Intervenção de Honório Novo na Assembleia de República

Orçamento do Estado para 2012 (discussão na especialidade)

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
Assisti silencioso ao debate sobre a distribuição e tributação de dividendos a sociedades externas e registei também o silêncio da bancada do PSD sobre esta matéria.
É curioso assinalá-lo num debate em que se está a debater uma posição da maioria.
Registei também que, em seis meses de 2011, o anterior responsável pela área dos assuntos fiscais deste País não clarificou uma norma aprovada no Orçamento para 2011.
Recordo ainda que, há um ano, debatemos uma proposta do PCP para tributar a antecipação dos dividendos de um grupo económico, a PT, e que o PS e o PSD se irmanaram para rejeitar a proposta do PCP.
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados,
Sobre o artigo 52.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), devo dizer que, ontem, entreguei uma cópia de uma página do Memorando assinado com a tróica, através do qual os senhores querem impor ao País, ao povo português e aos trabalhadores a recessão económica e o empobrecimento, em que a redução prevista do número de anos de dedução dos prejuízos fiscais era de três anos em vez dos actuais quatro. Ora, os senhores, no Orçamento do Estado passam para cinco anos. Ao passar de quatro para cinco, nem o Sr. Secretário de Estado nem ninguém ignora neste País que as possíveis receitas fiscais do Estado ficam prejudicadas em dezenas e muitas vezes em algumas centenas de milhões de euros.
O Sr. Secretário de Estado não explica duas coisas. Primeiro, não explica porque é que o Memorando diz uma coisa e os senhores, nesta matéria, que beliscava interesses, mesmo que fossem mínimos, dos grupos económicos e das SGPS, fazem o contrário. O senhor não fala disto e, pelo seu silêncio, confirma que esta mudança só se dá por uma razão simples: é que quem sai beneficiado com ela são os grupos económicos, as operações de fusão e de reestruturação empresarial feitas com o único objectivo de fugir à tributação fiscal. É exactamente isto que os senhores querem fazer, escondendo uma falsa equidade fiscal.
(…)
Sr.ª Presidente,
Acho que é tempo de o Governo e a maioria que o apoia não invocarem em vão os termos do próprio Memorando da tróica com que querem agredir o País.
De facto, se os senhores dizem que o Estado não tem dinheiro, nós sabemos onde ele está, Sr. Deputado Cristóvão Crespo.
Se for a Amesterdão, se for a Roterdão, se for ao Luxemburgo, se for à Suíça ou se for à Irlanda, a Dublin — aliás, também podem ir à Madeira, Sr. Deputado José Manuel Rodrigues — VV. Ex.as podem ver as sedes das SGPS do BCP, da CIMPOR, da PT, da GALP, da SONAE, da Portucel, da EDP, do Jerónimo Martins, do BES, da ZON, e por aí fora, a fugirem legalmente, com a complacência e as propostas deste Governo neste Orçamento do Estado, à tributação fiscal que teriam se a sede estivesse cá, na nossa terra e no nosso País!
Vou dar dois exemplos de que não é só aí que os senhores deixam de tributar.
Os benefícios fiscais às SGPS caducavam, até agora, ao fim de cinco anos, tal como os benefícios fiscais concedidos às fusões e reestruturações dos grupos empresariais caducavam, igualmente, até agora, ao fim de cinco anos. O que fazem esta maioria e este Governo? Prorrogam e fazem com que esses benefícios fiscais não tenham limite. Ou seja, os benefícios fiscais para as SGPS e para as fusões e reestruturações dos grupos económicos passam, pura e simplesmente, a ser eternos. E os advogados de defesa dos offshore da Madeira — e, daqui a pouco, vamos, certamente, ouvir falar um deles, o Deputado José Manuel Rodrigues — querem prorrogar, com a complacência do Governo, o regime mais favorável de isenção total de IRC para o offshore da Madeira.
Só queria que me dissessem onde está, afinal, a tal ética de que fala o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e onde está a ética de austeridade fiscal deste Orçamento!?

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