Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

"Orçamento comunitário serve apenas os países ricos e o grande capital financeiro!"

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O secretário-Geral do PCP confrontou hoje o Primeiro Ministro com as opções que no quadro europeu são tomadas, que não garantem no orçamento, fundos de coesão, solidariedade, convergência económica e social entre os países na União Europeia.
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Debate com o Primeiro-Ministro de preparação do Conselho Europeu Extraordinário dos dias 22 e 23 de novembro, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 21/2012, de 17 de maio
Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
A discussão e a aprovação da proposta sobre as perspetivas financeiras do orçamento da União Europeia para 2014-2020, que está em cima da mesa do próximo Conselho Europeu, é, de facto, de uma grande importância para Portugal. E essa importância é acrescida, quando o nosso País enfrenta graves problemas económicos e sociais, a exigirem o reforço do investimento para dinamizar a economia e o emprego, e quando — é bom que se diga e esperamos que o Sr. Primeiro-Ministro o lembre lá — o saldo de transferências dos fundos comunitários para o nosso País já é superado pela saída de verbas de Portugal para o conjunto dos países da União Europeia, sob a forma de juros, de lucros, de dividendos distribuídos.
Ou seja, Sr. Primeiro-Ministro, já somos um contribuinte líquido.
A proposta da Comissão Europeia, apresentada em junho passado, era já muito prejudicial para Portugal, com a redução que se propunha das verbas de coesão, que representam dois terços das transferências que Portugal recebe da União Europeia, mas também com novas imposições de alteração das regras de utilização dos fundos.
O que está em cima da mesa ainda é pior: a proposta de um corte adicional de 75 000 milhões, por pressão dos países ricos, afetando particularmente as verbas de coesão e da política agrícola comum, o que significa, segundo as notícias que vão chegando, que Portugal perderá 4500 milhões de euros de fundos, 3500 milhões de coesão e cerca de 1000 milhões das verbas da PAC, destinadas, em especial, ao desenvolvimento rural. A ser assim, é mais um orçamento não para garantir a coesão, a solidariedade, a convergência económica e social, mas para acentuar as divergências existentes no seio da União Europeia. Esta é, portanto, uma proposta mais inaceitável para Portugal.
Daí que, Sr. Primeiro-Ministro, lhe coloque a seguinte questão: nós percebemos a sua avaliação crítica, só não percebemos o que vai propor e defender no quadro do Conselho. E mais preocupados ficamos se o seu ponto de partida for a ideia de aceitação dos cortes. Ou seja, admitir, imediatamente, a redução, os cortes, não é a posição negocial que mais interesse aos portugueses e a Portugal.
Todos sabemos, Sr. Primeiro-Ministro, que os países que defendem uma drástica redução do orçamento, nomeadamente os países do diretório, como a Alemanha e a França, pretendem cortes apenas nas rubricas onde vão buscar menos dinheiro, como é o caso do Fundo de Coesão, para manter e reforçar as que lhes dão mais dinheiro, ou seja, os programas de investigação, as redes transeuropeias de transportes e energéticas, para garantir dinheiro aos seus monopólios e ajudar à colonização de novos mercados.
Tudo querem e tudo fazem, por um lado, para aprofundar a integração, porque serve os seus interesses — integração, essa, que, pela sua natureza, tem conduzido à divergência —, mas, por outro lado, o instrumento destinado a minimizar o efeito da divergência ou mesmo, desejavelmente, a promover a convergência, que é o orçamento comunitário, é reduzido, também para ir ao encontro dos seus interesses.
Não esperamos, Sr. Primeiro-Ministro, que, desta vez, venha com o argumento «bom, perdemos pouco, mas não perdemos tudo o que os outros queriam», porque isso já não resulta. Aliás, tendo em conta a situação concreta que o nosso País vive, de recessão, de desemprego, de dificuldades económicas, a questão de fundo é a de saber se o Governo português e o Sr. Primeiro-Ministro, no quadro do Conselho, vão usar um direito de voto e de veto, caso o interesse nacional seja profundamente afetado. Esta é a questão!
Também não vale a pena chegar aqui e dizer «bom, nós não estamos dispostos a bloquear uma saída mínima», porque não se percebe bem o que quer dizer, ou seja, já sabemos o que não vai fazer, mas não sabemos o que vai fazer, tendo como referência central o interesse nacional, de Portugal e dos portugueses.
(…)
Sr. ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
É evidente que ficamos profundamente preocupados quando, usando uma argumentação, diz que é contra uma redução excessiva, que é contra uma redução substancial. Ou seja, a questão está em saber o que é que o Sr. Primeiro-Ministro considera uma redução aceitável ou se o seu ponto de partida é uma redução normal. Esse é o problema que existe!
No quadro atual, em que precisamos tanto de investimento e de desenvolvimento, particularmente de crescimento e de emprego, vem aqui dizer que «admite»! Ou seja, o seu ponto de partida já é uma linha de recuo que não está definida.
Quero terminar com uma ideia em relação à questão do contribuinte líquido.
Sabe melhor do que eu que o diretório de potências desenvolve a teoria de que quem paga manda — é assim que eles dizem! Mas nas suas contas nunca é considerado que Portugal, neste momento, é um contribuinte líquido devido aos juros e aos dividendos que saem do nosso País para esses países da União Europeia, para esses poderosos. Essas contas não entram!
Portanto, é nesse sentido que afirmamos que o que queremos não é mandar — não é isso que queremos — mas, sim, ter um estatuto igual e não admitir que essa conceção de quem paga manda leve a que existam prejuízos para o nosso País, para os interesses nacionais. É isso que não aceitamos e por essa razão usamos este argumento.

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