Intervenção de

Orçamento do Estado para 2007 - Intervenção de Honório Novo na AR

Declaração política pronunciando-se sobre o Orçamento do Estado para 2007, acusando o Governo de cortar no  investimento público e de pautar a política orçamental pela obsessão do défice

 

 

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

Bem pode o Governo continuar a lançar operações mediáticas para fazer passar o seu Orçamento do Estado para 2007. Pode até organizar mais umas quantas sabatinas no Refeitório dos Frades - ou talvez, quiçá, no Convento do Beato - para o «mago ministro do orçamento» poder fazer mais uma sessão pública de lançamento do seu novo guião publicitário, desta vez sob a forma de pen electrónica.

Pode o Governo fazer tudo isto e muito mais, porque os portugueses já começam a entender os truques, já perceberam o que verdadeiramente está em jogo e o que podem esperar das opções políticas que presidem ao Orçamento do Estado para o próximo ano.

A verdade é que o Orçamento do Estado para 2007 vai continuar a manter o País numa rota de divergência relativamente à média dos nossos parceiros comunitários. Desde 2001 que Portugal se afasta da média de crescimento da União Europeia e várias das nossas regiões-plano tendem a ocupar os últimos lugares do desenvolvimento europeu.

A verdade é que o que dita a elaboração do Orçamento do Estado não é a preocupação do rigor, não é o desenvolvimento do País ou a melhoria da qualidade de vida dos portugueses e não é, seguramente, uma preocupação de justiça social ou de equidade fiscal; o que motiva e dita as opções do Governo é uma contínua e cada vez mais reforçada obsessão orçamental, é uma total e completa obediência às imposições do Pacto de Estabilidade e são opções que tudo empenham e sacrificam - os interesses do País e dos portugueses - às orientações transmitidas para Portugal a partir de Bruxelas e dos gabinetes do Banco Central Europeu.

Mas, como não podia deixar de ser, há quem vá pagar e sofrer na carne as consequências das opções governamentais.

Sofrerão os trabalhadores, em especial os da Administração Pública, que, pelo 7.º ano consecutivo, poderão vir a ter aumentos salariais que de novo se irão traduzir em perdas do poder de compra. O Governo nem sequer admite corrigir os erros das suas próprias previsões para o ano em curso. O Governo, que reconhece que a inflação em 2006 vai ser maior do que o que previra - no mínimo 10% acima, por mais que tente desvalorizar a diferença -, nem sequer quer ouvir falar em compensar os funcionários públicos no simulacro de negociações salariais que estão em curso.

E mesmo quando o aumento previsível do custo de vida aponta para valores bem superiores, com destaque para a anunciada subida de 16% do custo da energia eléctrica, que Governo, através da voz de um secretário de Estado, tem o descaramento de afirmar ser da responsabilidade dos consumidores, isto é, dos portugueses, procurando, desta forma, ocultar que são as imposições decorrentes da chamada liberalização do sector eléctrico que vão fazer disparar esses preços. O Governo insiste em «vender», no Orçamento do Estado para 2007, uma mirífica inflação de 2,1% e em querer impor novos aumentos salariais de apenas 1,5%.

Sofrerá também, Srs. Deputados, e de que maneira, o País e o seu desenvolvimento.

Com novos cortes no investimento público e com níveis de investimento no PIDDAC, que, em algumas regiões e distritos, conseguem baixar a níveis inferiores a 1997, repito, a 1997, o Governo despreza uma conjuntura externa que, apesar do preço do petróleo, tem sido favorável e podia e devia ser aproveitada. Pelo contrário, o Governo escolhe e promove uma política de estagnação, de contracção do consumo interno e de desvalorização da capacidade produtiva, que o investimento público poderia e deveria contrariar, condenando, assim, o País a crescentes atrasos face aos seus parceiros comunitários e provocando, desta forma, o agravamento de assimetrias, que colocam em causa a coesão nacional.

uanto ao investimento, apenas uma referência, que é exemplar, Srs. Deputados, mas que, só por si, diz tudo quanto à tão propalada aposta do Governo na formação integral dos portugueses. Apesar de conhecerem e reconhecerem as lacunas e apesar do papel de parceiro que o Estado já hoje assume nesta questão, o Governo anuncia para 2007 que o programa de comparticipação nos investimentos para a construção da rede da educação pré-escolar vai ser encerrado.

