Intervenção de

OE para 2003 (debate na generalidade) - Intervenção de Lino de Carvalho

Senhor Presidente, Senhor Primeiro-ministro Senhores membros do Governo Senhores Deputados,

Na campanha eleitoral o PSD enviou para a casa dos portugueses um folheto onde se afirmava que “a mudança chega pelo correio” e no seu jornal de campanha lia-se, em jeito de compromissos, “reduzir os impostos que pesam sobre quem trabalha, sobre quem poupa e sobre quem investe” e, ainda, “a Educação, a Saúde, a Segurança Social, o Emprego, são o barómetro mais importante para o PSD”. Pois é. Olhando e sofrendo os efeitos deste Orçamento de Estado os portugueses já estão arrependidos de na sua caixa de correio não terem colocado um auto-colante a avisar “Não quero publicidade enganosa”. Porque, de facto, foi disso que se tratou.

I - Este Orçamento é exactamente o oposto do que o PSD e o CDS/PP prometeram ao País. E é este comportamento que, aos olhos dos cidadãos compromete a vida pública. Estamos perante o Orçamento mais injusto dos últimos anos. Aumentam os impostos sobre quem trabalha, diminui em muito o poder de compra dos que têm menores rendimentos e, em particular dos pensionistas e reformados, atacam-se os salários e direitos dos trabalhadores da administração pública, anuncia-se um forte aumento do desemprego, mantêm-se o corte no crédito bonificado à habitação, não é cumprida a Lei de Bases da Segurança Social, aumenta poderosamente a carga fiscal sobre as micro e as pequenas empresas, condiciona-se o investimento autárquico, diminui o investimento do Estado nas funções sociais, designadamente na Educação, na Formação, na Cultura, na Ciência e Tecnologia, na Saúde, no Ambiente, isto é, em tudo quanto é estratégico para um desenvolvimento sustentado e para o tão falado e necessário aumento da produtividade. Além do mais é um Orçamento irrealista, sem credibilidade e enganador nos cenários macro-económicos que traça. Mas é também um Orçamento opaco, com uma gritante falta de rigor, que apresenta um valor para o déficit deliberadamente “martelado”.

É, além do mais, um Orçamento com uma nova versão do queijo limiano. Enquanto impõe um nível de endividamento zero para as autarquias e para a Região Autónoma dos Açores, afectando inclusivamente a construção de habitação social e os projectos de investimento co-financiados, de que só escapam os estádios do EURO 2004, o todo poderoso Alberto João Jardim recebe do Primeiro-ministro em pessoa, uma oferta de 75 milhões de euros, exactamente o valor do limite de endividamento que o PSD da Madeira exigia, como contrapartida do voto dos seus deputados regionais. É a versão Jardim do queijo limiano.

II – Vejamos agora o Orçamento mais em detalhe.

Desde logo a completa falta de credibilidade das projecções macro-económicas e de receitas fiscais. O crescimento da riqueza nacional, do PIB, assenta quase exclusivamente, no crescimento das exportações que dariam um salto quase para o dobro entre 2002 e 2003, de 2,75-3,75 % para 5-7%, quando todas as projecções, designadamente as que se referem ao crescimento do comércio mundial, estão a ser revistas em baixa, aproximando-as dos valores de 2002. O mesmo se passa com a inflação, quando se sabe que será no próximo ano que se farão sentir todos os efeitos do aumento do IVA. Mas é, porventura, no lado das receitas fiscais que as projecções atingem valores delirantes. Se tivermos em conta a execução orçamental de Setembro então a receita que o Governo apresenta em IRS, IRC e IVA, a ser verdade, significariam, em 2003, um salto de 8,2%, qualquer coisa como mais 342,3 milhões de contos (1 707,4 milhões de euros) de receita, o que evidentemente não tem qualquer coerência com os próprios cenários do Orçamento e de crescimento do Consumo e do Produto. É a completa falta de um mínimo de bom senso !!!

