Senhor Presidente, Senhores Deputados,
Ao debater um Orçamento de Estado estamos antes de mais a debater políticas.
E é a análise das políticas do Governo, com a evidente tradução nos números do Orçamento, que justifica o voto que aplicaremos às propostas em análise. Talvez a discussão do Orçamento para 2001 tenha começado efectivamente com as afirmações do Primeiro Ministro, vestido de Secretário Geral do PS, de que queria o Orçamento aprovado à esquerda. Poucos terão acreditado nessa possibilidade e ela evidentemente não se concretizou.
Na realidade a proposta de Orçamento mantém e em alguns casos até aprofunda, linhas essenciais da política de direita até aqui seguida. E a atitude que, da parte do PCP, temos em relação a todas as propostas e também às propostas orçamentais é votá-las em função do conteúdo. E é isso que também faremos em relação a este Orçamento. Senhor Presidente, Senhores Deputados, Um Orçamento não um simples papel amorfo e inócuo. É antes o documento que melhor traduz a orientação das políticas do Governo.
Ouvimos ontem o Sr. Primeiro Ministro referir-se ao aumento da despesa social neste Orçamento. Mas facilmente constatamos que muito do que é orçamentado como despesa social não é na verdade encaminhado para as prestações sociais. É o que acontece no Ministério da Saúde. Boa parte dos dinheiros que o Orçamento da Saúde comporta vão direitinhos para os bolsos do capital económico que vai ganhando cada vez mais terreno nesta área.
Aconteceu com a injecção mais de 277 milhões de contos para limpeza da dívida no Orçamento de 1999, que foram rapidamente devorados pelos grupos privados dos medicamentos, das farmácias, dos equipamentos, dos convencionados ou dos meios complementares de diagnóstico. O descalabro financeiro do sector da saúde, bem patente nas dívidas que mais uma vez se acumulam na proposta de Orçamento para 2001 não pode ser visto de forma inocente. Faz parte de uma clara estratégia de degradação do Serviço Nacional de Saúde para abrir caminho à almejada privatização, exigida há muito pelos interesses económicos que mais ordenam neste sector. Quando o Governo continua a privilegiar na gestão hospitalar a incompetência, o compadrio partidário ou outro está a preparar a privatização da saúde.
Quando o Governo continua a negar à gestão pública os meios financeiros e humanos para dar resposta às necessidades de cada instituição está a preparar a privatização da saúde. Quando o Governo continua a submeter a política de medicamentos às perspectivas de lucro das indústrias farmacêuticas e do sector das farmácias está a privatizar a saúde. Cabe aqui perguntar ao governo o que é feito do famigerado protocolo entre o Ministério da Saúde e a indústria farmacêutica. Este protocolo previa a devolução de determinadas verbas pela indústria quando o crescimento da despesa com medicamentos fosse superior a 4%. Que é feito dele Sra. Ministra da Saúde?
A incompreensível não activação do protocolo pelo Ministério da Saúde terá certamente agradado ao sector dos medicamentos. E que assim, enquanto o orçamento da saúde teve mais 9 milhões de contos de prejuízos a indústria farmacêutica teve mais 9 milhões de contos de lucro. E vejamos ainda o que acontece com o programa de acesso aos cuidados de saúde. Fazendo vista grossa da lei, aprovada nesta Assembleia, o Governo está a convencionar a recuperação de listas de espera com o sector privado, sem que se prove estar esgotada a capacidade dos hospitais públicos.
Desta forma o Governo tenta afastar definitivamente dos serviços públicos estas prestações, que são obviamente as mais apetecíveis para o sector privado e engrossa os lucros deste sector à custa do orçamento. O Orçamento da saúde e o seu acréscimo têm já assim em boa parte destinatário prometido.
Foi também curioso ouvir o Senhor Primeiro Ministro dizer que, caso o Orçamento fosse chumbado, o regime de duodécimos significaria a existência de rupturas nos serviços de saúde. Acontece que este ano, por via das restrições impostas directamente pela Ministra da Saúde, essas rupturas, que nalguns casos poderão até atingir níveis mínimos de segurança, já existem. E que, se saiba, não estamos a viver de duodécimos. O mesmo se diga ainda em relação aos investimentos em equipamentos de saúde em que desapareceram nesta proposta orçamental muitos dos projectos anteriormente inscritos, designadamente os que não têm cabimento no III Quadro Comunitário de Apoio, ou os grandes hospitais a construir na cintura de Lisboa, que o Governo se prepara para entregar aos privados. Esta proposta de Orçamento aprofunda a privatização continuada e programada da saúde. Nesta proposta de Orçamento o capital económico da área da saúde leva pela mão o Governo no caminho da privatização. O anunciado rigor da política da saúde resume-se afinal, a seguir rigorosamente, em passo ordeiro mas rápido, as orientações neo-liberais para este sector.
