Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

"O país não está melhor porque o país são as pessoas que aqui vivem e trabalham"

Ver vídeo

''

Declaração política insurgindo-se contra o facto de o Governo, ao mesmo tempo que apresenta dados de recuperação económica, defender a continuação de medidas de austeridade, como cortes nos salários e nas pensões

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
O PSD e o CDS usam o Governo como uma comissão eleitoral. Ao mesmo tempo que dizem não concordar com a diminuição salarial, assumem compromissos com a troica estrangeira para continuar a fragilizar os vínculos laborais e a agravar os cortes nos salários dos trabalhadores da função pública.
As sucessivas reuniões com a troica estrangeira, realizadas nesta Assembleia, são a ilustração não só do servilismo e da subserviência com que PSD e CDS se atropelam para ver quem é mais prestável, não só da tibieza variável do PS, que ora contesta, ora faz vénia às instituições estrangeiras, mas também da natureza antidemocrática do poder que converte o Governo numa comissão de negócios dos grandes grupos económicos.
À troica doméstica e à troica estrangeira interessa apenas tornar permanentes os roubos, os cortes salariais e os cortes nas pensões, intensificar a exploração, baixar os custos do trabalho e aumentar permanentemente os lucros dos grandes grupos económicos e dos monopólios.
Enquanto a dívida pública não para de crescer, as contas públicas continuam por controlar; enquanto o Estado desvia a riqueza nacional para pagar juros, os portugueses vivem cada vez pior. A pobreza, a emigração em massa, o desemprego, os baixos salários, a escola pública e o Serviço Nacional de Saúde empobrecidos, a segurança dos cidadãos ameaçada, a justiça cada vez mais ineficaz e distante, a arte e a cultura asfixiadas, a produção estagnada e o não aproveitamento do potencial produtivo instalado são a face real do País que o Governo esconde por detrás de variações positivas nas exportações.
Se são importantes as exportações — não o negamos — não pode o Governo ignorar que são conseguidas à custa da diminuição do mercado interno por força da falta de poder de compra dos portugueses. As empresas não conseguem vender cá dentro, vendem para fora. As que não conseguem fecham portas, despedem trabalhadores. A própria troica estrangeira afirma que o equilíbrio da balança comercial de Portugal é precário e não estrutural. Mas, apesar de reconhecer isso, ontem mesmo afirmou — o que é para nós, PCP, inaceitável — que a solução para Portugal não é produzir mais, é consumir menos! É este o corolário da política de esbulho e de afundamento nacional.
O Governo esconde a estratégia que nos bastidores vai concretizando com a troica. Enquanto na praça pública agita bandeiras do sucesso, de milagre e de recuperação e ensaia discordâncias em matéria de salários, nos bastidores entrega de bandeja esses salários, assume a permanência de medidas que tinham sido apresentadas como temporárias e mostra-se disponível para ir ainda mais longe.
A mentira e a propaganda — agora revestidas de um tom triunfalista delirante que se intensifica à medida que se aproximam as eleições para o Parlamento Europeu — são os expedientes do Governo para mascarar os reais impactos e efeitos da sua política.
Todos os números são pretexto para um discurso de fantasia com a intenção de nos fazer crer que o pior já passou, que o empobrecimento disfarçado de austeridade terá gerado, em Portugal, um autêntico milagre económico. Desde os frágeis indicadores sobre as variações no desempenho económico do País até aos números da execução orçamental de um só mês, como fez ontem o Governo, tudo serve para atirar areia para os nossos olhos.
Mas o Governo não se limita a amplificar o real significado de indicadores positivos; chega mesmo a distorcer e a tornar positivos indicadores que mais não são senão o resultado da política de espoliação. Veja-se a desfaçatez com que o Governo anuncia com alarido o resultado da execução orçamental e o aumento de 10% na receita fiscal arrecadada. Apresenta-o como indicador de retoma económica, esquecendo ou fingindo esquecer que esse aumento resulta essencialmente do brutal assalto aos trabalhadores, através do aumento de mais de 31% do IRS. Ou seja, não só não é um indicador de retoma, como é sinal de mais recursos subtraídos à economia, retidos no Estado para pagar a agiotagem e os juros.
