Projecto de Lei N.º 47/XVI/1.ª

Obriga a comunicação e cria a contribuição especial sobre transações financeiras para paraísos fiscais

Exposição de motivos

Os paraísos fiscais / offshores, além de um inaceitável mecanismo colocado ao dispor dos detentores de grandes fortunas dos grupos económicos e financeiros para fugir ao pagamento de impostos, são usados para esconder das autoridades o dinheiro oriundo de práticas criminosas como a corrupção.

Escândalos internacionais como os Panama Papers, que passados oito anos inicia agora julgamento no Panamá, mostraram à saciedade como os paraísos fiscais são usados para lavar dinheiro subtraído ao erário público de diversos países, em resultado de negócios que mostram o caráter sistémico da corrupção no sistema capitalista.

As elites financeiras que beneficiam da promiscuidade entre poder económico e poder político, da corrupção sistémica, têm nos paraísos fiscais um “manto da invisibilidade” que as protege da investigação e da condenação por essas práticas. É por isso que vivem bem – e até apoiam financeiramente – as forças políticas que fingem querer combater a corrupção, mas que na hora da verdade recusam quaisquer medidas no sentido de combater o recurso aos paraísos fiscais, o que faz com que os maiores corruptos saiam incólumes. Sem o combate à opacidade dos offshores, a grande corrupção não chega a ser julgada, porque o dinheiro é escondido das autoridades.

Para além da corrupção, os paraísos fiscais estão associados a muitas outras práticas criminosas, que vão da evasão fiscal ao branqueamento de capitais, do financiamento do terrorismo ao crime organizado, nomeadamente tráfico de droga e de armas à margem dos Estados.

No plano da política fiscal, não é justo nem aceitável que um reduzido número de cidadãos e empresas, precisamente aqueles que dispõem de maiores níveis de rendimento, disponham de instrumentos legais que lhes permitem furtar-se ao contributo fiscal adequado à riqueza de que dispõem, eximindo-se no plano fiscal das suas obrigações perante a sociedade.

Um estudo publicado pelas universidades de Berkeley e Copenhaga 1, aponta para que Portugal perca quase 630 milhões de euros por ano (11% do IRC) pela transferência de lucros de grandes empresas para regimes fiscais mais favoráveis. Também a investigação da “Tax Justice Network”, publicada em novembro de 2021 aponta para uma perda fiscal anual de 886,7 milhões de euros (0,5% do PIB), subdividido em 415,8 milhões de euros associados ao abuso fiscal corporativo e 470,9 milhões de euros associados a fortunas colocadas em offshores.

Considerando que continua a ser necessária a cooperação internacional, na qual o Governo português se deve empenhar, intervindo em todos os fóruns e organizações internacionais com vista à extinção dos centros paraísos fiscais à escala global, devem ser tomadas medidas, em cada país, que vão tão longe quanto possível no sentido de limitar o recurso a estes regimes, tanto para prevenir, detetar e combater práticas criminosas, como para reforçar a justiça fiscal.

Nesse sentido, o PCP propõe:

  • A obrigatoriedade de comunicação de todas as transferências realizadas para países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis;
  • A definição, no plano nacional, e com base na cooperação com as autoridades financeiras, tributárias e judiciais, de uma lista de países, territórios e regiões não cooperantes, e a proibição de transferências para esses territórios;
  • A implementação de uma contribuição especial, com uma taxa de 35% sobre todas as transferências que tenham como destino final ou intermediário os paraísos fiscais, com o objetivo principal de desincentivar que essas transferências sejam realizadas, e assim, por um lado dificultar a ocultação de verbas com origem criminosa, por outro, garantir a sua tributação em Portugal.

Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto e âmbito

A presente Lei:

  1. Estabelece as obrigações de comunicação relativas a transações financeiras para países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis;
  2. Estabelece os critérios para a definição de uma lista de países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis, não cooperantes, e proíbe transferências para essas jurisdições;
  3. Cria a contribuição especial sobre transações financeiras para paraísos fiscais.

