação da nossa agricultura não se pode fazer com as políticas dos sucessivos governos desde a negociação da entrada para a então CEE, tenham sido do PS, do PSD e do CDS, sozinhos ou em diferentes combinações e que o actual governo aprofunda ainda mais.

O governo PSD/CDS, ao colocar-se ao serviço do grande capital do agro-negócio, posiciona-se contra a vastíssima maioria dos agricultores portugueses: note-se que segundo o Censos de 2009, 229.165 explorações, 77% do total, têm até 5 ha de dimensão e destas 22% têm até 1 ha.

São estes agricultores que estão em melhores condições de assegurar bons produtos frescos, são estes que podem animar os mercados de proximidade e ajudar a revitalizar as economias regionais e locais e o desenvolvimento rural e regional e contribuir para a coesão territorial e a melhoria da qualidade de vida da população, muito para além dos centros urbanos.

(O Governo tem tentado vender a propaganda dos “250 jovens agricultores instalados por mês”. É necessário assinalar que tal não passa da aprovação de projectos, porque a Medida está sem dinheiro. Além disso, são projectos, dizem, para exportação, mas sem estudos de mercado que assegurem um bom investimento, conduzindo muitos jovens ao fracasso, enquanto negam apoios aos agricultores já instalados.)

Contrariamente às declarações do Presidente da República e do Governo, analisando o conjunto do sector agro-pecuário e florestal, a conclusão é que ele tem sido e continua a ser liquidado em favor do grande agro-negócio da indústria e da distribuição, nacional ou estrangeira e duma acelerada concentração capitalista da terra.

Um Governo que governa contra os interesses do seu próprio povo só tem um destino, ser demitido, como aliás os próprios agricultores já exigiram na grande manifestação nacional de 17 de Abril, que daqui saudamos.

É preciso um novo Governo que tenha, para a agricultura e para o mercado interno, para os agricultores e para os consumidores, uma nova política, uma política patriótica e de esquerda, assente na defesa da nossa soberania alimentar, da pequena e média agricultura e do mundo rural.

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