O que mostram os indicadores económicos é um País a definhar, um Estado que esbulha, numa espécie de cobrança em nome de terceiros, espoliando os trabalhadores do seu rendimento para o entregar «de mão beijada» aos grandes grupos económicos, aos monopólios e à banca.
Ao mesmo tempo, o Governo esconde que o imposto sobre produtos petrolíferos, indicador avançado, cai significativamente, como caem também as contribuições para a segurança social. Ao regozijar-se com estes números, o Governo regozija-se com o assalto aos rendimentos dos portugueses.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, a política do Governo PSD/CDS, executor do pacto de agressão concebido pelo PS, não só não resolve e agrava os principais problemas com que o País está confrontado, como destrói ativamente a nossa capacidade para sair da crise gerada pela política de direita.
Se o crescimento económico é acompanhado apenas do enriquecimento dos mais ricos e do empobrecimento da generalidade dos trabalhadores isso significa que os trabalhadores ficam com uma fatia cada vez mais pequena de uma riqueza que é ligeiramente maior, mas que são os próprios trabalhadores que produzem.
E enquanto os jovens, forçados a emigrar, não puderem regressar ao seu País, enquanto os idosos continuarem sozinhos e doentes, os trabalhadores no desemprego ou em empregos precários e mal pagos, enquanto a arte e a cultura forem desprezadas, enquanto não forem devolvidos os salários e os subsídios roubados, enquanto as escolas fechadas não reabrirem e os professores despedidos não voltarem ao trabalho, as esquadras, os tribunais e as finanças continuarem a encerrar, não se pode dizer que a economia está melhor.
O País não está melhor porque o País são as pessoas que aqui vivem e trabalham. O País da opulência obscena, dos lucros, da banca, da economia de casino pode ser a pátria dos ministros da República, mas não é a dos portugueses que vivem do seu trabalho.
A democracia portuguesa foi sequestrada pela troica doméstica e pela troica estrangeira e os partidos da troica legitimam as políticas de assalto e de abdicação do interesse nacional. Mas a fantasia, a mentira e a propaganda do Governo não apagam a situação real com que as pessoas se deparam no seu dia a dia, nas suas vidas, e muito menos apagam a revolta que cresce em cada português, contra a política de direita que não só não resolve a crise, como nos afasta da resolução necessária: derrotar o Governo, renegociar a dívida, devolver direitos, salários e pensões, apoiar a produção nacional, nacionalizar os setores estratégicos da economia, cumprir Abril.
A resposta não está, não pode estar, na submissão; a resposta está na afirmação da soberania nacional e no cumprimento do único projeto nacional verdadeiramente legítimo e democrático: a Constituição da República Portuguesa.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Vitalino Canas,
Agradeço as perguntas que coloca.
Começo por deixar uma nota sobre o seu primeiro reparo: da parte do PCP também não conte que apaguemos as responsabilidades do Partido Socialista, porque, apesar de não ser esse o foco da nossa intervenção, não seria sério apagar, por exemplo, os últimos sete anos de governo, bem como outras responsabilidades que o Partido Socialista teve no caminho que trouxe Portugal até aqui. Portanto, não nos pareceria justo fazer esse branqueamento do papel do Partido Socialista. Mas, Sr. Deputado Vitalino Canas, como disse, não foi esse o centro da sua pergunta, por isso também não será esse o centro da minha resposta.
Quanto às outras questões que nos coloca, acabei de expressar, em nome do PCP, precisamente a contradição que existe no discurso do líder do PSD, que deu a entender que o País poderia estar melhor, estando pior a generalidade dos portugueses. Provavelmente, o PSD entende que o País é a alta finança, a dinâmica das carteiras de ações dos grandes acionistas, a dinâmica da bolsa, os lucros arrecadados e os proveitos dos grandes monopólios. Mas o PSD esquece-se que o verdadeiro País não são os interesses da classe social dominante e da grande burguesia, mas, sim, os interesses da maior parte da população, pois é precisamente o povo que trabalha e produz a riqueza.
