Senhor Presidente Senhores Membros do Governo Senhoras e Senhores Deputados
A realidade vale muito mais que mil palavras. E a realidade mostra que as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, criadas há onze anos pela Lei 44/91, constituem o exemplo vivo de um modelo falhado.
Mesmo que a seu crédito se possam enumerar muitos debates, estudos e seminários, mesmo que a seu crédito tenhamos que arrolar a construção do metro de superfície do Porto, a verdade incontornável é que estes exemplos são excepções que confirmam a regra geral de ausência de capacidade de intervir eficazmente no dia a dia das populações residentes nos territórios metropolitanos.
A prática quotidiana e a experiência de onze anos mostram que (apesar desses exemplos) o poder dos órgãos metropolitanos foi sempre meramente político, resultante de capacidades ou de circunstâncias conjunturais mas, nunca por nunca, foi fruto de atribuições e competências claras e objectivas, muito menos de recursos humanos e financeiros que alguma vez tivessem sido explicitamente configurados na lei constitutiva das Áreas Metropolitanas.
As Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto nunca tiveram – nem poderiam ter tido – um real funcionamento supra municipal e autónomo face às Câmaras que as integram. Ao assentarem o seu funcionamento em presidentes de Câmara, a lógica predominante, na ausência de poderes próprios e de capacidades para impor soluções à Administração Central, remeteu-se à defesa dos interesses individuais de cada um dos municípios, ou à lógica da guerrilha estéril entre personalidades, que nada resolveu e que quase tudo adiou.
Senhor Presidente Senhoras e Senhores Deputados
O fracasso ou pelo menos a consciência nítida de frustração relativamente ao modelo criado há onze anos, são reconhecidas por membros de quase todos os partidos.
Importa, no entanto, revisitar, ainda que brevemente, todo o processo que levou à aprovação da Lei 44/91.
Importa recordar esse processo, sobretudo por razões políticas que podem servir hoje por estarmos, finalmente, a reconsiderar o quadro legislativo futuro das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto.
Importa recordar que, já há onze anos, o PCP apresentou um projecto em que as Áreas Metropolitanas tinham poderes próprios, retirados à Administração Central, na área dos transportes, do ambiente, do planeamento do território, e onde se propunha que os respectivos órgãos metropolitanos fossem constituídos com base na legitimação essencial do voto directo dos eleitores metropolitanos.
Importa recordar também que, pelo contrário, a solução então aprovada assentou num modelo híbrido que, dando corpo a uma visão redutora subordinada a meros exercícios de calculismo político, impediu que às novas instituições metropolitanas fosse conferida plena legitimação democrática e que lhe fossem facultados meios, poderes e competências correspondentes a um exercício pleno e eficaz das respectivas funções.
Revisitar este processo permite-nos assinalar, hoje, com mais clareza, a dimensão e significado da aparente sintonia que, ainda há não muitos meses, foi possível consensualizar quanto à ineficácia do modelo aprovado em 1991 e quanto à necessidade de o alterar profundamente.
A discussão que hoje encetamos comprovará se as afirmações produzidas há cerca de um ano vão (ou não) ser agora confirmadas.
Senhor Presidente Senhoras e Senhores Deputados
Pela sua parte, o PCP tomou a iniciativa de apresentar o projecto de lei nº 110/IX para “alterar a forma de constituição dos órgãos metropolitanos” e para “reforçar os poderes e os meios de actuação das estruturas e o funcionamento das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto”.
A primeira e mais importante questão que o projecto do PCP suscita é verificar se há, como propomos, a determinação política e a vontade descentralizadora de conferir às Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto o carácter de autarquia que a Constituição prevê.
É neste aspecto que se constitui o primeiro e porventura principal confronto com o actual enquadramento legislativo, um confronto que coloca, de um lado, aqueles que, como ocorre com o PCP já desde 1991, defendem a instituição das Áreas Metropolitanas enquanto autarquias, e aqueles que, de outro lado, mantém uma posição próxima da limitada figura das associações de municípios, ainda por cima impostas por lei, fórmula que acabou por vencer há onze anos, e que é integralmente recolocada na proposta de lei do Governo – naquilo que constitui uma opção governamental completamente imobilista e desatenta à experiência adquirida.
Mas a verdade é que, se em 1991 era apenas o PCP a defender a atribuição de plena natureza autárquica às Áreas Metropolitanas, hoje parece ser (pelo menos aparentemente) bem diferente a situação, vindo a talho de foice invocar tomadas de posição tão insuspeitas como claras que, sobretudo nos últimos dois anos, têm sido produzidas sobre esta questão.
