A maioria do Parlamento Europeu aprovou hoje uma resolução conjunta, apresentada pelos grupos PPE, S&D, ALDE e os Verdes/Aliança Livre Europeia, sobre os resultados do referendo no Reino Unido. Esta resolução indicia os piores propósitos sobre as opções da maioria do PE relativamente ao futuro do relacionamento da UE com o Reino Unido e sobre a postura para com aquele povo. Esta resolução é para os deputados do PCP ao Parlamento Europeu um documento inaceitável demonstrativo das opções dominantes no Parlamento Europeu em matérias como o respeito pela democracia e pela soberania dos povos.
Os deputados do PCP ao Parlamento Europeu deploram e condenam a forma como o directório de potências da União Europeia age perante uma decisão legítima e soberana do povo do Reino Unido, acenando com chantagens, aproximando-se de uma espécie de “vingança” contra o povo britânico e lançando sobre ele estigmas que constituem perigos imensos num quadro em que as políticas anti-sociais e de desrespeito pela soberania dos povos abrem campo ao crescimento da extrema-direita.
A forma como esta resolução usa e manipula a invocação do artigo 50.º do TUE para dar início ao processo de saída do Reino Unido da UE, pretendendo que este seja completamente condicionado pela vontade do directório de potências e conduzido nas instituições da União Europeia por si dominadas, demonstra o objectivo de basear esse processo na chantagem e nas pressões à livre decisão do povo britânico.
A resolução aprovada pela maioria do PE visa desencadear um processo de dita “negociação” que na realidade pretende transformar a concretização da vontade de um povo numa verdadeira tortura. Visa ainda condicionar por via do processo de saída as relações bilaterais entre estados soberanos, condicionando as futuras relações dos Estados-Membros com o Reino Unido.
Neste contexto, os deputados do PCP ao Parlamento Europeu declaram que Portugal e os seus órgãos de soberania têm todo o direito e o dever de desenvolver com o Reino Unido um quadro próprio de relações económicas, políticas e culturais orientadas pelo principio do interesse mútuo, da amizade entre os povos e a cooperação entre estados soberanos. Essa é uma inalienável liberdade soberana de cada Estado que nenhum processo negocial conduzido pela UE pode proibir ou condicionar.
A resolução agora aprovada pela maioria do PE está em contra-mão com a realidade. Constitui uma fuga em frente que não consegue esconder nem mitigar o problema de fundo que o referendo britânico expressa: os povos da Europa estão cada vez mais distantes e em oposição ao processo de integração capitalista – a União Europeia. É por isso que esta resolução oculta as consequências das políticas e decisões da União Europeia no aspecto político, social e económico. Consequências que são também as causas de motivações racistas e xenófobas que se manifestam no Reino Unido e que a própria União Europeia alimentou ao assinar o acordo pré-referendo com o Governo de David Cameron.
Para a maioria do Parlamento Europeu não existe uma crise económica e social, a União Europeia não está ferida de legitimidade nem envolta numa profunda crise política, o que diz muito da sua natureza de classe. Essa maioria acaba de aprovar uma Resolução que faz recordar a imagem da orquestra que vai tocando no convés enquanto o navio se afunda. Face a um acontecimento de tão grande importância política, a maioria do PE reafirma o mesmíssimo rumo da União Europeia, defendendo que o caminho é o de reforçar a integração política, económica, monetária e militarista.
Esta Resolução não só não resolve nenhum problema, como traça o rumo para os aprofundar. A União Europeia, cuja agenda racista e xenófoba contribuiu para que este aspecto assumisse importância na discussão do referendo britânico, continua a defender com esta Resolução a sua política migratória cujos criminosos resultados estão à vista de todos e são um líbelo acusatório da natureza desumana da política da UE.
Aprofundar o Tratado de Lisboa é outra orientação defendida na resolução, da qual o PCP discorda frontalmente e para a qual já apresentou propostas alternativas.
Foi no quadro do Tratado de Lisboa e dos Tratados que o precederam que se gerou a actual situação. Não será neste quadro que ela poderá ser superada, pelo contrário, apenas se agravará. Novas fugas em frente, com novos avanços na concentração de poder no seio da UE, só agravarão tensões e contradições. O que é necessário é consagrar a reversibilidade dos tratados que regem a integração, nomeadamente o Tratado de Lisboa, tendo em vista a sua revogação, a par da revogação do Tratado Orçamental. Proposta a ser discutida no âmbito de uma conferência intergovernamental, que deveria estar a ser lançada no Conselho Europeu de hoje e amanhã, tal como o PCP propôs.
Este rumo conduzirá inevitavelmente ao aprofundamento do fosso que já separa um processo fechado em si próprio, dos interesses dos povos, que o contestam de forma crescente. É por isso que os deputados do PCP rejeitam liminarmente esta resolução.
O referendo britânico deve ser encarado como uma oportunidade para questionar todo o processo de integração capitalista. Esse é o único caminho possível para não acontecer aquilo que já está a acontecer: uma “União” Europeia que divide a Europa e a lança em caminhos com grandes perigos pela frente. Para tal é necessário coerência, firmeza, clareza e coragem.
Os deputados do PCP rejeitam a agenda que esta resolução contém de defesa dogmática da União Europeia e de fugas em frente que apenas acentuarão todas as contradições. Rejeitam de igual forma as ilusões e cantos de sereia em torno de uma perspectiva reformista da União Europeia.
A solução para os gravíssimos problemas que afectam os povos da Europa não está no aprofundamento do processo de integração capitalista, não está na consigna vazia de verdade e de compromisso com os interesses dos povos de “Mais” ou “melhor” União Europeia.
Salvar a Europa significa derrotar a União Europeia, porque é esse processo e a sua natureza de classe que estão a agravar a exploração dos trabalhadores e dos povos europeus beneficiando o grande capital europeu. É esse processo e a sua natureza de classe que está a permitir uma concentração inaudita de poder económico e político no continente europeu, abrindo campo a relações de domínio económico e político de recorte colonial.
Outra Europa é necessária e é possível. Uma Europa que rejeite a exploração e a opressão e se baseie na cooperação, na paz, na solidariedade, no respeito mútuo e na defesa da soberania dos povos. O PCP bateu-se e continuará a bater-se para que a vontade dos povos seja respeitada. Os deputados do PCP ao Parlamento Europeu afirmam com grande confiança que o processo de integração capitalista que a UE representa não é irreversível. Assim o provou o referendo britânico e assim o está a provar e provará a luta dos trabalhadores e dos povos da Europa.
Os deputados do PCP ao Parlamento Europeu confiam profundamente na capacidade, criatividade e luta dos povos e das forças progressistas na Europa. A convergência das suas lutas será o factor que permitirá derrotar o processo de integração capitalista e construir uma Europa de todos e para todos, onde todos sejam iguais em direitos e onde à lei do mais forte se sobreponha a paz e a cooperação entre os povos, a justiça e a defesa do progresso social.