Sr. Deputado Vitalino Canas, em resposta às questões que nos coloca sobre o nome que se vai dando à saída do Programa de Ajustamento, aquilo que para o PCP é importante, Sr. Deputado, é que, independentemente do nome que se venha a dar — seja seguro cautelar, seja uma saída sem que a troica continue ou estando apenas outras instituições —, saída limpa é expressão que não entra no léxico do PCP para definir a saída das instituições estrangeiras. Aliás, depois daquilo que fizeram ao País, com a ajuda do PSD e do CDS, a saída nunca será limpa.
Sr. Deputado, sobre isso o que importa é termos a clareza de que, enquanto este Governo e estas políticas se perpetuarem e não forem derrotadas, a saída pouco importa. Independentemente de estar ou não presente a troica em Portugal e de haver ou não programa, a política de penalizar o trabalho e de beneficiar os grandes grupos económicos vai continuar e nada mudará em Maio, no dia em que a troica se for embora, para os trabalhadores portugueses. Essa é uma ideia que nos quiseram vender desde o início: quatro anos de esforço para, depois, abrirmos todo um novo caminho de luz e de crescimento económico para os portugueses.
Ontem, em reunião, tanto a troica como o PSD e o CDS deixaram bem claro que estão disponíveis para tornar permanentes os cortes e os roubos que já efetuaram e que estão disponíveis para ir ainda mais longe, como também referiu ontem o PSD, ao admitir que na função pública ainda é possível proceder a um «maior ajustamento dos rendimentos dos trabalhadores».
É uma autêntica vergonha que só demonstra que este Programa apenas conduz o País ao desastre e ao afundamento nacional. E o futuro, seja com ou sem programa, conduz ao mesmo caminho se for com os mesmos protagonistas e com as mesmas políticas.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.ª Deputada Mariana Mortágua,
Em primeiro lugar, registo, uma vez mais, a cobardia política da direita, ou seja, o facto de o PSD e o CDS não virem ao debate quando se fala da troica nacional, que aqueles partidos integram. Isto faz parte da resposta, porque, precisamente, esta fuga ao debate mostra bem que só escondendo aquilo que dizem nas reuniões com a troica é que podem continuar a difundir as mentiras que tentam, neste momento, vender aos portugueses por aproximação de um período eleitoral.
Tal como chegaram ao poder usando a mentira, mentindo aos portugueses, sabem que só mentindo aos portugueses poderão continuar a esconder os resultados das políticas e, assim, ainda terem a desfaçatez de pedir os votos dos portugueses nas eleições para o Parlamento Europeu.
Sr.ª Deputada, não é bem um desnorte, é uma tática que revela a necessidade de esconder os impactos reais das políticas que o PSD e o CDS vão levando a cabo.
Aliás, a Sr.ª Deputada referiu algumas das medidas e dos compromissos, tal como a tabela salarial única, para tornar permanentes os cortes e ir ainda mais longe nos cortes, o que contrasta com a ideia de que a saída será um alívio para os portugueses e que representará um momento de viragem.
O facto de hoje, em vésperas de eleições para o Parlamento Europeu, dizerem aos portugueses que a política está a dar resultado é profundamente contraditório com aquilo que assumem perante a troica, quando o PSD e o CDS afirmam que estão disponíveis para fazer a tabela salarial única, que estão disponíveis para ir ainda mais longe nos cortes dos salários da função pública, que estão disponíveis para continuar a flexibilizar e a fragilizar os vínculos laborais e a agilizar os despedimentos, que estão disponíveis, no essencial, para tornar permanentes todas as medidas que tomaram no âmbito de um Programa, que, como foi dito, relançaria a economia portuguesa em quatro anos.
Julgo que essa mentira que o PSD utilizou para chegar ao poder é precisamente a mesma mentira que agora terá de usar para conseguir enfrentar os portugueses na campanha eleitoral para o Parlamento Europeu. São essas mentiras que também nos cabe aqui denunciar e desmascarar.

  • Administração Pública
  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Cultura
  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Educação e Ciência
  • Regime Democrático e Assuntos Constitucionais
  • Saúde
  • Soberania, Política Externa e Defesa
  • Trabalhadores
  • Assembleia da República
  • Intervenções