Intervenção de

Orçamento de Estado contra os trabalhadores. PCP confronta Governo

Debate com o Primeiro-Ministro Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Neste debate morno, que deveria ser o das primeiras escaramuças resultantes da proposta orçamental, ficou a pairar uma frase que o Sr. Primeiro-Ministro aqui disse, a de que direita (PSD e CDS) não pediu nada em troca da viabilização do Orçamento.

Creio que esta é uma frase marcante na medida em que o que a direita fez (pode-se apontar-lhe muitos defeitos, mas temos de reconhecer que tem coerência na definição de uma política económica e social), conjuntamente com o Governo, foi salvar a política de direita. Essa, sim, é a questão!

O interesse nacional tem as costas largas, Sr. Primeiro-Ministro. Tem as costas largas...

O que a direita subscreve, neste Orçamento, é o facto de estarem lá, preto no branco, as privatizações do que é o «bife do lombo», passe o termo, Sr. Primeiro-Ministro: a ANA, a REN, a TAP, aquilo que interessa aos grandes senhores do capital. A direita está de acordo com isso!

Em relação ao sector financeiro, quase me apetecia chorar quando ouvi aqui o Sr. Primeiro-Ministro dizer que o sector está debilitado, que precisa, nesta fase, de ganhar confiança e, enfim, mais lucros!

A primeira pergunta que deixo é esta: por que é tão sensível a essa debilidade circunstancial do sector financeiro e é tão implacável com os salários dos trabalhadores da Administração Pública, com a liquidação de postos de trabalho na Administração Pública, com a situação dos enfermeiros, em que, aparentemente, negoceia apresentando propostas mais recuadas do que as do anterior governo?

É tão implacável com os desempregados sem subsídio e com os trabalhadores da Administração Pública (que começam a pagar já a dobrar) e tão sensível com o sector financeiro. Explique essa contradição, Sr. Primeiro-Ministro!

Disse que não há nisto ideologia, mas há! Este Governo fez uma opção: está do lado dos mais poderosos, está do lado daqueles que mais têm e mais podem, e não do lado de quem trabalha, dos trabalhadores, dos desempregados, daqueles que têm reformas baixas, daqueles que vivem do seu pequeno negócio. É, pois, uma opção ideológica de fundo estar do lado dos poderosos!

(...)

Sr. Presidente,

Assim não pode ser. O Sr. Primeiro-Ministro não pode colocar as coisas de uma forma enviesada, não verdadeira. Fala de dois anos dos salários dos trabalhadores da Administração Pública. Eu falo dos últimos dez, em que os salários mais baixos perderam 4% e os mais altos 7%!

Por que é que se está aqui a manipular os números? Os trabalhadores da Administração Pública sabem quem está a falar verdade ou quem está a dizer só meia verdade!

Em relação à questão da banca e à taxação dos bónus, num outro dia um trabalhador usou uma expressão espantosa quando estava a ouvir o Sr. Ministro das Finanças a tentar «vender» essa ideia. Dizia ele: «Oh, os bónus dos banqueiros... Taxem a banca, taxem os lucros e vão ver que esses bónus serão muito mais baixos!»

Faça aquilo que nós propomos, Sr. Primeiro-Ministro: proponha a taxação dos lucros, designadamente em termos de resultados bolsistas. Não o quer fazer porquê? Obviamente, faz uma opção.

Ainda me permito insistir (porque é a única forma de tentar que o Sr. Primeiro-Ministro responda a alguma coisa de jeito, a alguma coisa de concreto) em relação à situação dos enfermeiros: considera aceitável manter a proposta de 1020 € de remuneração base dos licenciados que tenham iniciado funções em 7 de Setembro de 2009, quando antes tinha apresentado uma proposta de remuneração de 1400 €? Agora baixou porquê?

Pergunte à Sr.ª Ministra da Saúde porque ela, de certeza, responder-lhe-á.

Pergunto também se considera aceitável que os enfermeiros portugueses tenham começado a sair licenciados das escolas superiores de enfermagem desde 2000, elevando assim não só as suas qualificações, as suas competências, mas também a qualidade dos cuidados de saúde que são prestados à população, e continuem a auferir remunerações como se de bacharéis se tratassem. Explique lá! Não é obrigado a conhecer o conteúdo das negociações, mas depois não se admire, Sr. Primeiro-Ministro...

Geralmente, vejo-o sempre muito distante e arrogante quando se trata destas coisas de conflitos sociais, de conflitos laborais. Mas ouça a razão desses profissionais de enfermagem e vai ver que eles têm razão. Responda positivamente aos enfermeiros, Sr. Primeiro-Ministro!

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Em relação a esta última parte da sua intervenção, gostaria de dizer-lhe que não deve estranhar a solidariedade do PCP para com as injustiças de que são vítimas os trabalhadores no ataque que é feito aos seus direitos, para com a sua luta. Não estranhe isso, Sr. Primeiro-Ministro.

O que para nós é estranho é que este Partido Socialista nunca seja capaz de demonstrar solidariedade para com uma luta, seja a dos enfermeiros, seja a dos professores, seja a da Administração Pública ou a de qualquer outro sector de trabalhadores. O mal está na falta de solidariedade do PS e não na solidariedade do PCP.

Estivemos aqui a discutir o défice, mais ponto menos ponto, se devia ter anunciado ou não, antes ou depois, mas o Sr. Primeiro-Ministro não disse uma coisa importante para os portugueses: quem é que o vai pagar? «Todos!» - vai dizer (parece que estou vê-lo!). Não. Vamos ver quem é que o vai pagar. Ora, este Orçamento aponta para que, de facto, já escolheu o alvo mais fácil, que são os salários e os postos de trabalho, e, em termos de investimento, os cortes no PIDDAC, a cativação em relação a esse mesmo investimento. Já percebemos, e por isso mesmo, Sr. Primeiro-Ministro, diga lá quem é que vai pagar o défice que aqui anunciou.

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