Recordo, por exemplo, as posições e os contributos formais que, quer o PSD quer o PS, produziram ainda há dois anos no âmbito de discussões alargadas sobre o futuro das Áreas Metropolitanas. Aí, ainda que por processos diferenciados, ambos os partidos reconheciam a urgente necessidade de conferir legitimação electiva directa aos órgãos metropolitanos.
Recordo também testemunhos de diversos autarcas, quer da Área Metropolitana de Lisboa, quer da Área Metropolitana do Porto, que têm defendido alterações profundas na forma de composição dos órgãos metropolitanos e que têm defendido a eleição directa da Assembleia e da Junta Metropolitana e, simultaneamente, a distanciação (e natural incompatibilidade) entre o exercício do cargo de Presidente de Câmara com o exercício de cargos executivos na Junta Metropolitana. Recordo, exemplo entre outros, diversas intervenções e textos escritos do já falecido Prof. Vieira de Carvalho, ex Presidente da Junta Metropolitana do Porto.
Por fim, lembro também o próprio Presidente da República que, há cerca de dois anos, durante um Seminário organizado pela Área Metropolitana de Lisboa, reconheceu que as questões metropolitanas não poderão ter resposta adequada se não existir (passo a citar) “uma legitimação democrática do governo da rede no que respeita às funções que lhe foram atribuídas” (fim de citação).
Senhor Presidente Senhoras e Senhores Deputados,
Uma outra questão central do projecto de lei do PCP tem a ver com a reconhecida necessidade de alargar as parcas atribuições que a actual lei 44/91 confere à Área Metropolitana de Lisboa e Porto.
Trata-se de atribuir a estas Áreas Metropolitanas competências claras e bem definidas, que aliás nunca tiveram, trata-se de serem definidas novas funções e de serem conferidas capacidades reais de intervenção em áreas tão diversas como o planeamento e ordenamento do território, como a coordenação da intervenção dos diferentes níveis da Administração, ou de empresas concessionárias de serviços públicos ou, igualmente, no apoio à acção municipal.
E neste aspecto importa relevar que uma preocupação central das alterações legislativas consignadas no projecto de lei do PCP tem a ver com a absoluta necessidade de articular a acção metropolitana com a acção municipal. Por isso mesmo propomos a criação de um novo órgão, o Conselho de Municípios, constituído pelos presidentes das Câmaras que integram as Áreas Metropolitanas, a quem é cometida a responsabilidade de emitir pareceres prévios sobre diversas questões, sendo que tais pareceres são mesmo vinculativos em determinadas áreas como as que se prendem com os instrumentos de ordenamento do território metropolitano.
Por outro lado, e a menos que se queira adiar por mais onze anos (se calhar mais) a necessidade de introduzir modificações reais no actual modelo legislativo, é igualmente fundamental – tal como defende e propõe o PCP no seu projecto de lei – que sejam também conferidos poderes efectivos às áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Estas áreas metropolitanas, e os respectivos órgãos, têm que ter capacidade real de fazer vincular às suas deliberações a acção dos serviços da Administração Central sedeados nos territórios metropolitanos. Em matérias fulcrais que se propõem venham a constituir competências específicas das áreas metropolitanas, como é o caso dos sistemas de transporte, da rede viária regional, do ambiente e recursos hídricos, de equipamentos de natureza diversa, há que fazer com que os departamentos e outros organismos da Administração Central com intervenção no território metropolitano passem a estar vinculados à acção e às deliberações do poder metropolitano.
Senhor Presidente Senhoras e Senhores Deputados
O edifício em que o PCP se propõe basear o futuro da acção e do funcionamento das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto assenta em síntese em quatro elementos centrais:
- articular a acção metropolitana com as administrações municipal e central sem nunca limitar ou interferir com as competências e os poderes locais;
- alargar atribuições e definir competências claras na área supra municipal através de transferências oriundas da Administração Central;
- conferir poderes reais à acção metropolitana que assentará numa estrutura ligeira de serviços vocacionados para o estudo técnico, o planeamento e o apoio à decisão, e que será suportada numa adequada e racional transferência de meios.
- conferir legitimidade democrática à constituição dos órgãos metropolitanos, que deixarão de ser formados na base da representação municipal para adquirirem o estatuto de representação directa conferida pelo voto das populações.