Mas as operações de contabilidade virtual têm este ano outra expressão máxima, o valor do déficit que é apresentado. O Governo apresenta no relatório um déficit de 2,4%. Mas é falso. Porque nos mapas que a Assembleia vai votar estão lá inscritos mais 754,4 milhões de euros, que o Governo escamoteia do cálculo no défice. São os valores das cativações do PIDDAC, da Lei de Programação Militar, dos Abonos, das Despesas em Bens e Serviços e da Dotação Provisional. E das duas uma. Estando estes valores, como estão, nos mapas de despesas que vamos votar então, tal como as restantes despesas, têm de ser integradas no cálculo do déficit. Mas é provável que a Ministra das Finanças venha dizer que esses valores só lá estão para que os seus colegas de Governo possam ir propagandeando Orçamentos virtuais, como acontece no Ministério da Defesa, porque a Ministra não tenciona libertá-las. Mas então, se é assim, não podem estar nos mapas que vamos aprovar. A manterem-se, o défice real é de 3 % e não 2,4% do PIB (e, isto, sem falarmos nas práticas de desorçamentação, como as que dizem respeito aos 400 milhões de euros para a chamada empresarialização dos Hospitais). É de uma enorme irresponsabilidade o Governo querer associar a Assembleia a um exercício de contabilidade criativa, a um Orçamento de mentira.

Sr. Presidente, Senhores Deputados,

III - Este episódio do déficit e das operações que lhe estão associadas torna ainda mais claro o absurdo do Pacto de Estabilidade que comanda este exercício orçamental marcado por políticas restritivas exactamente num período em que mais se necessitaria de uma política orçamental que em vez de deitar gasolina na fogueira permitisse estimular o crescimento da economia. Disse a Ministra das Finanças que, face ao estado das finanças públicas e dos compromissos com Bruxelas não há outro caminho. E nós dizemos: não é verdade. Desde logo porque os compromissos do Pacto de Estabilidade não são um tabu, como ainda recentemente foi demonstrado com a decisão de adiar para 2006 o objectivo de equilíbrio orçamental, dando razão a muito do que o PCP sempre afirmou. Mas também porque está criado o clima necessário à própria alteração do método de cálculo do deficit, por exemplo deixando de integrar nele as despesas de capital, pelo menos no que se refere às contrapartidas nacionais de investimento para os projectos financiados pela União Europeia. Portugal, mais do que nenhum outro País, tem todo o interesse em animar este debate nos próximos anos. E, como se tal não bastasse tivemos recentemente pela voz autorizada do próprio Presidente da Comissão Europeia o discurso do funeral antecipado do Pacto com a confirmação de que é um instrumento pouco inteligente e pouco flexível e pela boca do Comissário Lamy soubemos ainda que afinal o Pacto é um instrumento económico grosseiro! Sem comentários.

Mas mesmo no quadro de condições económicas adversas e dos constrangimentos absurdos do Pacto, o Governo escolheu o pior caminho. O Governo não apresenta nenhuma visão plurianual, demite-se de investir na reestruturação e requalificação dos serviços da administração pública (veja o que se passa com as medidas inscritas neste Orçamento em matéria da administração fiscal), no alargamento da base tributária, no combate à fraude e à evasão fiscal. Este caminho levaria a que se apostasse no lado da receita e da diminuição da má despesa corrente em vez de se cortar cegamente no investimento e nas soluções imediatistas e injustas de aumentar os impostos sobre quem já paga, e muito, os trabalhadores e as pequenas empresas. Em matéria de despesa corrente o corte é cego e irresponsável: o Tribunal de Contas queixa-se de que não vai ter dinheiro para salários a partir, pelo menos, de Setembro. A Administração Tributária não tem meios para fazer o que lhe compete, arrecadar receita fiscal. As Universidades estão no mesmo caminho. O INE perde independência. Os Laboratórios do Estado e Centros de Investigação que perdem a autonomia financeira de que gozavam ficam em sério risco de paralisar grande parte dos projectos de investigação que estão a realizar em parceria com centros de investigação de outros países.

IV - Em matéria fiscal este Orçamento da maioria de direita é intoleravelmente injusto. Depois do aumento do IVA, agora aumenta o IRS com os escalões a serem actualizados somente em 2% bem como os abatimentos e as deduções à colecta quando o próprio Orçamento prevê uma inflação de 2,5%. Entretanto as pequenas empresas sujeitas ao regime simplificado vêem os montantes mínimos de tributação crescerem, em IRS e IRC, 28,2% enquanto o limite mínimo dos pagamentos especiais por conta em IRC aumenta em 150%. Em contrapartida, do lado das grandes empresas, isentam-se as SGPS e, à boleia, vão também as SCR, de tributação sobre os lucros resultantes das suas operações financeiras. Cria-se um regime cego de dedução de 20% da colecta liquidada de IRC, intitulada “reserva fiscal para investimento” de que beneficiarão as empresas exportadoras sem curar de saber quais as actividades que contribuem para criar um real valor acrescentado. Mas mais. Os dividendos de acções de empresas sujeitas a processos de privatização passam a ser tributados apenas por metade dos lucros distribuídos. As Sociedades Gestoras de Fundos de Pensões recebem também o seu bónus, já na linha da nova Lei de Bases da Segurança Social: as contribuições para os Fundos de Pensões passam a poder ser deduzidas à colecta em IRS, equiparando-os a PPR e a PPR/E. Os Benefícios Fiscais aumentam 3,2%, passando para 326 milhões de contos. Destes, mais de um terço diz respeito ao off shore da Madeira e a outras despesas fiscais não reprodutivas.

