Senhor Presidente
Senhor Primeiro-Ministro e senhores Membros do Governo
Senhores Deputados
A história do debate na generalidade do Orçamento do Estado para 1999 é a história de um final anunciado.
Desde Tavira que o presidente do PSD, publicamente, sempre garantiu ao Primeiro-Ministro que este Orçamento seria viabilizado pelo Grupo Parlamentar do PSD.
Quaisquer que fossem o seu conteúdo ou o seu défice.
Aumentasse ou diminuísse a carga fiscal para todos os cidadãos ou para a classe média.
Fosse o défice acumulado do Serviço Nacional de Saúde de 159 ou de 200 milhões de contos, e reportado fosse ele a 1997 ou a 1998.
Foi uma profissão de fé (ou de receio político) do prof. Marcelo Rebelo de Sousa e de todo o PSD, incluindo da sua bancada parlamentar.
O senhor Primeiro-Ministro sabia disto melhor que ninguém.
Mas como, apesar das juras diárias de cumprir o que por vontade própria assumiu com um ano de antecedência, o PSD quis fazer a rabulice de ser forte e incomparável opositor a este Orçamento, o senhor Primeiro-Ministro não resistiu a ele próprio fazer uma rábula na sua intervenção de abertura.
Provocou, repetidamente, "os sectores de oposição mais radicalizados à direita", para que eles rejeitassem o seu Orçamento ou apresentassem uma moção de censura ao Governo. Nem precisou de dramatizar. Apenas lhe bastou deixar subentendida a hipótese de eleições antecipadas, para que esses sectores, e em particular o PSD, colassem os olhos ao chão.
Não será muito ousado calcular o gozo que o senhor Primeiro-Ministro terá sentido ao escrever, e muito mais ao ler, a última parte da sua intervenção.
Mas V. Exa., senhor Primeiro-Ministro, é conhecido como um bom cristão, um homem piedoso. E meteu no seu discurso aquela de o Governo estar "disposto a aceitar a inclusão de uma cláusula de garantia".
De um momento para o outro, com essa simples frase, as bancadas do PSD e do PP alteraram-se radicalmente.
O pretexto para fundamentar a viabilização do Orçamento, estava encontrado!! Sequer quiseram saber como se iria concretizar tal cláusula, nem se ela será necessária.
O PP logo viu nela a concretização da sua proposta abstrusa de existência de um IRS com dois sistemas de liquidação à escolha, de um IRS à "la carte".
Por seu lado o PSD, de um momento para o outro, deixou de cantar o Orçamento como uma proposta inaceitável para passar a merecer ser viabilizado. Exactamente na linha do que já havia sucedido na votação do relatório da Comissão de Economia. Ontem mesmo ouvimos o Deputado Rui Rio desunhar-se para descobrir um "argumento" de peso para a (mais que esperada) cambalhota política do PSD. Dizia ele que a responsabilidade política do PSD e a abafante dimensão do seu Grupo Parlamentar exigem a viabilização de um Orçamento ... "mau, muito mau", para o Governo ... "continuar a não governar" ! Convenhamos que é obra ...
Por todas, a reacção do presidente do PSD não deixa margem para dúvidas: "o debate do Orçamento começou e acabou", disse ele. Isto é, encontrado o pretexto para sustentar a pré-anunciada viabilização, o PSD deixou de ter o que quer que fosse para dizer sobre a proposta orçamental.
Como sintomático foi o "lapsus linguae" da senhora Deputada Manuela Ferreira Leite, quando alcunhou a "cláusula de garantia" de "cláusula de salvação".
De facto, neste autêntico jogo de sombras que em nada favorece a credibilidade dos cidadãos na vida política, aquela sua frase, senhor Primeiro-Ministro, foi uma verdadeira tábua de salvação ... para o PSD. Já agora, senhor Primeiro-Ministro, complete a sua obra vicentina, não se esquecendo de dar resposta ao apelo do PSD para que concretize a "margem de manobra" de que o PSD pode dispor, sem correr o risco de desvirtuar o Orçamento que V. Exa. apresentou ...