Senhor Presidente Senhoras e Senhores Deputados
Discute-se também hoje a proposta de lei do Governo que pretende estabelecer o “regime de criação e o quadro de atribuições e competências das áreas metropolitanas e o funcionamento dos seus órgãos”.
O que o Governo pretende não é conferir natureza autárquica às actuais e às futuras áreas metropolitanas. O que o Governo deseja, no fundo, é manter o actual funcionamento dos órgãos das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto – sem uma única modificação essencial – e, simultaneamente estender esta experiência, rejeitada por tantos e tantos, a novas áreas metropolitanas que se venham a criar noutras zonas e regiões do país.
O que o Governo propõe é estabelecer uma espécie de regime especial de associação de municípios, a criar em função do preenchimento de determinadas condições de partida, e que darão origem a dois tipos de entidades: as chamadas “grandes áreas metropolitanas”, que poderíamos designar por áreas metropolitanas de primeira categoria, e as chamadas “comunidades urbanas” a que inevitavelmente vai ser associado o epíteto de áreas metropolitanas de segunda categoria.
Mas, na essência, o que o Governo pretende, nos dois casos, é manter e alargar uma solução com resultados globais negativos comprovados ao longo de onze anos.
No que respeita às áreas metropolitanas existentes, o que agora se propõe constitui uma mera reposição do que já estava previsto em 1991, isto é, insiste-se em retomar um enquadramento fluido e híbrido que provou ser ineficaz, não se objectivam nem se clarificam competências próprias e faz se depender a sua eventual assumpção de contratualizações, posteriores e avulsas, com o Governo Central. E se, no que respeita à clarificação das competências, a proposta de lei do Governo nada acrescenta ao que a Lei 44/91 já estipulava para as Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, quanto aos poderes efectivos (mesmo que aparentemente endossados a estruturas operacionais de apoio), eles vão certamente esbarrar na inexistência pura e simples de conteúdos concretos para o respectivo exercício.
A preocupação central da proposta do Governo parece ser, exclusivamente, abrir a possibilidade de criar novas áreas metropolitanas (em Aveiro, Braga, Coimbra, Faro, Leiria, Santarém ou Viseu), se bem que essa possibilidade – que aliás pode e deve ser encarada – esteja simultaneamente a comprometer a evolução das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto – sobre as quais há reflexão feita e experiência adquirida – para ou outro tipo de entidades, verdadeiramente descentralizadas, com competências e capacidades reais de intervenção no quotidiano das populações.
Com o pretexto de alargar a organização metropolitana a todo o país, ainda que sempre sob a forma limitada de associação de municípios imposta por lei, o Governo pode assim estar a gerar “áreas metropolitanas” que não tenham correspondência concreta com o que, a nível europeu ou mundial, se entende por entidades metropolitanas – realidades físicas e territoriais caracterizadas por elevadas concentrações populacionais e contínuas densidades urbanas.
Com esta proposta, o Governo parece estar mais preocupado com realidades virtuais que ficam na pendência de decisões políticas (isto é, a futura existência de áreas metropolitanas pode não ser consequência de uma realidade concreta de natureza metropolitana, antes poderá ficar pendente de uma qualquer conjuntura política circunstancial). O que pode configurar a possibilidade do país poder vir a ter, pelo menos em hipótese, um número inusitado de áreas metropolitanas face à sua dimensão territorial e à respectiva densidade demográfica.
Esta é, porém, uma questão relativamente secundária já que, noutro plano, estão criadas certas expectativas – algumas aliás inteiramente legítimas e adequadamente suportadas por realidades concretas – a que importa dar resposta e justo seguimento.
Mas a par destas respostas, o objectivo essencial das discussões e dos debates que hoje se reiniciam, e a que é importante dar seguimento, tem a ver com a necessidade de criar um novo figurino institucional e um quadro funcional diferente e objectivo para as áreas metropolitanas. E por maioria de razão, fazer com que as Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto adquiram um estatuto e um regime jurídico assentes numa base diferenciada de composição, de poderes, de competências e de organização interna.
O PCP, que em Junho avançou com a iniciativa legislativa que está na base desta discussão, reitera total disponibilidade para aprofundar a discussão sobre o futuro modelo de organização metropolitana. Contudo não aceitará que a síntese final não reflicta plenamente a experiência adquirida e se possa vir traduzir por mais uma oportunidade perdida!