Outro tanto se pode dizer do sector da Educação, outra área de despesa social onde se conjuga uma política que ao mesmo tempo vai entregando ao sector privado muito do que caberia ao Estado assegurar e em que se instala uma cada vez maior elitização do ensino. Também aqui existe privatização encapotada à custa dos dinheiros públicos.
Acontece com a rede do pré-escolar em que o Governo dá prioridade às instituições privadas, mesmo quando algumas desviam os subsídios do Estado para fins que não estavam previstos. Acontece quando se multiplicam contratos de associação com escolas privadas e ao lado, nas escolas públicas, se atribuem inúmeros "horários zero" a professores por falta de alunos. A política de educação é uma política elitista e que caminha no sentido inverso ao da democratização do acesso ao ensino. É por isso que os manuais escolares continuam a não ser gratuitos para a escolaridade obrigatória, nem sequer para o primeiro ciclo do ensino básico como prometeram os dois governos do PS.
É por isso também que se estrangulam financeiramente as escolas obrigando a uma gestão economicista e causando carências absolutamente inaceitáveis. É ainda por esta política que se continua a elitizar o ensino superior, atrofiando financeiramente as instituições ou reduzindo as verbas para a acção social escolar. É espantoso o discurso do Ministro da Educação sobre as propinas em relação às quais sempre nos opusemos. Para o Ministro, quando a lei diz que as propinas devem ser utilizadas para a melhoria da qualidade de ensino, isso não quer dizer que não o possam ser nas despesas de funcionamento das instituições.
E a verdade é que muitas instituições, confrontadas com a escassez de recursos atribuídos pelo Orçamento de Estado e são obrigadas a lançar mão do dinheiro das propinas. E este ano mais uma vez o governo vai obrigar as instituições a fazer o mesmo. Significativa é a quebra do investimento na área da educação. Em 2000 quase metade do orçamentado ficou por aplicar adiando-se investimentos fundamentais. Em 2001 o próprio Governo prevê uma diminuição do 5% e quer convencer-nos que o país já está em condições de abrandar o investimento em educação. Porventura ainda mais chocante é a justificação do Governo para o desinvestimento na acção social escolar. É que - diz o governo - o perfil sócio-económico do estudante do ensino superior público tem-se alterado no sentido de se poderem dispensar apoios sociais. O Governo justifica a diminuição de apoios sociais com a elitização cada vez maior da frequência do ensino superior, que é de facto um resultado e um objectivo da sua própria política e que tem como uma das causas precisamente a falta de apoios sociais para quem deles necessita. Podemos ainda falar do retrocesso que o Governo propõe para as deduções aos rendimentos do trabalho dependente dos cidadãos deficientes.
É que ao subir a exigência de incapacidade de 60 para 65% o Governo está na prática a excluir deliberadamente deste benefício uma importante fatia dos que até aqui dele beneficiaram. Trata-se de uma incompreensível penalização de um sector já muito carenciado da população e sistematicamente esquecido pelo Governo. Trata-se de uma medida de intolerável insensibilidade social. Por estes exemplos se comprova como os números redondos do aumento da despesa social se transformam em problemas bicudos quando se conhece a realidade do país e se conhecem as necessidades das pessoas. É por isso que, ao apelo à esquerda, se seguiu a continuação da política de direita. Mesmo que os partidos da direita, pressentindo um aumento do descontentamento social, tentem agora aparecer como grandes opositores de uma política que caucionaram em orçamentos anteriores e que no fundamental é a sua, travestida por vezes de diferentes roupagens ou de artificiais adereços, muito em voga na moda socialista europeia.
Dizia ontem o Eng.º António Guterres que o que está em causa neste Orçamento é o futuro da situação política, económica e social do país. É precisamente por isso que não aprovamos este Orçamento; porque com ele agravará a situação do país, designadamente nas áreas sociais. O país precisa de uma outra política. De uma política orientada para o progresso social, para o combate às desigualdades, para a construção de uma sociedade mais justa. Mas essa política não está neste Orçamento. Disse.
Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel dos Santos,
Penso que está um pouco enganado quanto a algumas convergências que citou.
A primeira questão que gostava de abordar em resposta à sua pergunta é a seguinte: o Sr. Deputado Manuel dos Santos considera que é defender o Serviço Nacional de Saúde fazer «vista grossa» a um acordo que o próprio Governo do Partido Socialista celebrou com a indústria farmacêutica, no qual se previa a possibilidade de a indústria devolver ao Estado uma quantia considerável no caso de a despesa com medicamentos aumentar mais de 4%?
O Sr. Deputado está de acordo que o XIV Governo tenha fechado os olhos e esquecido esse acordo, com isso perdendo-se, pelo menos, 9 milhões de contos, que, de outra forma, poderiam ter sido justamente ressarcidos ao orçamento do Ministério da Saúde?