V - Vejamos agora o que se passa do lado dos salários e das pensões de reforma. Afirmou a Ministra das Finanças que a única verba disponível era a da massa salarial. E, de forma pouco séria, propôs aos Sindicatos que sejam eles a decidir da parcela que deve ir para aumentos da tabela salarial. Para além, obviamente, de não competir aos trabalhadores fazer esse exercício a Ministra não desconhece que da massa salarial saem as verbas para a Segurança Social, os Abonos, a promoção nas carreiras e múltiplas outras despesas. De acordo aliás com os próprios mapas anexos do Orçamento e tendo sido cativada a dotação provisional, então o Governo sabe que o que sobra para aumentos de tabelas é, no máximo, 1,5%, quase metade da inflação prevista e mesmo inferior à inflação esperada para a União Europeia! Este comportamento do Governo é de uma enorme hipocrisia e revela uma total falta de sensibilidade social. Por outro lado, as dotações inscritas no Orçamento da Segurança Social para as pensões de reforma traduzem-se em aumentos inferiores às dos últimos anos e que nem de longe nem de perto permitem a tão falada – e falsa – promessa de aproximação das pensões mínimas ao salário mínimo nacional. A isto soma-se a alteração dos critérios de cálculo das pensões de reforma dos trabalhadores da administração pública e igualmente a alteração dos montantes das pensões de reforma antecipada exactamente quando o Governo lança, na função pública, um clima de intimidação e ressuscita o quadro dos disponíveis pressionando os trabalhadores a irem para casa mais cedo. Por fim o Governo começa a pôr a descoberto as suas verdadeiras intenções para o Sistema Público de Segurança Social. Retornando aos tempos do cavaquismo não cumpre a LBSS, nem sequer a que ele próprio propôs. Faltam 148,7 milhões de euros (quase 30 milhões de contos) nas transferências para o Fundo de Capitalização, reserva que garante o pagamento, no futuro, das Pensões de Reforma e as contribuições dos trabalhadores voltam a servir para financiar os antigos regimes não contributivos e a acção social. É de novo o reinicio das políticas visando a degradação financeira da Segurança Social Pública, para melhor poder ser vendida a propaganda dos Fundos de Pensões. Senhor Presidente, Senhores Membros do Governo, Senhores Deputados,

Este é o Orçamento do imediatismo, da falta de ambição, da total ausência de sentido de solidariedade e de justiça social, que hipoteca o futuro. O único objectivo é arrecadar receita – e para isso também não falta, obviamente, mais uma mão cheia de privatizações - sem nenhuma reforma de fundo a pensar no futuro dos portugueses, porque a da Saúde é a pensar nos privados.

É o Orçamento que se vai traduzir no maior aperto de cinto para os trabalhadores, os pensionistas e reformados, as famílias mais carenciadas. Por isto tudo o recusamos.

Mas este Orçamento não é uma peça isolada da ofensiva da direita. Integra-se na contra-reforma legislativa em curso, onde avultam a LBSS e o Código do Trabalho, visando a alteração da configuração do regime democrático-constitucional. E cruza-se no tempo com uma progressiva e acelerada degradação do clima político e do funcionamento das instituições democráticas que teve o seu início com o regresso da direita ao poder e, nela, especialmente do CDS/PP.

Mas engana-se o Governo e toda a direita se pensam que do lado da esquerda e dos trabalhadores se cruzam os braços. A extraordinária manifestação dos trabalhadores da Administração Pública foi um sinal maior do descontentamento social que alastra. E da nossa parte, PCP, abertos e interessados na convergência de todos os que à esquerda rejeitam esta política, não deixaremos de lutar para que o País retome o caminho da esperança, da justiça, do futuro.

 

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Regime Democrático e Assuntos Constitucionais
  • Assembleia da República
  • Intervenções