Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral do PCP, Jantar-Comício na Feira de Agosto

«A oposição ao aumento de salários e pensões e a recusa da taxação dos lucros é a outra face dessa moeda da convergência nas opções da política de direita»

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Uma forte saudação a todos pela vossa presença nesta iniciativa. Estes dias que são ainda de descanso e retemperamento de energias para uma parte da população são também dias em que tem de estar presente o caminho que é preciso fazer para enfrentar as dificuldades que estão a ser colocadas aos trabalhadores e ao povo português.

O momento que estamos a viver é, de facto, um momento complexo da vida nacional e internacional e coloca grandes exigências ao nosso Partido, à nossa capacidade de acção e intervenção em defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo e do País.

No plano nacional verifica-se uma acelerada degradação das condições de vida com o aumento dos preços e a perda de poder de compra a pesarem cada vez mais, em contraste com a acumulação de milhares de milhões de euros de lucros pelos grupos económicos nacionais e transnacionais. 

Avolumam-se os problemas decorrentes de décadas de política de direita, com destaque para a exploração, a precariedade, as desigualdades e injustiças sociais, a dependência externa. Agravam-se as dificuldades no acesso aos serviços públicos, degrada-se o seu funcionamento e é posta em causa a sua capacidade e qualidade de resposta, com destaque para a difícil situação do SNS e da Escola Pública.

No plano internacional destacam-se as consequências da escalada de confrontação política, económica e militar assumida pelos Estados Unidos e a NATO, o alinhamento da União Europeia e dos governos europeus com essa estratégia e objectivos, e os perigos crescentes que comporta tal política.

É neste quadro exigente que se coloca ao nosso Partido a necessidade de reforçar a sua capacidade de acção e intervenção, quer na luta em defesa dos direitos dos trabalhadores e do povo e de medidas imediatas que respondam às suas necessidades, quer no desenvolvimento da luta mais geral pela política alternativa patriótica e de esquerda capaz de assegurar ao País um futuro de desenvolvimento, progresso e justiça social, que contribua para a paz, a cooperação e a solidariedade entre os povos.

Foi esse o sentido com que decidimos a realização, nos dias 12 e 13 de Novembro, da nossa Conferência Nacional sob o lema «Tomar a iniciativa, reforçar o Partido, responder às novas exigências». 

Teremos de empenhar na preparação e realização da nossa Conferência forças e atenções correspondentes à importância das questões que nela iremos tratar, com a consciência de que até à Conferência a vida não  pára e de que até lá haverá muitas batalhas a travar.
Este último ano confirma quão certeiros foram os nossos alertas relativamente ao agravamento da situação económica e social, quão justa foi a nossa insistência na necessidade de uma resposta global aos problemas nacionais e quão verdadeira foi a denúncia que fizemos da recusa do PS em assegurar essa resposta.

Não foi preciso esperar muito tempo para ter a confirmação de que tínhamos razão quando denunciámos as manobras do PS para obter uma maioria absoluta.

Enquanto encenava a discussão do Orçamento do Estado para 2022 e provocava a sua rejeição, o que o PS verdadeiramente queria era ter as condições para fazer a mesma política que a direita faria e a realidade aí está a comprová-lo. 

Quando recusa dar resposta às necessidades dos trabalhadores, dos reformados, das crianças e dos pais, quando impõe aos trabalhadores e ao povo uma política de perda de poder de compra e degradação das condições de vida, quando recusa o investimento nos serviços públicos e, ao mesmo tempo, assegura aos grupos económicos as condições para acumularem milhares de milhões de euros de lucros, o PS faz a mesma política que a direita faria. Foi justa e acertada a posição que tomámos! 

A frontalidade e firmeza com que denunciámos os objectivos e opções do PS e votámos contra o Orçamento do Estado para 2022 são as mesmas frontalidade e firmeza com que continuamos hoje na luta em defesa dos direitos dos trabalhadores e do povo e de uma política alternativa que garanta a Portugal um futuro de desenvolvimento, progresso e justiça social, vencendo esta difícil situação que atravessamos.

Os trabalhadores e o povo estão a pagar a política das sanções com as suas condições de vida e os grupos económicos aproveitam-se agora das sanções e da guerra como antes se aproveitaram da epidemia para acumularem milhares de milhões de euros de lucros, agravando a exploração e promovendo a especulação e o aumento dos preços.

