Intervenção de

Orçamento de Estado para 2006 (encerramento na generalidade)Intervenção de Honório Novo

 

 

Senhor Presidente Senhores Membros do Governo Senhores Deputados

Ao contrário do que ontem aqui afirmou o Primeiro Ministro, a proposta de Orçamento de Estado que hoje vamos aqui rejeitar não é séria, não tem credibilidade, não fala verdade nem inspira confiança à imensa maioria dos portugueses.

O debate permitiu confirmar e reforçar todas e cada uma destas ideias.

Senhor Presidente Senhores Deputados

O Orçamento não é politicamente sério.

O OE não é sério porque ao mesmo tempo que recusa a transferência de cerca de 55 milhões de euros para as autarquias, cria um “saco azul” para distribuir de forma discriminatória e nada transparente.

Tal como Cavaco Silva, o Primeiro Ministro José Sócrates preside a um Governo que, pela primeira vez em dez anos, se recusa teimosamente a efectuar as transferências legais para as autarquias e para as regiões autónomas, colocando no “congelador político” leis que têm que ser por todos integralmente respeitadas e cumpridas.

O Orçamento não é sério porque corta nas verbas dos Politécnicos, das Universidades e dos Laboratórios, mas inflaciona a dotação de uma “Agência” onde ficará o dinheiro para distribuir conforme as conveniências!

O Orçamento não é sério quando jura que não tem truques e depois cria “sacos azuis” (ou melhor, “sacos cor de rosa”), onde as regras de transparência e de clareza na atribuição de dinheiros públicos podem ser substituídas por critérios de seriedade política mais que duvidosos.

Um Orçamento não é sério quando jura não ter receitas irrepetíveis, (e como tal extraordinárias), e depois tem lá inscritos 1.600 milhões de euros de receitas de privatizações, mesmo que o Governo continue a recusar a informar o País sobre o que vai ser de facto vendido.

É uma verba quatro vezes maior do que em 2005.

É uma opção sem qualquer justificação económica ou de interesse nacional, que só se explica por razões de encaixe financeiro, e que sobretudo procura mais uma vez satisfazer a voracidade e as reivindicações dos grandes grupos económicos.

É uma opção que dá continuidade a um processo suicida que, (ao contrário do que em tempos o PS dizia que a realidade continua aliás a desmentir), “não promove o reforço da competitividade nacional”, “não aumenta a concorrência”, muito menos fortalece ou consolida “centros de decisão privados de base nacional”.

Senhor PresidenteSenhores Deputados

Este Orçamento também não tem credibilidade. Como confirmou o debate e afirmam até todos os comentadores – mesmo os mais encartados que por aí circulam -, como eu até julgo que o próprio Ministro das Finanças pensa e admite mas não pode dizer em voz alta, as previsões de crescimento das exportações – cinco vezes mais que este ano – são francamente inverosímeis.

Se falhar esta previsão tudo poderá ruir como um baralho de cartas. É o já baixo crescimento que estará comprometido, serão as receitas fiscais a ficar bem aquém do projectado, é o famosíssimo défice – objectivo central e único deste Orçamento – que não será novamente controlado. Ou seja, o Orçamento não será cumprido, terão de ser feitas correcções. Um Orçamento Rectificativo com novos cortes sociais, na educação, na saúde e nas prestações sociais ou no cálculo e idade das reformas dará certamente entrada nesta Assembleia.

Aquilo que o Senhor Ministro das Finanças chamou ficção científica poderá conter novos impostos, quiçá novo aumento do IVA ou, pelo menos, das suas taxas intermédias! E só não haverá ficção científica se houver uma qualquer bóia de salvação, se entrarem em cena novas receitas extraordinárias, por exemplo com a transferência do Fundo de Pensões do BCP, ou de qualquer outra instituição do tipo. Com uma habilidade deste tipo serão certamente comprometidas responsabilidades futuras da Segurança Social, mas, pelo contrário, serão plenamente satisfeitas as preocupações do Senhor Almunia, superando-se mesmo os objectivos de redução do défice que é obsessão central deste Governo.

Senhor Presidente Senhores Deputados

Este Orçamento de Estado é uma espécie de “orçamento faz de conta”. Um Orçamento que não fala verdade.

O Governo repete até à exaustão que não há aumento de impostos mas a verdade é que mais uma vez agrava os impostos indirectos, (quase 63% do total das receitas fiscais), precisamente os que mais penalizam quem menos pode e tem!

