O ministro alemão da Defesa, Rudolf Scharping, acordou a semana passada cheio de preocupações. Quer agora saber, "com toda a preocupação que suscita a palavra plutónio", que armas usaram os amigos norte-americanos nos Balcãs. É uma preocupação tardia. Como recordou Klaus Bednarz, director do programa da ARD "Monitor", no passado dia 18, "já há dois anos, durante a guerra do Kosovo, que o "Monitor" informou sobre os perigos para a saúde das populações e dos soldados resultantes das munições de urânio". Nessa altura, lembrou o jornalista, o ministro reagiu da seguinte forma: "O que o "Monitor" diz é uma parvoíce". As consequências da "parvoíce" estão à vista: "Hoje há casos de leucemia e de outros tipos de cancro entre os soldados que estiveram em contacto com os restos de urânio. Mas segundo as nossas investigações, não se trata só de urânio mas também de uma substância ainda muito mais perigosa, o plutónio." A confiança de Scharping era ainda uma evidência em 10 de Janeiro de 2001, quando disse taxativamente que "não existe um risco de contaminação, uma vez que as radiações de urânio são inferiores às radiações naturais". Estranha convicção esta, até porque o "Monitor" já tinha mostrado em Abril de 1999 um vídeo de treino do exército americano em que os resíduos de uma granada de urânio são removidos com fatos de protecção e máscara. Nesse mesmo vídeo, lembra Klaus Bednarz, diz-se: "se não se tomarem estes cuidados existe perigo de morte". O programa da ARD mostrou ainda imagens de crianças no Kosovo a brincarem com os restos de um tanque destruído por granadas de urânio da NATO, sublinhando que ninguém as avisou de que se encontravam em "perigo de morte". Na óptica de Scharping isso seria certamente "uma parvoíce".
Segredos e mentiras
A ocultação de informação na Alemanha vem de longe. Notícias vindas a público recentemente dão conta do resultado dos exames a que foram submetidos, desde 1990, os 99 soldados que manipulam aviões de guerra com radares (Avak): 66 adoeceram com cancro, e destes já morreram 22. As idades das vítimas não ultrapassam os 40 anos. O governo alemão sabia e nada disse. Tal como Scharping não disse que, imediatamente após a emissão do "Monitor" de Maio de 1999, especialistas do Ministério da Defesa chegaram à seguinte conclusão: "Na montagem de acantonamentos é necessário evitar terrenos onde se tenha verificado uma contaminação por rebentamento ou onde as poeiras tenham contaminado os solos." Ainda segundo o "Monitor", cuja reportagem mostrou soldados do exército jugoslavo em Presevo juntando granadas de urânio da NATO que não chegaram a rebentar, bem como o local onde estão guardadas em Belgrado, desde princípios de 2000 que o Ministério da Defesa alemão possui informações fornecidas pelo Ministério da Energia dos EUA sobre a existência de Plutónio nessas granadas fabricadas com resíduos de centrais atómicas. E nada disse. O que falta, na Alemanha como em Portugal, na Itália como na França ou em qualquer outro país da NATO, não é informação mas uma política de verdade e de preocupação com os povos. Como afirma o cientista militar norte-americano Dan Fahey, "as investigações feitas pelo Ministério da Defesa dos EUA provaram que as munições de urânio provocam cancro. Este estudo foi feito nos últimos dez anos. E existem também os estudos resultantes da guerra do Golfo sobre os efeitos das munições de urânio, que provam que logo que esta substância é ingerida quer através do ar que se respira ou da cadeia alimentar provoca cancro". Por isso mesmo Doug Rokke, físico dos EUA, não hesita em afirmar que a NATO, quer na Bósnia quer no Kosovo, contaminou propositada e conscientemente regiões inteiras. Quem pode pois, dos responsáveis, evocar desconhecimento? Negar o crime é típico dos criminosos, mas nunca foi prova de inocência. E este é um crime contra a humanidade.