Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

O pagamento da dívida e o controlo do défice

Sr.ª Presidente,
Sr.ª Deputada Mariana Mortágua,
Foi a 5 de abril de 2011 que, pela primeira vez, se falou em Portugal de renegociação da dívida, aliás, na altura apresentado como a alternativa precisamente ao rumo prosseguido pelo PS, PSD e CDS quando assinaram o pacto de agressão junto do FMI, Banco Central Europeu e União Europeia. Isso foi apresentado pela voz do Secretário-Geral do PCP, que, aliás, durante algum tempo, caminhou sozinho ao defender a renegociação da dívida nos seus prazos, montantes e juros como a solução para a situação em que o País se encontrava, como alternativa ao pacto que foi lançado sobre os portugueses, de autêntico empobrecimento e, como, aliás, referiu, de redistribuição da riqueza e reconfiguração do Estado — mais concentração no capital, rendas, lucros e juros; menos remuneração do trabalho e um Estado cada vez mais ao serviço daqueles que menos impostos pagam e cada vez mais contra aqueles que mais impostos pagam.
A questão da renegociação da dívida é hoje, como já o era em 2011, crucial e o PCP trouxe a debate esta questão quando ainda muitos notáveis a ela não se associavam e quando até alguns brandiam e agitavam os preconceitos contra os comunistas por falarem de renegociação da dívida. Aliás, alguns desses que agora compreenderam que a trajetória não é sustentável e que Portugal está claramente no caminho da rutura, rutura perante os portugueses e os compromissos constitucionais para com os portugueses e, mesmo, rutura no que toca à sustentabilidade da dívida. Cada vez mais se torna evidente que a dívida está num rumo de insustentabilidade.
A questão que se coloca neste momento é esta: Portugal continuará a sangrar 21 milhões de euros por dia, como disse, 8000 milhões de euros por ano, em juros da dívida, de pura agiotagem, sem amortizar na dívida, e fará os caprichos dos especuladores ou resgatará a soberania e a democracia, salvaguardará os direitos dos portugueses, dos trabalhadores e renegociará os termos da dívida?
Mas, Sr.ª Deputada, coloca-se também aqui uma outra questão. Falou muito da renegociação da dívida, mas é importante aprofundar também os termos em que o BE fala da reestruturação da dívida, principalmente neste contexto em que surge um manifesto de outras pessoas que se juntam a esta necessidade e aos apelos para a reestruturação da dívida. Algumas dessas considerações passam ao lado das componentes ilegítimas da dívida, que não serão pequenas; passam ao lado da questão fundamental dos constrangimentos europeus e até confiam numa eventual mutualização ou em soluções europeias, como se o capitalismo tratasse dos seus próprios males.
Para nós, PCP, é também importante clarificar estas questões fundamentais para assegurar que o País paga a dívida, expurgada das suas componentes ilegítimas mas de acordo com as suas capacidades reais, porque o contrário é, de facto, o caminho do incumprimento. Do incumprimento para os portugueses e também do incumprimento do pagamento da dívida. O que gostaria de lhe perguntar é se também o Bloco de Esquerda encara a questão nestes termos.

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