Repito: o programa governamental para o pré-escolar vai ser encerrado.

É esta a verdadeira dimensão da «aposta» do Governo na formação das futuras gerações!

Srs. Deputados, sofrerão igualmente - e de que maneira! - os portugueses em geral, em especial os mais desfavorecidos.

Os cortes nas despesas sociais são cada vez mais evidentes.

O aumento do IRS dos reformados é uma «aposta» deste Orçamento do Estado. E, desta vez, já não são apenas as reformas dos ricos, para usar a terminologia utilizada pelo Governo, são também as reformas acima dos 500 € mensais a serem penalizadas.

O corte generalizado na comparticipação dos medicamentos só não atinge um único escalão, consagrando-se, orçamentalmente, a violação do princípio constitucional de um Serviço Nacional de Saúde tendencialmente gratuito, aplicando-se, desta forma, taxas moderadoras em todos os actos médicos.

Simultaneamente, a generalidade das pessoas portadoras de deficiência ou com deficientes a cargo vão ver a sua carga fiscal aumentada. Esta é outra marca anti-social do Orçamento do Estado que, ao contrário do que disse o Primeiro-Ministro, procurando emendar a mão e corrigir o tiro, atinge, de facto, quem «depende essencialmente dos rendimentos do trabalho» e não apenas os mais beneficiados.

Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é conveniente sermos claros e objectivos: nem todos perdem com as opções governamentais ou com o Orçamento do Estado.

E podem suspirar de alívio aqueles que sempre têm beneficiado das benesses orçamentais.

Ao contrário do que fizera, convenientemente, constar há uns dias, a banca, afinal, parece que não vai pagar mais impostos e, pelo contrário, é o sector que mais escapa à austeridade em tempos ditos de rigor para todos.

E, como não podia deixar de ser, a despesa do Estado em benefícios fiscais vai subir de novo em 2007, agora cerca de 30%, continuando a parte de leão a beneficiar a generalidade das grandes empresas e grupos económicos e totalizando mais de 1200 milhões de euros os benefícios de que só a Zona Franca da Madeira vai continuar a usufruir.

Só não temos uma certeza, a de nesta despesa estar já incluída a despesa fiscal que o Estado fará se se concretizar a OPA da SONAE sobre a PT.

Mas, para que o ciclo termine com iguais e reforçados benefícios para os mesmos de sempre, o Orçamento anuncia também um plano de privatizações, que, mais uma vez, confirma a tendência obsessiva que os sucessivos governos do PS têm em vender tudo o que corresponda a posições empresariais do Estado.

Anuncia-se desta vez a venda - certamente ao desbarato, certamente para beneficiar as multinacionais e, seguramente, em prejuízo do País - da participação do Estado em empresas como a TAP, a ANA, a REN e a EDP, num valor de 900 milhões de euros, o que constituirá, certamente, novo golpe no património público - mais prendas para as multinacionais e, no futuro, novas e significativas quebras na receita fiscal.

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

Como disse no início, bem pode o Governo prosseguir com operações mediáticas para vender o «seu» Orçamento.

Mas a verdade é como o azeite e, mais cedo ou mais tarde, vem à tona e torna-se perceptível para todos.

E manda a verdade que se diga que cada vez mais gente, cada vez mais trabalhadores, começa a ver para além da propaganda e da encenação, como, aliás, foi bem visível nas ruas deste País e como continuará a ser notório nas posições e nas lutas de cada vez mais portugueses contra este Orçamento e, sobretudo, contra as políticas deste Governo.

 

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