É ou não este um exemplo paradigmático de que muita da despesa feita no orçamento da saúde, cujas «derrapagens» são muitas vezes usadas para atacar o carácter público do Serviço Nacional de Saúde, vai parar aos bolsos dos poderosos interesses económicos que existem neste sector?
É ou não verdade que a dívida que repusemos no Orçamento de 1999 foi utilizada, no fundamental, não para melhorar as prestações, não para fazer o saneamento financeiro diminuindo as margens de lucro e os poderosos interesses económicos na saúde mas, sim, para pagar mais uns quantos milhões a esses próprios interesses?
O Sr. Deputado Manuel dos Santos diz que o Governo tem controlado a despesa de saúde no essencial e não no acessório, mas o que conhecemos é que o Governo institui restrições muito graves à despesa nas unidades de saúde, não instituindo restrições, nem muito graves, nem muito sérias - nem pouco mais ou menos -, aos lucros da indústria farmacêutica ou aos lucros da Associação Nacional de Farmácias.
Aqui é que está a distinção entre o essencial e o acessório! Para nós, o essencial para defender o Serviço Nacional de Saúde é haver uma gestão pública eficaz, com os meios necessários, é acabar com os privilégios ao sector convencionado, ao sector dos medicamentos ou a outros sectores que parasitam o orçamento da saúde. Quanto a este ponto, não convergimos com o Sr. Deputado Manuel dos Santos! Aliás, ficamos ainda por saber se a convergência que existe aqui não é a convergência da política que o Governo leva a cabo na área da saúde com os interesses que a direita também perfilha no sentido da privatização do Serviço Nacional de Saúde!
É que a degradação propositada do Serviço Nacional de Saúde é intencionalmente a preparação do caminho da privatização! Esta é a questão que está em cima da mesa!
Sr. Presidente, Sr. Deputado António Braga,
Em primeiro lugar, quero dizer-lhe que eu tinha razão tanto no que disse em relação à saúde como no que disse em relação à educação.
Sr. Deputado, vou citar-lhe os dados que retirei, não de qualquer contabilidade criativa mas, sim, dos números fornecidos pelo Governo na comissão a que V. Ex.ª preside.
Ora, de acordo com os números que o Governo nos forneceu, o investimento na área da educação diminui, neste ano, 5%, o que corresponde, no total, a 28 milhões de contos. Estes foram os números fornecidos pelo Ministério da Educação, confirmados, aliás, pelo Sr. Ministro da Educação, quer em entrevistas que deu à comunicação social, quer na reunião da Comissão de Educação, Ciência e Cultura que o Sr. Deputado António Braga dirigiu.
Quero referir-lhe ainda um outro exemplo. Sabe o Sr. Deputado que o investimento em acção social escolar no ensino superior, que é um sector especialmente carente deste tipo de investimentos, é hoje menos de metade do previsto no último orçamento do governo do PSD?
O Sr. Deputado orgulha-se deste número quando tanto o PCP como o PS criticavam a falta de investimento nesta matéria pelos governos do PSD e agora verificamos, ao fim de cinco anos, que o Governo investe em acção social escolar do ensino superior menos de metade da verba constante do Orçamento de 1995?! Sr. Deputado, quanto a números julgo que estamos conversados.
Quero salientar também que o Sr. Deputado António Braga esqueceu-se de mencionar algumas questões importantes a que me referi na intervenção que tive oportunidade de proferir. Por exemplo, o Sr. Deputado António Braga não se referiu à questão de, hoje, as instituições do ensino superior serem obrigadas, pela restrição orçamental a que o Governo as submete, a utilizar o dinheiro das propinas para despesas de funcionamento.
O Sr. Ministro da Educação, em relação à proporção dos salários nas despesas de funcionamento, espantosamente disse que não era verdade que 100% do dinheiro do orçamento de funcionamento fosse utilizado para pagar salários. Portanto, ficamos a saber que 100% do orçamento de funcionamento não é utilizado para esse fim, mas não ficamos a saber se não será 99% ou 99,5%.
O Sr. Deputado António Braga também não se referiu a outra das vertentes da análise que fizemos em relação à política de educação, ou seja, à questão da elitização do ensino. A elitização do ensino está a ser feita, umas vezes mais a descoberto, outras vezes de forma mais camuflada, nas diversas intervenções de política educativa, com as restrições aos dinheiros para bolsas de estudo, que são este ano menores, tendo em conta a inflação, dos que existiam no ano passado, está a fazer-se, por exemplo, quando se criam políticas educativas que encaminham para a exclusão os estudantes que não são capazes, pelas suas dificuldades sociais ou económicas, desde logo, de progredir, como seria desejável, na carreira educativa, está a fazer-se quando limita os orçamentos das escolas, de todos os níveis de ensino, e as obriga a uma política não pedagógica, não educativa, mas a uma política economicista, que não é o que queremos em matéria de educação.