Intervenção de

Orçamento do Estado para 2009 - Intervenção de Agostinho Lopes AR

 

Orçamento do Estado para 2009 (encerramento do debate na generalidade)

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

Convenhamos que é admirável, depois de anos e meses de governação, segundo os melhores cânones neoliberais, ouvir o Sr. Primeiro-Ministro indignar-se com os que defendem que o Estado deveria sair de áreas como a saúde, a educação, a segurança social, reduzido às «áreas de soberania», denunciando a «ideologia do Estado Mínimo e o programa de desmantelamento do Estado social», etc., chegando até, calcule-se, a falar de «pensamento único», que, pelos vistos, são dois: o do Muro de Berlim e o dos «produtos financeiros desregulados».

Fica-nos a dúvida se são arroubos de recém-convertido a um requentado keynesianismo ou apenas um discurso neoliberal de fachada keynesiana.

São, sem dúvida, milagres da crise financeira! Porque o neoliberalismo é, mais uma vez, a matriz do Orçamento do Estado para 2009 (proposta de lei n.º 226/X), como se demonstra na obsessão pelo défice, primeiro objectivo e critério-chave das decisões orçamentais, pela compressão dos custos do trabalho, pela redução no Estado de recursos humanos e eliminação de instrumentos económicos e serviços públicos essenciais, pelas privatizações, pelo prosseguimento da liberalização de mercados e promoção da dita regulação, conceito e prática neoliberal.

O Estado do Governo PS não sai das áreas sociais, de facto, nem liquida serviços públicos.

Não, que ideia! A técnica é outra: mete o capital privado nas áreas sociais e nos serviços públicos, por contratação, pelas parcerias público-privadas, pelas concessões, como sucede na saúde, nos transportes, no ensino, etc., para lá das privatizações propriamente ditas da Galp, da ANA, da TAP, da REN, da Inapa!

Na sua intervenção, o Primeiro-Ministro evitou uma análise rigorosa, verdadeira, da situação económica e social do País, o balanço dos seus orçamentos de Estado, da sua política.

Fugiu dos temas incómodos como o desemprego, o endividamento das famílias, das empresas e do País e fez de conta que o Código do Trabalho nada tem a ver com o neoliberalismo...

A sua «modernidade» foi a velha proclamação «pusemos as contas públicas em ordem» do Dr. Salazar e a sua «democracia», a recusa de ouvir os portugueses em referendo sobre o projecto de Tratado, federalista, militarista e neoliberal para a União Europeia.

Dizendo-se preocupado com o social e as famílias, o Primeiro-Ministro «enche» a sua intervenção com uma decisão acordada e decidida há dois anos sobre o salário mínimo. Comentando a posição do PSD, mais reaccionária do que a reacção, esqueceu-se dos seus próprios «pecados», quando, em 2005, qualificou a proposta da CGTP-IN, de 500 €, em 2010, de «absolutamente demagógica e fantasista»!

«Telhados de vidro», Sr. Primeiro-Ministro!

Mas o Primeiro-Ministro sabe que não basta a sua fixação para que vigore.

Ora, o Governo pretende, com o Código do Trabalho, dar uma brutal machadada na capacidade de os trabalhadores e de as suas organizações transformarem os acordos salariais aos diversos níveis em realidade nas empresas e locais de trabalho!

Depois, o Governo não avança com uma proposta para a reposição do poder de compra perdido em 2008 pelos trabalhadores.

O mesmo para reformados e pensionistas, a par da expropriação de cerca de 40 000 reformados dos retroactivos que lhes são devidos de 2007 e 2008.

Mas, para ter um salário e, no futuro, uma reforma, mesmo que insuficientes, é necessário ter um emprego, um posto de trabalho.

Ora, o Primeiro-Ministro esqueceu-se completamente de falar do seu objectivo dos 150 000 postos de trabalho.

Sobre as outras prioridades do Governo - saúde, educação, ensino, ciência e tecnologia e segurança -, mais do que as palavras de análise das verbas orçamentais, sobram e esclarecem as críticas e as lutas dos seus profissionais e dos seus utentes.

Esclarecem as inúmeras carências e insuficiências ao nível das instalações e equipamentos e situação dos seus recursos humanos, a que este Orçamento do Estado não responde minimamente!

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

Ao fim de três Orçamentos do Estado e de um Orçamento rectificativo, o Governo descobriu as pequenas empresas!

Descobriu que lhes devia dinheiro! Descobriu que precisavam de linhas de crédito, que precisavam de uma fiscalidade adequada.

Hoje, depois de deixar falir milhares e de outras milhares caírem em situações já de difícil sobrevivência, anuncia que vai salvá-las!

Mas não vai.

O que o Orçamento do Estado para 2009 tem para oferecer às pequenas empresas são as sobras do festim oferecido ao sector financeiro e a algumas grandes empresas monopolistas e umas tacanhas medidas fiscais.

A questão central para a generalidade das pequenas empresas portuguesas e para a economia nacional é a dinamização e defesa do mercado interno, ou seja, mais poder de compra dos portugueses e maior capacidade financeira das autarquias locais.