O Orçamento faz de conta que dispõe de medidas eficientes de combate à evasão e à fuga fiscais e à fuga das contribuições para a Segurança Social. Só que os objectivos deste combate (para o qual os meios são completamente insuficientes), se limitam afinal a recuperar 360 milhões de euros na área fiscal e 250 na Segurança Social, isto é, a recuperar apenas 4% do valor total em fuga estimado pelo próprio Director Geral das Finanças, e a recuperar 7% da dívida declarada – repito, da dívida declarada – à Segurança Social, reconhecida pelo Ministro do Trabalho.

O Orçamento faz de conta que promove a convergência com a UE mas 2006 será mais um ano de divergência da média comunitária (com a distância a aumentar mais 0,6 pontos percentuais). O Orçamento faz de conta promove o desenvolvimento do Pais mas a verdade é que o PIDDAC cai 25%, e que a distribuição do investimento vai continuar a agravar as assimetrias regionais e a comprometer ainda mais a coesão nacional.

Ao contrário da propaganda oficial, seja ela feita em torno do ensino do inglês ou do plano tecnológico, o investimento público nas áreas da educação e da formação, da investigação e da tecnologia, na inovação ou na modernização da economia, não reveste carácter prioritário, não ultrapassando sequer um terço do total do PIDDAC. Com estes níveis e estas prioridades de investimento, este Orçamento não pode ser certamente um orçamento de recuperação, um orçamento de crescimento económico, um orçamento capaz de promover a criação de 150 mil novos postos de trabalho. Com este Orçamento é o desemprego (e não o emprego) que irá crescer, ultrapassando perigosamente o meio milhão de portugueses sem emprego e com poucas perspectivas de futuro.

Por tudo isto o Senhor Ministro da Economia fugiu ao debate! É que, não obstante a propaganda, este Orçamento não promove o investimento nem promove o crescimento da riqueza. Numa única frase: o objectivo deste Orçamento não é a economia.

Finalmente, Senhor Presidente Senhores Deputados

Este Orçamento não inspira confiança. Melhor: este Orçamento não tem a confiança dos trabalhadores e da imensa maioria dos portugueses. É um Orçamento que pretende fazer crescer a competitividade da economia, cortando nos salários e destruindo os direitos dos trabalhadores. É um Orçamento que insiste num modelo de desenvolvimento de baixos salários e na falta de qualificação profissional. É um Orçamento que agrava as desigualdades sociais e não altera as injustiças flagrantes na repartição da riqueza. É um Orçamento que pretende condenar os portugueses a ter os mais baixos salários da Europa e que quer impedir que o salário mínimo nacional possa atingir níveis mínimos de dignidade humana. É um Orçamento de um Governo que fica mudo e indiferente perante os lucros fabulosos do sector financeiro e dos grandes grupos económicos, mas reage violentamente quando os trabalhadores reclamam um aumento de 25 euros, certamente muito menos do que Ministros e banqueiros gastarão num simples almoço de trabalho.

Senhor Presidente Senhores Deputados

Este é, em síntese, um Orçamento que mantém como tónica fundamental a obsessão pelo défice e os cortes no investimento e nas despesas sociais em vez de consolidar as contas públicas pela via da dinamização da economia e da criação da riqueza.

É um Orçamento de continuidade que por isso merece – como aliás seria de esperar – o aplauso (mesmo que envergonhado) do PSD, perdido que anda na busca de discordâncias artificiais para salvar as aparências.

A alegria (quase incontida) como o PSD e os representantes dos grandes grupos económicos receberam e têm aplaudido as opções do Governo do PS, mostram bem a quem serve este Orçamento, são bem a prova dos nove que ajuda a desfazer as ilusões que alguns ainda pudessem ter quanto a natureza das opções políticas deste Orçamento.

Ontem mesmo o Governo e o seu Orçamento começaram a ter as primeiras respostas concretas às suas opções. Milhares de trabalhadores em todo o País mostraram de forma bem clara que não se deixam enganar pelos cantos de sereia da (falsa) solidariedade social ou de políticas (pretensamente) de esquerda.

É que, Senhor Primeiro Ministro, parafraseando o que ontem aqui V. Exa. disse. Pode bem o seu Orçamento sair daqui vencedor. Só que, lá fora, no País real, ele será certamente derrotado.

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