Os Direitos Económicos e Sociais e a Estratégia de Lisboa

"...Pretendemos com esta iniciativa abordar a aplicação dos direitos económicos e sociais na União Europeia, dando particular realce à concretização da chamada “Estratégia de Lisboa”, aprovada há três anos, quando se estava numa fase de alguma euforia do crescimento económico, o que permitiu avançar com uma proposta que, embora muito contraditória, definia um novo objectivo estratégico para a União Europeia: tornar-se, até ao final de 2010, no espaço económico mais dinâmico e competitivo do mundo. O que logo prenunciava um caminho perigoso, que tenderia a sacrificar o social em favor do económico, como então denunciámos.

No desenvolvimento do seu conteúdo, a proposta incluía três eixos fundamentais:

  • acelerar reformas estruturais, designadamente o processo de liberalização de sectores fundamentais da economia, de infra-estruturas e de serviços, destacando-se telecomunicações, gás, electricidade, transportes, serviços postais e serviços financeiros a que adicionaram a necessidade de maior flexibilidade no mercado de trabalho e da privatização de parte da segurança social com o pretexto de responder ao desafio do envelhecimento da população;
  • estabelecer metas quanto ao crescimento da taxa de emprego até 2010 (70% global e 60% e para as mulheres). Falava-se de pleno emprego e da sua qualidade, apontando-se a necessidade de apostar na educação e formação, no conhecimento, na investigação, inovação e novas tecnologias;
  • apostar na modernização do modelo social, apontando-se para uma nova Agenda Social, e salientando-se a necessidade de combater a pobreza e exclusão social, o desemprego e os baixos níveis de escolaridade.

Entretanto, em 2001, no Conselho Europeu de Gotemburgo, foi aditada a dimensão ambiental à estratégia de Lisboa, apontando três vertentes (económica, social e ambiental) para uma estratégia de desenvolvimento sustentável eficaz.

É, pois, neste contexto que deve ser feito o balanço da "Estratégia de Lisboa" e analisadas as decisões da recente Cimeira da Primavera, incluindo a sua aplicação em Portugal, tendo em conta também as posições do patronato europeu (UNICE) e português (AIP e CIP) que recentemente reafirmaram o seu apoio às linhas de acção traçadas em Lisboa, considerando-a “uma base importante para a prossecução do objectivo estratégico de tornar a UE no espaço económico mais dinâmico e competitivo do mundo baseado no conhecimento”.

Ora, a verdade é que os maiores avanços deram-se em tudo o que se referia às liberalizações, designadamente nos serviços financeiros e áreas conexas, na energia, em certas áreas dos transportes, serviços postais, céu único e acesso aos serviços portuários, estando a decorrer negociações visando novas liberalizações. Que só não foram mais longe graças à luta dos trabalhadores em toda a União Europeia...

Há, entretanto, uma crescente pressão para novas regras da concorrência, dos serviços e concursos públicos, certos aspectos da tributação e da aplicação do método de coordenação aberta a cada vez mais sectores, incluindo as pensões e a saúde, visando pressionar a privatização de alguns serviços mais rentáveis. Igualmente se mantém a pressão para liberalizar serviços, promover o investimento empresarial na investigação, desenvolvimento e inovação e flexibilizar o mercado de trabalho.

Quanto à coesão social, a Comissão Europeia lamenta a falta de dados actualizados sobre o combate à pobreza e exclusão social. Reconhece os poucos progressos na contenção do abandono escolar precoce e na redução da desigualdade entre homens e mulheres. Mas esta lamentação e reconhecimento não têm correspondência nas propostas apresentadas e nas decisões do Conselho, que ficam muito aquém do que era necessário e tenderão a agravar o que se passa na área social. Por outro lado, reconhece ainda que a nível da dimensão ambiental e do desenvolvimento sustentável, as catástrofes naturais e as provocadas pelo Homem, como o recente naufrágio do Prestigie, exigem a implementação de legislação ambiental e a utilização de instrumentos económicos.

Face ao fraco crescimento do emprego, à sua óbvia baixa qualidade, ao agravamento do desemprego em diversos países e ao abrandamento da situação económica, a Comissão, embora reafirme que os objectivos de Lisboa permanecem ao alcance, afirma não ser certo ainda que possam ser cumpridos, dadas as condições políticas e económicas que dificultam o seu cumprimento. Mas nunca reconhece as contradições existentes em toda a estratégia, designadamente que a insistência em acelerar liberalizações e privatizações e a teimosia em manter critérios de convergência nominal do Pacto de Estabilidade, ainda que com maior flexibilidade, são as principais causas do agravamento do desemprego, o bloqueio essencial à criação de empregos de qualidade e um entrave a maior inclusão social.