Ora, a isto não responde o Orçamento do Estado.

O Governo PS nega-se a ver o endividamento das famílias, das empresas e do País.

O Primeiro-Ministro, tal como relativamente ao emprego, nem sequer aflora a questão. No entanto, a situação é já o principal problema do País!

Percebe-se porquê. Assim não precisa de explicar porque aumentou, entre 2004 e 2007, a dívida das famílias em percentagem do PIB de 23 pontos percentuais, a dívida das empresas não financeiras de 15 pontos percentuais e o endividamento externo líquido de 25 pontos percentuais, sendo que este é o nosso mais significativo e grave défice.

Dívidas que continuaram a crescer em 2008! Porque é que isto aconteceu, agravando uma evolução que vinha dos governos anteriores?

O Governo não quer esclarecer o problema.

Assim, o Governo absolve as suas políticas e pelo caminho iliba o sistema financeiro!

Durante anos, os bancos portugueses foram alavancando os seus balanços com dívida externa, alguma dela a muito curto prazo, apenas com a mira de fazer crescer os seus números e os seus lucros, concedendo mais e mais crédito.

Se o crédito à economia produtiva era pouco, se o crédito à habitação acusava alguma desaceleração, se o crédito ao consumo era insuficiente para fazer crescer os números, então desviavam-se os recursos obtidos para as participações financeiras, em carteiras de acções e de fundos mobiliários e imobiliários, na procura de mais-valias.

Foram anos de maná, em que, com a cumplicidade das autoridades de supervisão e do Governo, a banca portuguesa criou desequilíbrios na estrutura do seu passivo, mas com excelentes resultados no curto prazo para os seus accionistas, à custa do agravamento do endividamento externo e da deterioração de rácios de solvabilidade.

Mas não há problemas. Aí está o Governo solícito, com o dinheiro dos contribuintes, a amparar com 4 mil milhões, mais os vinte mil milhões de aval.

À predação, pela banca, das famílias, das empresas não financeiras e dos sectores produtivos, com comissões e taxas de juro efectivas especulativas, juntou-se a «gula» de grandes ex-empresas públicas fornecedoras de bens e serviços essenciais, em geral não transaccionáveis. Com o alto patrocínio da política de direita e de sucessivos governos, com destaque para o actual, e as suas entidades reguladoras, através de preços de monopólio, o saque foi um «ver se te avias».

Olhemos, por exemplo, para os preços dos combustíveis neste ano de 2008 e os lucros da Galp e restantes gasolineiras! Reflictamos sobre os 900 milhões de euros de lucros da EDP no fim do 3.º trimestre deste ano de crise e os aumentos das tarifas.

O contraponto para o elevado endividamento das famílias e pequenas empresas, por insuficiência, respectivamente, de salários e lucros, são os lucros obscenos dos grupos económicos que controlam o sector financeiro e essas empresas.

Depois, para cúmulo, não pagam a justa contribuição fiscal, gozam de favores fiscais e de grossos incentivos financeiros do Estado.

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

A grande «bandeira» do Governo, bem patente na intervenção do Primeiro-Ministro, é a consolidação orçamental! «Pusemos as contas públicas em ordem»; «A crise orçamental ficou para trás...» - repete o Primeiro-Ministro - «... sem recorrer a receitas extraordinárias...», a que acrescenta, «... geradoras de encargos futuros».

Para ser consequente, deveria falar também das receitas extraordinárias das privatizações, engolidas pela dívida pública, e geradoras de prejuízos presentes e futuros! Mas, sobretudo, o Governo devia ser mais prudente.

Outros, antes dele, supuseram ter enjaulado o dito monstro.

Depois, verificou-se que o alarme era falso.

As recentes previsões de Outono da Comissão Europeia mostram que a solidez dos valores dos rácios do défice e da dívida pública face ao PIB tem «pés de barro».

O Governo deve explicar como vai evitar essas previsões!

Srs. Deputados, o debate na generalidade confirmou um Orçamento do Estado incapaz de responder à crise económica do País.

Um Orçamento do Estado com falta de rigor, que não hesita na manipulação de previsões com objectivos propagandísticos.

É mais um Orçamento do Estado que denota uma elevada falta de transparência.

A Assembleia da República vai escrutinar e votar projectos de centenas ou poucos milhares de euros, como a sede de um rancho folclórico, enquanto nada sabe nem decide sobre importantes projectos de milhões de euros como os do PARES ou da Estradas de Portugal.

Mas é um Orçamento do Estado consequente com os anteriores três Orçamentos de Estado e um Orçamento rectificativo e três anos e meio de governação PS/Sócrates, com os resultados que se conhecem: mais desemprego, maior precariedade, mais emprego não qualificado, menos investimento, mais dívida pública, maior défice comercial, maior endividamento externo, maior endividamento das famílias e empresas, menor poupança, pior distribuição do rendimento, maiores desigualdades sociais, maiores desequilíbrios regionais, menos saúde e menos educação, menos apoio no desemprego.

Pior era difícil, Srs. Deputados!

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