A inflação tem vindo consecutivamente a bater recordes e chegou, em Julho, em termos homólogos, aos 9,1%. Só na energia os preços aumentaram 31% e nos bens alimentares esses aumentos foram de 13%. 

Os trabalhadores e reformados com salários e reformas mais baixos, que são quase integralmente gastos no consumo de bens e serviços essenciais, são quem mais sofre com o aumento dos preços mas também os micro, pequenos e médios empresários, agricultores e pescadores são duramente atingidos com os custos crescentes que têm de suportar para manter a sua actividade.

E quando nos perguntamos para onde vai o dinheiro desses aumentos de preços que pagamos por quase tudo aquilo que compramos aí estão os dados sobre os lucros dos grupos económicos a dar a resposta. 

Ao mesmo tempo que os trabalhadores e o povo enfrentam os aumentos dos preços, a perda de poder de compra e a degradação das suas condições de vida, os 13 maiores grupos económicos apropriaram-se, só no primeiro semestre do ano, de 2 mil e 300 milhões de euros de lucros.

Este é o retrato, duro como punhos, das injustiças e desigualdades que se vivem na situação actual: aí vemos uma minoria de detentores do poder económico a acumular milhões e milhões de lucros, enquanto a imensa maioria dos trabalhadores e do povo aí está a  pagar esses lucros com a exploração, o aumento do custo de vida e o empobrecimento.

Este trágico retrato é ainda revelador dos interesses que serve a política do PS e da sua cumplicidade e conivência com os grupos económicos, em absoluta convergência com PSD, IL, Chega e CDS. 

Os grupos económicos só aumentam os preços a seu bel-prazer porque o Governo PS os deixa fazê-lo, designadamente quando se junta aos partidos da direita para rejeitar as medidas de controlo e fixação de preços propostas pelo PCP mas também quando alimenta a falsa solução do combate aos aumentos dos preços por via da redução dos impostos.

É verdade que, também em matéria de impostos, é preciso mais justiça, aliviando a tributação sobre os salários, as pensões, as MPME e tributando de forma efectiva o capital, os lucros e dividendos, as grandes fortunas. 

Mas a tentativa de explicação do aumento dos preços com o volume de impostos é apenas uma cortina de fumo destinada a ocultar a origem dos lucros e a manter os grupos económicos de mãos livres para continuarem a aumentar os preços como entenderem.

A comprová-lo está o exemplo do preço dos combustíveis. 

Durante mais de um ano os impostos não sofreram qualquer alteração mas o preço dos combustíveis não parou de aumentar. E o pretexto da guerra e das sanções -  que nos últimos meses foi utilizado para conter o descontentamento popular face aos brutais aumentos de preços - fica agora definitivamente desmentido quando sabemos que a margem de refinação da Galp subiu de 6 dólares e 90 para 22 dólares e 30 por barril no segundo trimestre do ano.

Ontem mesmo, fomos confrontados com o anúncio de aumentos brutais no preço do gás, feita por algumas empresas do sector energético. Aumentos que anunciam ser da ordem das dezenas de euros mensais.  

Um escândalo, camaradas. 

Escândalo tão maior quanto os trabalhadores e os reformados vêem o seu poder de compra a diminuir, em que os seus salários e pensões já foram comidos nestes sete meses do ano por uma inflação que não pára de crescer. Ou seja, quem recebe o Salário Mínimo já teve um corte de 50 euros no seu salário e hoje tem um poder de compra inferior ao que tinha em Janeiro.  

Isto ao mesmo tempo que os grupos económicos ostentam lucros e distribuição de dividendos aos seus accionistas. Um escândalo!  

Qual a resposta do Governo? Perante aquelas ameaças, o Governo em vez de enfrentar aquelas grandes empresas e impedir os aumentos que pretendem concretizar, o que faz é dar os aumentos como adquiridos.
 
Este mesmo Governo que insiste em travar o aumento de salários  o que faz é tomar o lado dos grupos económicos e ser cúmplice dos seus objectivos. 
Em vez de enfrentar a sério os interesses do capital monopolista o Governo do PS limita-se a anunciar uma medida destinada a contornar parcialmente o problema, admitindo a possibilidade de regresso dos consumidores à tarifa regulada desde que consigam vencer a batalha que cada um terá de travar individualmente com a respectiva empresa com quem tenha contrato de fornecimento de gás. 