Ele, o PSD, merece-o, senhor Primeiro-Ministro. Porque são um grupo de bons samaritanos: de acordo com as farsolas que conseguiram "vender" a um ou outro órgão da comunicação social, enquanto o PCP "comeria os figos" e vota contra o Orçamento, a eles, PSD, lhes "rebentaria a boca" mas, sacrificando-se, votam a viabilização do Orçamento.
Senhor Presidente
Senhores Membros do Governo
Senhores Deputados
O senhor Primeiro-Ministro verá o seu Orçamento para 1999 viabilizado pelo PSD, e provavelmente pelo PP.
Mas isso, senhor Primeiro-Ministro, não altera a natureza essencial do Orçamento, as suas orientações políticas centrais, que, sem subterfúgios, sustentam o voto contra do PCP.
Como V. Exa. expressamente o reconheceu, "o Orçamento de 99 vem numa linha de perfeita continuidade em relação aos três Orçamentos anteriores". Continuidade quanto à preocupação primeira e fundamental de cumprimento dos constrangimentos ditados pela moeda única e pelo "pacto de estabilidade", ao prosseguimento do processo de privatizações, às orientações restritivas para os aumentos salariais, aos privilégios fiscais aos rendimentos de capitais, às empresas financeiras e aos grupos económicos.
São estas as linhas determinantes do OE para 1999. Não as alterações propostas para a tributação dos rendimentos do trabalho dependente em IRS.
Estas últimas são, sem dúvida, como já o afirmámos e não temos pejo em repeti-lo, alterações de sentido positivo que, aliás, há muito o PCP defende e reivindica. Mas são propostas tímidas e insuficientes. São uma gota no copo de água da reforma fiscal que o Governo e o PS prometeram mas não cumpriram.
Porque se aquelas alterações vão no caminho da justiça relativa entre os tais senhores A e B que pagam IRS, a verdade é que em nada combatem a profunda injustiça, que permanece, entre estes e aqueles outros senhores C e D, quer eles sejam pessoas singulares ou empresas, que continuam a evadir-se ao fisco ou são obsequiados à mesa do Orçamento com isenções e outros chorudos benefícios fiscais.
(E em relação a isso, tal como em relação às privatizações e ao pacto de estabilidade, é evidente que o PSD não poderia votar contra).
Por isso as propostas de alteração que, no âmbito da fiscalidade, o PCP já apresentou. E esperamos que o facto de o Governo ter agora, se tal ainda não tivesse, a certeza absoluta de que o seu Orçamento passará de qualquer maneira, não leve o Grupo Parlamentar do PS, qual cego rolo compressor, a recusar, pura e simplesmente, todas as benfeitorias que publicamente apresentámos. Pela nossa parte, podem o Governo, os senhores Deputados e os portugueses, ter a certeza que por elas nos bateremos no debate e votação na especialidade.
Senhor Primeiro-Ministro,
Na sua intervenção inicial, V. Exa. afirmou, por um lado, que "este é o momento de clarificar posições, de cada um dizer claramente o que quer" e, por outro lado, "que os Orçamentos estão para os governos, como os salários estão para as famílias: não se pode viver sem eles".
Da parte do PCP, o Primeiro-Ministro e o seu Governo têm uma resposta clara:
queremos aquilo que propomos e a inversão das orientações e propostas que rejeitamos. Precisamente porque defendemos mais salários, mais justiça social, mais dignificação e valorização dos que trabalham. E porque queremos, senhor Primeiro-Ministro, que os nossos concidadãos sintam cada vez menos amargamente as dificuldades da vida.
Os outros Grupos Parlamentares que se definam. De preferencia, e se lhes for possível, com as mesmas clareza e transparência políticas.
Disse.