Artigo 2.º

Obrigação de comunicação

  1. Todas as pessoas, singulares ou coletivas, que realizem transações financeiras ou envio de fundos que tenham como destino final ou intermediário países, territórios e regiões com regime fiscal claramente mais favorável, são obrigadas a comunicar essas operações à Autoridade Tributária e Aduaneira, através de declaração mensal discriminativa, por via eletrónica, que inclua, relativamente a cada transação, os montantes, o país, território ou região de destino, a conta bancária ou entidade de destino, as instituições financeiras, nacionais e estrangeiras, que tenham tido intervenção na operação.
  2. As instituições de crédito, sociedades financeiras, instituições de pagamento ou instituições de moeda eletrónica que operem ou intermedeiem transações ou envio de fundos que tenha como destino final ou intermediário países, territórios e regiões com regime fiscal claramente mais favorável, são obrigadas a comunicar essas operações à Autoridade Tributária e Aduaneira, através de declaração diária discriminativa, por via eletrónica, que inclua, relativamente a cada transação, o ordenante, os montantes, o país, território ou região de destino, a conta bancária ou entidade de destino, e outras instituições financeiras, nacionais e estrangeiras, que tenham tido intervenção na operação.
  3. Os países, territórios e regiões com regime fiscal claramente mais favorável são os que constam da Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro de 2004, podendo o Governo, para efeitos da presente Lei e através de portaria, incluir outras jurisdições que cumpram com os critérios definidos no n.º 2 do Art.º 63.º-D da Lei Geral Tributária.

Artigo 3.º

Países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis, não cooperantes

  1. Para efeitos da presente Lei, consideram-se países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis, não cooperantes, as jurisdições constantes da Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro de 2004 em que se verifique uma oposição dessas jurisdições à cooperação com as autoridades judiciárias e tributárias portuguesas ou com as entidades de supervisão financeira portuguesas, designadamente quanto à prestação de informação relativa a operações financeiras, que impeçam o cumprimento das obrigações presentes no Artigo 2.º.
  2. A identificação dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis, não cooperantes é efetuada por Portaria conjunta dos ministros responsáveis pelas áreas das finanças, justiça e economia, ouvidas a Procuradoria-Geral da República, a Autoridade Tributária e Aduaneira e os supervisores financeiros.

Artigo 4.º

Proibição de transações para países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis, não cooperantes

São proibidas quaisquer transações financeiras ou envio de fundos que tenham como destino final ou intermediário países, territórios e regiões com regime fiscal claramente mais favorável, não cooperantes, nos termos do artigo anterior.

Artigo 5.º

Contribuição especial sobre transações financeiras para paraísos fiscais

  1. É criada a contribuição especial sobre transferências financeiras para paraísos fiscais (CETFPF).
  2. A CETFPF é aplicada aos sujeitos passivos de IRS ou de IRC residentes ou, não sendo residentes, com estabelecimento permanente em território português.
  3. A CETFPF é aplicável à totalidade do montante transferido para países, territórios e regiões com regime fiscal claramente mais favorável, de acordo com os critérios definidos no n.º 3 do Artigo 2.º da presente Lei.
  4. A taxa aplicável é de 35%.

Artigo 6.º

Regime contraordenacional

  1. A violação das obrigações constantes da presente Lei constitui contraordenações puníveis de acordo com o regime previsto na Secção II do Capítulo XII da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, que estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.
  2. Ao incumprimento do disposto na presente lei é ainda aplicável o disposto na Secção III do Capítulo XII da mesma Lei.

Artigo 7.º

Regulamentação

O Governo aprova a Portaria prevista no n.º 2 do artigo 3.º no prazo de 180 dias após a entrada em vigor da presente Lei, após audição das entidades aí referidas.

Artigo 10.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.

Notas

(1) Jornal de Negócios, 1 de outubro de 2019

  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Projectos de Lei
  • offshores
  • Paraísos Fiscais