Ou seja, em vez de intervir e impor a travagem dos aumentos o que o Governo faz é transferir para cada pessoa a responsabilidade de enfrentar os grupos económicos.

Esta conivência e cumplicidade de PS, partilhada e estimulada por PSD, IL, Chega e CDS, com os objectivos e a actuação dos grupos económicos não se expressa apenas na garantia das condições que permitem o aumento dos preços. 

A oposição ao aumento de salários e pensões e a recusa da taxação dos lucros é a outra face dessa moeda da convergência nas opções da política de direita.

A acelerada degradação da situação económica e social e o avolumar das dramáticas consequências destas opções tornam a situação insustentável e confirmam a necessidade e urgência das soluções propostas pelo PCP.

É cada vez mais evidente a necessidade de avançar com medidas imediatas para combater o aumento do custo de vida e o agravamento das injustiças e desigualdades. Medidas que assumam três objectivos essenciais, articulados entre si, no sentido de assegurar o aumento do poder de compra dos trabalhadores e reformados, de combater o aumento dos preços e ainda de garantir uma mais justa distribuição da riqueza. 

Com esses objectivos o PCP defende medidas, a concretizar com efeitos a partir de Setembro, de aumentos de salários e pensões, de tabelamento e fixação de preços máximos de bens essenciais, bem como de tributação extraordinária dos lucros dos grupos económicos.

Estas propostas do PCP contrastam, inevitavelmente, com as falsas soluções defendidas pelo PSD e pelo Governo PS que aceitam como inevitável a perda do poder de compra, que recusam a redistribuição social dos lucros dos grupos económicos por via da sua tributação aceitando a sua acumulação nas mãos de uma minoria, que se conformam com a possibilidade do aumento repetido dos preços e que, reduzindo a dignidade dos direitos dos trabalhadores e reformados mais pobres à gestão de um cabaz alimentar, apenas propõem medidas temporárias cujos efeitos se esgotam a 31 de Dezembro de 2022. Como se os problemas fossem desaparecer por um passo de mágica no dia 1 de Janeiro de 2023…

A  pobreza combate-se com o aumento decidido de salários e pensões e não com políticas que disfarçam os níveis de pobreza e que só acrescentarão a cada dia mais pobres à pobreza existente.

As medidas imediatas que o PCP propõe são fundamentais para travar as opções da política de direita que estão a afundar o País e as condições de vida dos portugueses, para enfrentar com coragem os grandes interesses para atacar as injustiças e desigualdades sociais e para defender um caminho soberano de desenvolvimento nacional. 

A concretização destas medidas imediatas deve ser considerada tendo presente a necessidade de uma resposta de fundo aos problemas nacionais a partir da política alternativa patriótica e de esquerda.

É na liberalização dos mercados que está o problema de fundo das regras que permitem os aumentos dos preços com que os grupos económicos multiplicam os seus lucros. 

É na privatização de empresas e sectores estratégicos da nossa economia que está a origem de uma grande parte das dificuldades em intervir de forma eficaz para contrariar essas formas de apropriação da riqueza nacional pelo grande capital. 

É na exploração dos trabalhadores e do povo, na recusa de aumentos de salários e pensões que está a origem de uma parte significativa do aumento do custo de vida, do empobrecimento, da injusta repartição da riqueza, das desigualdades e injustiças sociais. 

É na destruição do nosso aparelho produtivo que está a origem do endividamento e da dependência externa do País e das suas vulnerabilidades face a evoluções de sentido negativo da situação internacional. É na degradação, destruição e privatização dos serviços públicos que está a origem da destruição dos direitos sociais e da negação do seu carácter universal.

Portugal precisa de uma política alternativa que dê resposta a todos esses problemas e que, além disso, garanta o acesso à habitação, salve o SNS da degradação a que está a ser sujeito, garanta à Escola Pública as condições para cumprir a sua missão de emancipação e igualdade social, assegure os direitos das crianças e dos pais, defenda o País e as populações do flagelo dos incêndios que ciclicamente se repetem, assegure a soberania alimentar e a defesa da produção nacional, entre tantos outros objectivos que correspondem a cada um dos problemas que atingem os trabalhadores, o povo e o País.

Os problemas nacionais são muitos e muito profundos mas é também muito grande a nossa determinação em enfrentá-los e muito larga a experiência que temos de que é lutando que alcançamos os nossos objectivos.

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