Registe-se que na sequência da Cimeira de Lisboa foi decidido avançar com a estratégia de luta contra a pobreza e exclusão social, na base do método de coordenação aberta, incluindo a elaboração de Planos Nacionais de Inclusão Social. Está, neste momento, a ser elaborado o segundo plano. Mas quem conhece o que se passa com o primeiro? Quem sabe como está a ser elaborado o segundo que o Governo português deve apresentar até Julho? Na semana passada nem o responsável do Comissariado para a Imigração conhecia algo, apesar desse ser um tema fundamental a tratar, por decisão do Conselho de Copenhaga, em Dezembro de 2002.

Quanto às conclusões desta Cimeira da Primavera, impunha-se que o Conselho fosse capaz de inverter as orientações políticas neoliberais e enveredar por uma política que desse prioridade ao emprego, ao investimento público, à inclusão e à coesão económica e social para encarar de frente a desaceleração económica, o desemprego e a pobreza e exclusão social que se mantêm com valores elevados na União Europeia. Mas lamentavelmente não o fez.

Em vez de parar com o processo de liberalização de sectores e serviços públicos essenciais, insiste na aceleração das reformas económicas assentes prioritariamente no processo de liberalização em sectores e serviços, na competitividade das empresas, no reforço da coordenação das políticas orçamentais e na estratégia do mercado interno, secundarizando sempre a área social e subordinando os objectivos do mercado laboral, da educação e da sociedade ao espírito empresarial. Deste modo adultera princípios do próprio Tratado e põe em causa a sua concretização, designadamente a coesão económica e social, a solidariedade, a defesa do ambiente, da saúde pública e segurança alimentar, dos serviços públicos e dos direitos sociais, do desenvolvimento sustentado e da qualidade de vida. O que é inaceitável.

Em vez de suspender o Pacto de Estabilidade para rever os irracionais critérios de convergência nominal e apostar numa política de desenvolvimento económico capaz de fazer frente à incerteza e instabilidade internacional, agravada pela guerra injusta, ilegítima e ilegal contra o Iraque, reafirma a necessidade do cumprimento do Pacto que alguns países ignoram (caso da França e Alemanha), mas que outros utilizam para justificar uma política restritiva e classista, como em Portugal. Assim, escamoteia as graves dificuldades que alguns Estados-membros enfrentam e as graves consequências sociais e económicas que a obsessão com o corte em investimentos e despesas públicas sociais está a provocar, impedindo a concretização de objectivos na área da criação de emprego de qualidade e de maior inclusão social, e aumentando as tensões sociais e a instabilidade laboral. Mesmo quando reconhece a necessidade de apresentar uma declaração sobre os serviços de interesse geral, remete a sua elaboração para o "novo" Conselho Competitividade subordinando-a, assim, às regras da concorrência. O que não é aceitável porque agrava desigualdades sociais.

Em vez de fazer frente ao aumento das reestruturações, deslocalizações e encerramento de empresas europeias e multinacionais que estão a despedir milhares de trabalhadores e a pôr em causa o desenvolvimento regional de vastas zonas em crise, onde escasseiam alternativas de emprego, implementando medidas urgentes, como o Parlamento Europeu defende, com a aprovação de uma Resolução em que colaborámos, o Conselho optou por dar absoluta prioridade à competitividade das empresas, insistindo nas reformas estruturais do mercado de trabalho, na mobilidade dos trabalhadores, na flexibilização e precarização do trabalho para se adaptar às condições económicas.

Daí que fique a pergunta, como tive ocasião de referir na intervenção no debate em Bruxelas, sobre a razão de ser da criação do Grupo de Missão para o Emprego. Será para sossegar alguma inquietude em consciências onde ainda resta alguma sensibilidade aos problemas de milhões de desempregados, ou visa apenas encontrar formas de contornar a aplicação da Estratégia Europeia de Emprego para facilitar a aplicação das orientações cada vez mais neoliberais, apostando na precarização crescente do emprego e no trabalho temporário...".

Ilda Figueiredo

Dependência externa

O défice da Balança de Transacções Correntes, que nos mostra que estamos a comprar mais bens e serviços ao exterior do que vendemos, tem vindo a deteriorar-se de década para década . Por outro lado, aumenta o nosso endividamento face ao exterior.

 

Rogério Silva

Dirigente da Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Indústrias Eléctricas de Portugal

"...A instalação das multinacionais no nosso País tem sido sempre apoiada com a atribuição de incentivos e apoios quer da União Europeia, quer do Estado português, envolvendo cada projecto a criação de emprego. E é precisamente no emprego, isto é, na sua instabilidade, precariedade e falta de qualidade, que começa o primeiro sinal do comportamento brutal, desumano e de falta de respeito pelo trabalhadores portugueses nas multinacionais.

A instabilidade de emprego é gerada com a deslocalização, constante, de importantes actividades e produções das multinacioais para outros países. Neste preciso momento, a norte-americana Alcoa, depois de ter deslocalizado uma considerável parte da sua produção para a Hungria, tem em curso um processo de redução de mais 150 postos e trabalho, estando mesmo comprometida a continuação da empresa em Portugal e a manutenção dos seus 1500 postos de trabalho...

A utilização abusiva do trabalho precário, seja da contratação a termo, seja no recuso ao trabalho temporário, é outra das características das multinacionais...".